Sábado, 06 de Setembro de 2025
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Sábado, 06 Setembro 2025 14:53

Mavinga, uma nova cidade vai erguer-se num antigo bastião da UNITA

Antigo bastião da UNITA, que controlou parte do território do sul e leste de Angola durante a guerra civil, Mavinga converteu-se na capital da nova província do Cuando, devendo ressurgir como uma mega cidade se os planos do Governo forem cumpridos.

Por enquanto, tudo o que existe é um extenso terreno baldio na margem esquerda do rio Cubia, onde pastam alguns bois entre maboqueiros dispersos e vedações improvisadas.

É ali que se prevê erguer um projeto urbanístico de grande escala para a recém-criada capital da província do Cuando, atualmente carente de infraestruturas e, sobretudo, de acessos.

"O bebé que nasceu a 28 de dezembro do ano passado já está a dar passos", resume Américo Tarcísio, diretor do gabinete do governador provincial, numa entrevista concedida à Lusa no local onde se erguerá a capital da nova província --- desdobrada da antiga província do Cuando Cubango na nova divisão político-administrativa de dezembro de 2024.

O Cuando tem uma extensão de 92.300 quilómetros quadrados, uma área equivalente a Portugal, e população estimada entre 140 mil (atual) e 350 mil habitantes dentro de 25 anos.

Enquanto apresenta os projetos, que contemplam edifícios de habitação e administrativos, um hospital -- que será a primeira construção a avançar -, parques empresariais e zonas industriais, o dirigente sublinha que tudo será feito "sem apagar a história" da velha Mavinga.

A antiga vila, hoje sem água canalizada e com eletricidade intermitente, será mantida e requalificada, garante.

"A clássica, na medida em que tem os traços da guerra, daqueles que passaram por aqui, não será demolida. O que está a acontecer aqui é a requalificação desta cidade", afirma.

O plano de requalificação prevê uma nova cidade desenvolvida em três fases: a primeira ocupará uma área de 200 hectares, consagrados a edifícios administrativos, hospital, escolas, infraestruturas sociais e habitação multifuncional; a segunda fase abrangerá 500 hectares para uso residencial e industrial; e a terceira, com 700 hectares, integrará zonas mistas de habitação.

No total, o projeto cobre 1.400 hectares, parte de um plano mais vasto de 14.000 hectares.

Mas não existe ainda um calendário definitivo nem valor total do investimento. "Não vou dar datas para não mentir. Mas é verdade que ainda agora começamos", disse Américo Tarcísio, reiterando que há empreiteiros já mobilizados para o início das obras que o Presidente da República, João Lourenço, visitou em julho.

As autoridades provinciais negam que o projeto seja megalómano e esperam que a nova cidade contribua para a coesão territorial e atraia mais habitantes, já que Mavinga conta atualmente com cerca de 23 mil cidadãos, mas as projeções demográficas estimam que a população cresça para 85 mil até 2050, nota.

O Governo diz-se empenhado em garantir que a nova cidade seja habitada pelos próprios cidadãos de Mavinga, com soluções urbanísticas que respeitam a realidade local.

"Os edifícios aqui não terão mais de dois andares. [...] Parece que nós estamos ladeados de pessoas que estão em casas de pau-a-pique. Se metermos um edifício enorme lá, vai ser um desfasamento. Não", explica, acrescentando que "as pessoas que também vão morar naquela nova cidade são essas pessoas da antiga cidade".

Historicamente associada à UNITA, rica em ouro e diamantes, Mavinga foi uma zona estratégica para Jonas Savimbi, líder do movimento guerrilheiro que combateu as forças governamentais durante quase 30 anos, logo após a independência em 1975.

Em 1990, foi palco de confrontos intensos durante a ofensiva Último Assalto, lançada pelas FAPLA --- o braço armado do MPLA --- para tomar a vila e abrir caminho até à Jamba, o antigo quartel-general da UNITA.

Hoje, porém, pouco resta da memória desses tempos nesta pequena e remota vila, situada a mais de mil quilómetros da capital, Luanda, e à qual só é possível aceder através de difíceis "picadas" arenosas, onde por vezes só é possível circular a 10 quilómetros por hora.

Além de dificuldades nos transportes, os habitantes também não dispõem de água canalizada e continuam a ter de ir buscar água ao rio, apesar de ter sido criado recentemente um tanque de abastecimento que funciona apenas quando há eletricidade.

"Durante a visita do Presidente da República, um dos aspetos que se colocaram aqui com o Ministério da Energia e Águas foi criar projetos de sustentabilidade para que a população tenha água e luz", revela Américo Tarcísio, adiantando que já existem "entendimentos" para a construção de um posto de abastecimento de combustível, um bem que atualmente tem de ser transportado a partir de longas distâncias.

Questionado sobre se o projeto da nova cidade irá apagar o passado ligado à UNITA, o dirigente rejeita a hipótese: "O que é antigo faz parte da história e nós só temos que melhorar a nossa história. E essa história será melhorada. [...] Esta nova cidade é para melhorar esta antiga, mas a antiga cidade histórica continua a ser".

Questionado sobre Mavinga, o secretário provincial da UNITA, Bastos Ngangwe, diz que as dificuldades para quem vive na região são "enormíssimas", salientando que nada tem a ver com o tempo de Savimbi: "Existiam hospitais e escolas e não faltava absolutamente nada ao povo", garante, contrastando com "a realidade do MPLA" em que "o povo está a morrer pela falta do mínimo medicamento".

"É um bocado difícil falar da construção de uma cidade enquanto não tivermos estradas", frisa. "As pessoas que se deslocam daqui para Menongue andam de camiões [Kamaz, veículos todo-o-terreno russos]", aponta, dizendo que a construção da nova cidade "é uma mera ideia".

O dirigente do maior partido da oposição angolana falou também de episódios de intolerância política para com os militantes da UNITA que se identifiquem como tal no município de Cuito Cuanavale e afirma que tem procurado vias para intervir com as autoridades locais para ultrapassar esses obstáculos.

"Mas está difícil", desabafa.

Em Mavinga, no entanto, não se registaram situações do género desde que entrou em funções, a 10 de abril, diz, admitindo que "existe algum cuidado" de ambos os partidos para assegurar que não venham a acontecer.

Américo Tarcísio confirma que o diálogo político tem prevalecido na nova província. "Desde que esta nova província nasceu, até agora tem havido uma abertura. Nunca tivemos incidentes em que no topo estejam envolvidos líderes próprios do partido", afirma, acrescentando que a UNITA solicitou recentemente uma audiência ao governador, já agendada.

"Na perspetiva de diálogo, não há repulsa", assegura.

Apesar do entusiasmo e das promessas, erguer nesta localidade uma cidade "do século XXI" é por enquanto um sonho. Até que ponto se tornará realidade é uma pergunta que só poderá ter resposta nos próximos anos.

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