“Não há justificativa para encurtar as suas vidas. Ninguém pode justificar a morte destes jovens, em particular nas circunstâncias em que perderam as suas vidas”, afirmou Matsinhe no seminário virtual “Violência policial em Angola”, organizado pela AI.
No seminário, Matsinhe apontou que a AI, em colaboração com a organização não-governamental angolana Omunga, documentou 10 homicídios cometidos pelas forças de segurança no âmbito da imposição de restrições contra a covid-19.
“Estes jovens que praticamente eram o nosso presente e o futuro, ainda tinham muito que oferecer às suas famílias e suas comunidades, à sociedade e ao mundo em geral”, acrescentou, apontando que as vítimas tinham entre 14 e 35 anos, incluindo cinco menores de idade.
Angola tem sido palco de protestos contra um crescente descontentamento com a governação do Presidente, João Lourenço, incluindo um a 11 de novembro, dia em que o país assinalou 45 anos de independência.
O governo da província de Luanda tinha proibido a realização desta manifestação, evocando diversos motivos, um dos quais o não cumprimento do decreto presidencial sobre o estado de calamidade pública, que impedia ajuntamentos de mais de cinco pessoas nas ruas, como medida de prevenção e combate à propagação da covid-19.
A polícia impediu a tentativa de manifestação, tendo recorrido ao uso de força e de gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, havendo o relato de feridos e algumas detenções.
Da mesma forma, em 24 de outubro, um protesto que reivindicava melhores condições de vida, mais emprego e a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, foi frustrado pelas autoridades, resultando em 103 detenções e ferimentos de polícias e de manifestantes.
Por seu lado, a professora Cesaltina Abreu, chefe do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto (UAN), apontou que fatores como um mau índice de desenvolvimento humano, o desemprego – em particular o desemprego jovem – e a situação de insuficiência alimentar em Angola poderão “responder à pergunta ‘porque é que as pessoas vão à rua?’”.
A professora acrescentou que o papel das forças de segurança passa por “promover a segurança e a tranquilidade pública e a ordem pública” e fazê-lo “dentro da estrita observação dos direitos do cidadão”.
A investigadora acrescentou que os acontecimentos recentes representam uma violação da Constituição pelas forças de segurança.
“Os acontecimentos que marcaram os últimos meses são mais do que um alerta, são a confirmação de graves violações dos direitos fundamentais plasmados na Constituição”, disse Cesaltina Abreu.
Salvador Freire, líder da associação “Mãos Livres”, apontou que para combater a covid-19 foram limitados direitos “que não podem ser restringidos”, incluindo “em decretos ou em algumas normas infraconstitucionais, ou seja aquelas normas que são inferiores à Constituição”.
“Esse decreto presidencial infraconstitucional tem restrição de liberdade e as garantias fundamentais do cidadão”, disse.
O jurista considera que a polícia nacional angolana “tem carta branca” e que é permitido aos agentes “fazerem tudo o que bem lhes apetece”.
“Muitos angolanos foram mortos pelo simples facto de não usarem a máscara. É inconcebível”, afirmou, recordando que nas manifestações realizadas “os cidadãos apenas foram para exprimir os seus sentimentos”.
No relatório divulgado na terça-feira, e hoje recordado pelos oradores no seminário – incluindo o coordenador da ONG Omunga, João Malavindele – a Amnistia Internacional apresenta várias recomendações ao Estado angolano, incluindo que se tomem “medidas imediatas e urgentes para assegurar que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei parem de recorrer ao uso excessivo e desnecessário da força como meio de qualquer circunstância, nomeadamente por infrações aos regulamentos da covid-19”.
A AI apela também para que se acabe “imediatamente” com a violência contra manifestantes pacíficos, com a prática de dispersar arbitrariamente reuniões pacíficas e com a detenção de indivíduos antes de manifestações, considerando que esta é uma forma de impedir a realização das mesmas. A organização pede também ao executivo para que este respeite “plenamente os direitos de liberdade de expressão e reunião pacífica para todos os cidadãos em Angola”.
O relatório sugere também à justiça que acabe com “todos os todos os processos penais instaurados contra indivíduos simplesmente por tentarem exercer o direito à liberdade de reunião pacífica” e solicita que nos casos em que estes resultem em punição, se promova a anulação das condenações e na supressão das multas.
A ONG solicita que sejam tomadas medidas para acionar uma “investigação imediata, exaustiva, independente e imparcial das alegações dos homicídios de jovens” pelas forças de segurança durante a aplicação do regulamento da covid-19.