Em março de 2018, o Governo do MPLA prometeu que as primeiras eleições autárquicas de Angola seriam em 2020. Entretanto, os requisitos básicos para a sua realização estão longe de serem cumpridos. A começar pela Lei Eleitoral - do seu pacote de 10 leis, estão apenas aprovadas três: Lei Orgânica sobre as Eleições Autárquicas, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais e a Lei da Tutela Administrativa das Autarquias Locais.
A discussão e aprovação das restantes leis está a mercê do plano de atividades do Parlamento, o que leva o seu tempo. Face a demora que se advinha surge a seguinte questão: são mesmo para este ano as autárquicas?
"Este é um grande dilema. O discurso oficial é para este ano, mas pelas ações tudo indica que as autárquicas não serão para 2020. Porque até agora todo o pacote eleitoral que vai suportar as eleições autárquicas não está concluído, não foi aprovado na totalidade, falta uma série de leis", responde Agostinho Sikatu, cientista político.
E Sikatu afirma que "se até abril ou maio não for aprovado, a única solução será o adiamento das eleições".
Como ficam as reformas eleitorais?
Mas não é apenas a demora na aprovação do pacote eleitoral que ameaça a realização das autárquicas. Há determinados procedimentos eleitorais que devem ser aprimorados, segundo recomendações antigas.
Luís Jimbo é especialista em eleições e sublinha que, para convocar as eleições autárquicas,"o quadro legal tem de estar preparado, tem de existir".
"Uma outra questão são as reformas eleitorais saídas das eleições de 2017, principalmente sobre o funcionamento dos centros dos escrutínios sobre as deliberações eleitorais que têm a ver com a tabulação dos resultados, dos representantes dos partidos políticos", lembra o especialista em eleições.
Calendarização do processo comprometida?
E porque as eleições são um sistema que funciona em cadeia, até as condições climatéricas adequadas têm de ser tomas em conta. Em termos de calendarização do processo nada indica que seja conveniente ir a votos este ano, de acordo com Luís Jimbo: "Do ponto de vista do quadro legal, já não é possível organizar eleições dentro do período normal que tem acontecido [as eleições], que é o período seco, entre agosto e setembro, para termos pouco impacto nas questões logísticas e não aumentar dispendiosamente o orçamento e também permitir que as pesoas possam votar sem constrangimentos".
"Deste ponto de vista, para 2020 não se pode pensar em realizar eleições autárquicas, mas é possível. A qualquer altura se pode criar o quadro legal", deixa, entretanto, em aberto o espcialista.
Por que João Lourenço quereria autárquicas depois das eleições gerais?
A demora é entendida por certos setores como intencional. Para o Presidente João Lourenço, que aparenta não ter o poder devidamente consolidado no MPLA, o partido que governa ir às autárquicas representaria um revés na sua intenção de garantir o seu segundo mandato.
Sikatu é um dos que acredita que tudo não passa de jogada política do Presidente da República: "Porque não se justifica do ponto de vista político, do ponto vista de quem gere a estratégia neste momento e detém o poder. Ir às autárquicas significa repartir o poder com outras forças políticas. E, neste momento, a João Lourenço não interessa, porque repartir o poder significa claramente perder as eleições em 2022."
O desejado "passo de camaleão"
E portanto, conduzir o processo a "passo de camaleão" seria a cartada de mestre de João Lourenço para alcançar os seus intentos.
No entender de Sikatu, "qualquer deslize político para ele é fatal, por isso mesmo é que mandou logo de imediato o pacote legislativo para a Assembleia Nacional e esta vai fazendo gestão de tempo. Vai deixando [em banho-maria]: aprova uma lei, passa um mês e aprova outra para ver se consegue adiar [as eleições autárquicas]".
E o cientista político desconfia: "Porque se adiam as eleições de 2020 para um outro ano já não é possível. Porque 2021 é ano de preparação para as eleições gerais. Estamos a falar de [autárquicas] depois de 2022, acho que o objetivo de João Lourenço é, de fato, isso: Realizar as eleições autárquicas depois de 2022." DW Africa