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Domingo, 21 Janeiro 2024 13:58

131 milhões de dólares desviados e os 12 crimes que Angola atribui a Isabel dos Santos

O Ministério Público angolano acusou a filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos de ter roubado a Sonangol.

Pela primeira vez, desde que abandonou Luanda em 2018, quando foi chamada para prestar declarações, Isabel dos Santos foi acusada pela Procuradoria-Geral da República de Angola num inquérito-crime. Quatro anos depois da investigação do Luanda Leaks, feita pelo Expresso e pela SIC, em colaboração com outros meios como a BBC, o “Guardian”, o “New York Times” e a PBS, e coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) a partir de uma fuga de informação de Rui Pinto, o Ministério Público angolano produziu um despacho de acusação no dia 11 de janeiro em que concluiu que aquela que já foi considerada a mulher mais rica de África roubou a Sonangol.

Isabel dos Santos está acusada de 12 crimes de peculato, burla qualificada, abuso de poder, abuso de confiança, falsificação de documento, associa­ção criminosa, participação económica em negócio, tráfico de influência, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada por factos relativos à sua passagem, como presidente do conselho de administração, pela petrolífera estatal angolana, entre 2016 e 2017, durante o último período do seu pai, José Eduardo dos Santos, como chefe de Estado de Angola.

Segundo os procuradores, por ordem de Isabel dos Santos foram desviados 131 milhões de dólares da Sonangol para uma companhia offshore no Dubai, a Matter Business Solutions (que começou por se chamar Ironsea), cuja beneficiária última era a própria chairman da petrolífera.

Além disso, o MP diz que o prejuízo para o Estado angolano envolve outras verbas: 26,4 milhões de dólares que deviam ter sido pagos em impostos e não foram; 13 milhões de dólares em salários inflacionados distribuídos por administradores e diretores; 4,7 milhões de dólares pagos a consultoras externas que, segundo a acusação, correspondem a serviços duplicados; e ainda quase meio milhão que a Sonangol fez de desconto na venda de petróleo a uma companhia offshore, a Monjasa, controlada por Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, falecido em 2020.

Com ela foram acusados também três portugueses, encarados como seus cúmplices: Mário Leite da Silva, o principal gestor de todos os seus negócios; Sarju Raikundalia, o seu administrador financeiro na Sonangol; e Paula Oliveira, sua amiga e sócia.

Além disso, a PwC Angola foi indiciada por tráfico de influência e fraude fiscal qualificada, por ter aceitado ser auditora ao mesmo tempo que era consultora da Sonangol, num claro conflito de interesses e fechando os olhos, segundo o MP, aos esquemas financeiros ilegais montados por Sarju Raikundalia — ele próprio sócio da PwC Angola até ter entrado para a Sonangol.

BRITO PEREIRA DE FORA

O despacho de acusação confirma, de resto, a história que o Expresso publicou a 19 de janeiro de 2020 (“Como Isabel dos Santos desviou mais de 100 milhões de dólares da Sonangol para o Dubai”), embora os procuradores tenham decidido deixar de fora da lista de acusados Jorge Brito Pereira, advogado que representou a empresária em muitas das suas sociedades e que foi exposto no Luanda Leaks por ter executado o esquema de branqueamento de capitais no Dubai.

Acusação do Ministério Público confirma Luanda Leaks. Isabel terá desviado 131 milhões de dólares

Foi Brito Pereira quem criou a Ironsea/Matter Business Solutions, sendo que Mário Leite da Silva assumiu-se como administrador e Paula Oliveira como única acionista.

A intriga por detrás destes crimes começou quando Isabel dos Santos foi contratada, por decisão do pai, para assessorar o Estado angolano na reestruturação do sector petrolífero. Em dezembro de 2015, uma companhia detida pela empresária em Malta, a Wise Intelligence Solutions, estabeleceu um contrato com o Ministério das Finanças por 8,5 milhões de dólares.

Cinco meses mais tarde, em maio de 2016, o modelo de reestruturação do sector petrolífero foi aprovado por José Eduardo dos Santos e logo a seguir a sua filha foi nomeada presidente do conselho de administração da Sonangol.

Isabel dos Santos é acusada de ter assumido ilegalmente a gestão executiva da empresa estatal, apesar de haver um CEO, Paulino Jerónimo. Com o controlo total da petrolífera, a empresária tomou a partir desse momento uma série de decisões vistas como criminosas, incluindo o desvio de dinheiro para o Dubai.

O despacho revela que o Standard Chartered Bank recusou em 2016 fazer pagamentos da Sonangol para a Wise, por suspeitas de Isabel dos Santos estar a fazer negócios consigo própria. Sarju Raikundalia acabou por conseguir realizar as transferências no Investec Bank, em Hong Kong, mas este banco encerrou as contas da petrolífera logo depois. Isabel dos Santos e Sarju Raikundalia decidiram então abrir contas bancárias no BFA, no BIC Angola e no EuroBIC, bancos de que ela era dona, e em 2017 esses pagamentos deixaram de ser feitos para a Wise e passaram a ser feitos para a Ironsea/Matter no Dubai. O gestor de conta no EuroBIC, em Lisboa, por onde circulou a maior parte do dinheiro, acabaria por se suicidar poucos dias depois das revelações do Luanda Leaks.

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