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Segunda, 07 Setembro 2020 17:17

Organizações de direitos humanos condenam morte de médico após detenção

Organizações angolanas de direitos humanos condenaram hoje com “veemência” a morte do médico Sílvio Dala, após detenção numa esquadra policial por conduzir sem a máscara facial, considerando o caso como “reflexo da extrema violência policial no país”.

Para o diretor geral do Mosaiko – Instituto para a Cidadania –, o frade dominicano Júlio Candeeiro, que lamentou “profundamente” a morte do médico angolano de 35 anos, a situação é “a todos os níveis condenável” e reflete “aquilo que tem sido nos últimos tempos o escalar da violência policial”.

“Já há uns anos que denunciamos a brutalidade policial, temos vários registos de violência policial e, em tempo da pandemia, esses casos apenas vieram à tona”, afirmou hoje à Lusa o diretor do Mosaiko - organização não-governamental angolana de promoção dos direitos humanos.

O médico pediatra Sílvio Dala morreu no passado 01 de setembro, em Luanda, alegadamente numa esquadra policial após ter sido detido por conduzir sem máscara.

Em comunicado, o comando da polícia de Luanda confirma a detenção do médico referindo que o mesmo apresentava “sinais de fadiga, teve uma queda aparatosa” e morreu no caminho para o hospital.

Uma versão contrariada pelo Sindicato Nacional dos Médicos Angolanos (SINMEA) que atribui os ferimentos na cabeça as “pancadarias e duros golpes” de que Sílvio Dala terá sido alvo na esquadra policial.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana já abriu um inquérito para averiguar as "reais causas" da morte do médico.

Segundo o diretor do Mosaiko, está-se diante de “mais um caso de violência policial” em que “faltou a lei da proporcionalidade, faltou racionalismo na abordagem da questão”.

“Se o cidadão conseguiu se explicar, se havia alguma forma de passar a multa para o cidadão não havia necessidade de o reter naquele espaço”, frisou.

Frei Júlio afirmou igualmente que as reações divergentes entre a polícia e os médicos mostram “algum desespero da corporação” e que a situação deveria ser resolvida com alguma pedagogia, defendendo um inquérito “sério e independente”.

Repúdio e condenação à morte do médico Sílvio Dala também surgem a nível da Associação Mãos Livres, organização de defesa e proteção dos direitos humanos, para quem os angolanos “não podem continuar a morrer gratuitamente”.

“Condenamos veementemente a atitude da polícia nacional, sobretudo aquilo que tem sido e, pensamos que há ordens superiores por parte da polícia nacional, porquanto o ministro do Interior havia dito que não haveria de distribuir chocolates e rebuçados para com os cidadãos”, disse hoje Salvador Freire, presidente das Mãos Livres, em entrevista à Lusa.

O também advogado defende uma “sindicância para ser responsabilizada a estrutura da polícia nacional”, admitindo mesmo avançar com uma queixa ao tribunal contra a corporação policial.

A não-utilização da máscara facial no interior de uma viatura, mesmo estando sozinho, dá lugar a multa de 5.000 kwanzas, segundo o decreto presidencial sobre a situação de calamidade, que o país vive, desde 26 de maio passado, para conter a propagação da covid-19.

De acordo ainda com Salvador Freire, a detenção pelo falta de uso da máscara “não colhe, por se tratar de uma transgressão administrativa e não de um crime”, porquanto, adiantou, “nesses casos o cidadão deve pagar a multa e não ser detido numa esquadra”.

“Essa atitude é incorreta por parte da polícia nacional que, mais do que nunca, deve rever a sua forma de atuação”, concluiu.

O SINMEA agendou para os próximos dias uma marcha de protesto contra a morte do médico Sílvio Dala, que, em Angola, gerou uma onda de comoção e solidariedade para com os profissionais de saúde.

No final de agosto, a Aministia Internacional tinha já contabilizado sete mortos às mãos das forças de segurança angolanas, por não usarem máscara, entre maio e julho, admitindo que o número de vítimas possa ser superior.

Angola, que vive desde 26 de maio situação de calamidade pública, conta com 2.965 casos positivos da covid-19, sendo 1.650 ativos, 1.198 recuperados e 117 óbitos.

Ordem dos Médicos de Angola pede investigação independente 

A Ordem dos Médicos de Angola solicitou uma nova investigação, independente, sobre as circunstâncias em torno da morte do médico Sílvio Dala, falecido, depois de ter sido abordado pela polícia por não usar máscara facial

A Ordem dos Médicos de Angola (ORMED) solicitou hoje uma nova investigação, independente, sobre as circunstâncias em torno da morte do médico Sílvio Dala, falecido, depois de ter sido abordado pela polícia por não usar máscara facial.

Num comunicado de imprensa, assinado pela bastonária, Elisa Gaspar, a ORMED solicita “imediata revisão do decreto Presidencial, que obriga o uso de máscara a indivíduos que transitem sozinhos em suas viaturas, uma vez que apesar de haver alguma controvérsia sobre o assunto, não existem evidências científicas suficientes para sustentar tal implementação massiva”.

A ordem lembra que aquela classe de profissionais “perde mais um dos poucos médicos que tem e centenas de crianças perderam o seu médico e a oportunidade de seguimento por um profissional qualificado”.

“A ORMED lamenta a profundamente a morte prematura deste profissional numa altura em que o país enfrenta uma pandemia que muito exige dos pouquíssimos profissionais no ativo”, lê-se no documento.

Sobre a polícia, a ordem condenou o seu comportamento “que, ignorando todos os fatores atenuantes, prescindiu do seu papel pedagógico, levando para a esquadra um profissional devidamente identificado, visivelmente esgotado fisicamente por ter cumprido mais de 32 horas de trabalho seguidas, usando obrigatoriamente a máscara facial no seu local de trabalho, tendo por isso optado por ficar alguns minutos respirando ar puro enquanto se dirigia para a sua casa, sozinho, na sua própria viatura”.

Depois de avaliar os factos, a ORMED considera pouco claras as circunstâncias em torno da detenção e morte do médico, “uma vez que são desencontrados os pronunciamentos da Polícia Nacional, o que surge uma zona cinzenta por esclarecer”.

Segundo o documento, “uma simples observação do hábito externo do cadáver evidencia claramente um ferimento significativo, com abundante sangramento, o que geralmente não acontece com simples escoriações”.

O Ministério do Interior na sua nota sobre o assunto alegou que o médico depois de ter sido conduzido a uma esquadra pela polícia, para o pagamento de uma multa, “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.

“A ORMED valoriza a idoneidade da Polícia Nacional e considera-a uma entidade respeitável e honesta, vocacionada para garantir a ordem, tranquilidade pública e a proteção dos cidadãos, contudo, solicita a quem de direito, uma nova investigação, independente, das circunstâncias em torno deste jovem médico de quem o país tanto esperava”, exorta a nota.

O Ministério da Saúde de Angola apelou à calma da comunidade médica e expressou a sua “mais profunda consternação pelo passamento físico do doutor Sílvio Dala, diretor clínico do hospital materno-infantil de Ndalatando, destacado em missão de formação no Hospital Pediátrico David Bernardino, em Luanda, na noite do dia 01 de setembro, quando se encontrava sob custódia policial, em circunstâncias ainda não completamente esclarecidas”.

O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA) programou, para sábado, uma marcha que vai encerrar um período de sete dias de luto, iniciado hoje, sobre a morte do médico Sílvio Dala.

Na sua mensagem este domingo, o Ministério da Saúde anunciou que se juntou à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério do Interior, que instauraram um processo-crime para esclarecer as circunstâncias reais em que ocorreu o infausto acontecimento, assim como a respetiva responsabilização de eventuais prevaricadores.

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