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Quarta, 13 Agosto 2014 22:29

Declaração da UNITA sobre a Reconciliação Nacional

ANGOLANOS:

A sociedade angolana caracteriza-se por uma grave polarização sobre o passado em que o marco de convivência é dominado por antigos actores alguns dos quais transformados em novas forças de exclusão que se pretendem consolidar em torno da sua própria verdade.

Por essa razão, a UNITA considera pertinente o debate do tema da reconciliação nacional agendado pela Assembleia Nacional para hoje, dia 13 do corrente mês de Agosto. O debate é pertinente porque o maior desafio para a nossa sociedade é criar um espaço social onde seja possível ter em conjunto e de forma interdependente os impulsos das energias sociais da verdade, do perdão e da justiça visando a construção da Nação angolana.

Infelizmente, o Relatório produzido para orientar o debate parlamentar constitui uma simples peça de propaganda de uma das partes do conflito que assolou o País durante décadas e não serve os objectivos transcendentes da reconciliação nacional, por estar eivado dos mesmos vícios e preconceitos que, ao longo dos anos têm obstaculizado o processo de construção da Nação, em particular:

a)      Ignora as causas profundas e a natureza político-cultural do conflito angolano;

b)      Ignora, por exemplo, que o incumprimento dos Acordos de Alvor foi a causa do conflito pós-colonial que se prolongou por cerca de três décadas. Inviabilizou a eleição democrática do que seria um dos primeiros parlamentos multipartidários na África Austral e a constituição de um governo de Angola independente sufragado pelos angolanos.

c) Assume erradamente que o conflito angolano é militar, que começou apenas em 1992 e que o debate sobre a reconciliação deve limitar-se ao período posterior ao ano de 2002;

d) Assume falsa e falaciosamente que o processo angolano de reconciliação nacional baseia-se, não numa transacção política, nem nos direitos humanos, mas na ‘magnanimidade’ de quem é acusado dentro e fora de Angola por uma porção significativa da sociedade angolana como uma das fontes do conflito.

e) Considera erradamente que os ‘dois principais actores no quadro do processo de reconciliação nacional são a Assembleia Nacional e o Conselho da República, sim, a mesma Assembleia Nacional que alberga deputados que consideram uma parte dos seus membros como ‘sulanos’;

f) Confunde reconciliação com pacificação militar;

g) Baseia-se num ‘estudo’ de opinião que procura transmitir o ponto de vista geral de uma população adulta superior a nove milhões de pessoas, a partir de entrevistas a uma amostra de 17 pessoas;

h) Ignora o facto de que o conflito angolano continua a causar mortos, doentes, sequestros, explorados, escravos, analfabetos, deficientes, presos políticos, espoliados, cidadãos e ‘os outros’de primeira e cidadãos de segunda classe.

i) Ignora o facto de que a existência de um Partido-estado actuante inviabiliza o alcance dos objectivos da reconciliação nacional

Nesta base, a UNITA rejeita liminarmente o Relatório produzido por alguns dos Deputados e seus consultores como base para um debate construtivo.

É convicção da UNITA que o debate sobre a reconciliação nacional deve ser abrangente, permanente e estruturado visando a construção da Nação e não a defesa de um regime autoritário que radica na corrupção e na controvérsia.

O debate sobre a reconciliação nacional deve sair dos limites estruturais e jornalísticos de um parlamento sequestrado que persiste em rejeitar o povo e colocar-se do lado do sequestrador.

Qualquer debate sobre a reconciliação só será frutífero se, no respeito pela diferença, reconhecer as seguintes doze verdades fundamentais:

1- O conflito a que Bicesse pôs cobro não foi apenas um conflito militar entre o MPLA e a UNITA. Foi um conflito político-ideológico de dimensão internacional entre dois ideais: o totalitarismo e a democracia. Apesar de ter vencido o ideal democrático, Angola não firmou o seu Contrato Social, não construiu instituições democráticas sólidas nem realizou nunca eleições democráticas.

2- Se os arquitectos dos Acordos de Nova York estavam interessados em ‘salvar a face’ e evitar mais custos militares desnecessários em face do desmoronamento da URSS, em 1988, também os Acordos de Bicesse, em 1991, e a Constituição de Angola de 2010, não criaram ainda a nova matriz de convivência social entre os povos e as regiões de Angola nem a nova matriz económica para servir em primeiro lugar os interesses dos angolanos.

3- A reconciliação nacional não é um processo que diga respeito apenas ao MPLA e à UNITA. Nem diz respeito apenas às instituições do Estado. É um fenómeno social, um ‘dossier familiar’, que precede a criação do Estado-Nação, em 1975, e que, por isso, deve ser abordado pelas forças políticas e sociais de Angola, todas elas, sem excepção e em plena igualdade.

4- Reconciliar é ‘corrigir’, ‘ajustar’ e ‘reconstruir’. O objectivo último da reconciliação nacional é, por um lado, a correcção dos erros do passado, e por outro, a satisfação das necessidades de verdade e de justiça, ligadas à luta contra a impunidade e à defesa dos direitos humanos.

5- A reconciliação centra-se na construção sócio-psicológica pós conflito que passa pela reconstrução de identidades para dar lugar ao reconhecimento da dignidade do outro. Este processo passa necessariamente pela compreensão das raízes mais profundas do conflito, tais como os efeitos culturais do Estatuto do Indigenato e as desigualdades sociais e económicas entre os angolanos. Ele requer a participação activa das comunidades no sentido de anteciparem um futuro partilhado. Para tal, deve haver um nível de segurança e liberdade suficientes, de forma a tornar credível a transformação das antigas fontes de divisão e o reconhecimento do passado por todos.

6- A reconciliação que Angola reclama é NACIONAL, e não estadual, nem partidária, porque envolve todos os grupos nacionais, todas as famílias de Angola, todas as regiões do país. Envolve a FLEC; envolve os ofensores e as vítimas da tragédia do 27 de Maio; envolve tanto os que delapidam o erário público e emitem garantias do Estado para proteger actos de enriquecimento ilícito e de branqueamento de capitais como as suas vítimas, como a grande maioria dos milhões de cidadãos a quem é negado o acesso igual à riqueza; envolve tanto os que defraudam a História e os processos eleitorais para se manterem no poder por métodos não previstos nem conformes com a Constituição, como as suas vítimas ou seja, o cidadão que tem o direito de exercer a soberania e de ver a sua vontade, e não a de qualquer impostor, servir de base para o exercício do poder político em Angola.

7- A reconciliação nacional envolve um diálogo profundo e fraternal entre governantes, patrões, accionistas e trabalhadores, sobre os valores do trabalho, do lucro justo, do salário digno e da solidariedade. Envolve os jovens cujos direitos à educação de qualidade, à boa saúde, ao emprego e a um desenvolvimento equilibrado estão sendo negados e vilipendiados por quem os devia garantir.

8- A subversão do regime democrático transaccionado em 1991 por via da transformação do Memorando de Entendimento do Luena em pilar da reconciliação e da paz de Abril em paz dos vencedores, e a consequente instauração em Angola de um regime autoritário, constituem elementos de obstrução da reconciliação nacional. Os fundamentos da reconciliação erigidos em Bicesse, em 1991, e reafirmados primeiro em Lusaka, em 1994, e mais tarde no Luena, em 2002, continuam por construir.

9- Os poderes constituídos, ao agredirem a democracia todos os dias, estão a agredir a reconciliação nacional. Ao impedir a diversidade e o pluralismo político no controlo privado da economia, estão a inviabilizar a reconciliação. Ao bloquear a concretização da autonomia local através da implementação efectiva das autarquias, estão a impedir o desenvolvimento autónomo das comunidades locais e, consequentemente, a correcção das desigualdades, que significa reconciliação nacional.

10- A Reconciliação Nacional implica: o reconhecimento dos erros de cada um; a compreensão dum passado conflituoso marcado por violações de direitos humanos; o estabelecimento de uma ponte para o futuro; a criação de uma memória colectiva e uma cultura de debate e de direitos humanos, por oposição à anterior cultura de impunidade.

11- Para avançar, o processo angolano de reconciliação nacional precisa de uma forte vontade política por parte de quem governa de forma a promover ambiente político que permita uma mudança de cultura política. O processo de construção de uma nova cultura política envolve, também, uma reconciliação de memórias e passa pela descoberta de uma forma de coabitação diferente da que se verifica hoje.

12- A concretização da genuína reconciliação nacional passa pela instauração efectiva da democracia em Angola e pela resolução definitiva do conjunto de problemas pendentes e mal resolvidos. Tal resolução passa pela feitura do Novo Contrato Social Angolano.

Angolanos:

É fundamental a criação de um espaço institucional para o aprofundamento e consolidação da Reconciliação Nacional, a fim de se ultrapassarem os obstáculos que inviabilizam o verdadeiro e almejado reencontro dos angolanos para a construção de uma Nação inclusiva e melhor para todos. Este espaço deveria ser dirigido por uma personalidade da sociedade angolana cuja idoneidade seja consensualmente.

A UNITA continuará a ser um factor actuante para a construção da paz democrática, fundamento da genuina reconciliação nacional.

Luanda, 13 de Agosto de 2014

O Secretariado Executivo do Comité Permanente            

Unita Angola

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