Nos últimos 10 anos, a China financiou projetos em África no valor total de 232.19 mil milhões de dólares (1,87 biliões de patacas), segundo o "think-tank" europeu Bruegel. De acordo com a China-Africa Research Initiative da universidade norte-americana Johns Hopkins, Angola tem sido o principal destinatário, tendo atraído 42,8 mil milhões de dólares de crédito chinês entre 2000 e 2017.
O desafio, diz o presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP), Rui Leão, está em garantir que os projetos conseguem "melhorar a vida das comunidades e da qualificação das cidades, para além da resolução de uma questão simples de logística". "No caso africano, há uma quantidade de coisas muito diversas que podem ser resolvidas através da aplicação desse investimento", acrescentou o arquiteto nascido em São Tomé e Príncipe, à margem da abertura do VII Fórum do CIALP, sob o lema "Cidades Melhores: o contributo das infraestruturas".
Segundo um estudo do AidData, um laboratório de pesquisa da Universidade William and Mary, nos Estados Unidos, entre 2000 e 2014, o financiamento chinês em infraestururas já ajudou a reduzir a desigualdade interna dos países em desenvolvimento.
Fernando Pereira Teixeira, presidente da Ordem dos Arquitetos da Guiné-Bissau (ONAGB), dá como exemplo a barragem de Souapiti, atualmente em construção na vizinha Guiné-Conacri. O projeto a cargo de uma subsidiária da empresa estatal chinesa China Three Gorges Corporation - que detém 23,3 por cento da elétrica portuguesa EDP - vai transformar o país africano em exportador de energia, nomeadamente para a Guiné-Bissau.
"A África Ocidental tem um sério problema de abastecimento de eletricidade", explica Fernando Teixeira. A barragem de Souapiti, que deverá entrar em funcionamento em 2021, "vai-nos ajudar a dar um salto muito grande de desenvolvimento, porque sem eletricidade ninguém se desenvolve", sublinha o arquiteto guineense.
Projetos "chave na mão"
Ainda assim, Fernando Teixeira admite que nem sempre os projetos chineses são um sucesso, como é do caso do Palácio do Governo da Guiné-Bissau, inaugurado em 2010. "Aquilo foi feito a pensar na China, onde até neva, mas em Bissau quando a luz elétrica vai embora ninguém aguenta lá dentro devido ao calor", explica o líder da ONAGB.
A transplantação de projetos vindos da China sem o cuidado de os adequar à realidade local, nomeadamente a aposta em arranha-céus de cimento para alojar populações habituadas a uma vida mais rural, foi também alvo de crítica por parte de Peter Rich. "O comportamento terrível dos empreiteiros chineses", diz ele, foi a razão que levou o Ruanda a convidar em 2007 o arquiteto sul-africano para desenhar habitação pública.
"Felizmente as coisas mudaram e as empresas chinesas estão mais abertas a consultoria com arquitetos locais, algo que pode ser uma situação de benefício mútuo", diz Peter. Também Rui Leão acredita que "a intervenção dos arquitetos no processo todo, desde antes do início dos projetos, na discussão dos planos" pode multiplicar o impacto positivo de novas infraestruturas.
"Um dos grandes problemas em África", explicou ao PLATAFORMA o angolano Victor Leonel, presidente da União Africana de Arquitetos, "é que os governos, quando contratam empresas estrangeiras, sejam chinesas ou de outro país qualquer, normalmente o financiamento implica um projeto "chave na mão" que vem de fora".
Angola tem apenas cerca de 1300 arquitetos. "Com a quantidade de projetos que Angola tem neste momento esses arquitetos estariam assoberbados de trabalho", diz Victor Leonel. Mas como os projetos vêm de fora "não sabem muitas vezes o que vai ser feito nem têm participação", lamenta o dirigente.
A falta de arquitetos é um problema transversal na África subsaariana, diz Fernando Teixeira. A África Ocidental apenas tem duas escolas de arquitetura, uma no Togo e outro na Costa do Marfim. "Com tão grande falta de arquitetos, como é que um país se pode desenvolver?" questiona Victor Leonel. Plataforma