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Sexta, 23 Agosto 2019 22:30

Presidente da CNE: Uma nomeação Opaca

Alguns estudiosos dos assuntos africanos, como Édouard Glissant, elegem a opacidade (l’opacitè) como uma característica fundamental da cultura e da arte em África. Não entrando nessa discussão, há que dizer que, do ponto de vista do direito e da política, a opacidade ajuda muito pouco a criar sociedades mais justas em África.

Este ponto é muito claro na nomeação em curso do novo presidente da Comissão Nacional Eleitoral de Angola (CNE). A opacidade deveria ser mantida bem longe do processo.

Nunca é demais sublinhar que esta nomeação é fundamental no actual período político angolano. Fundamental por duas razões. Primeiro, porque é um teste às propaladas intenções reformistas de João Lourenço. Vai o presidente da República deixar que se nomeie um presidente da CNE sem qualquer intervenção sua? Segundo, porque a nomeação do novel presidente da CNE é o pontapé de saída do processo eleitoral que aí vem, o qual começa com as eleições autárquicas e culmina com as eleições gerais de 2022, onde o MPLA se verá em apuros para ensaiar as fraudes do costume, atendendo às denúncias entretanto efectuadas pelos seus próceres. Assim, estamos claramente num momento-chave.

Nestes termos, é lamentável que a decisão sobre quem vai ser o próximo presidente da CNE esteja a ser tomada sem que haja um processo deliberativo aberto, sendo, em vez disso, introduzida sub-repticiamente através da divulgação de um suposto “Relatório do Júri”. Este relatório tem data de 29 de Maio de 2019, e dele constam quatro assinaturas, faltando uma quinta. Aí se apresenta uma classificação dos candidatos, de acordo com uma série de parâmetros. Não pretendemos analisar pessoalmente cada um dos candidatos, mas sim contestar os procedimentos que estão a ser utilizados.

Não faz qualquer sentido que se divulgue o relatório de um júri sem que o mesmo tenha sido homologado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), nem sequer aprovado e discutido por esse órgão.

Em linguagem corrente, é o que se chama “colocar a carroça à frente dos bois”; em linguagem jurídica, é uma tentativa de condicionar a deliberação de um órgão competente.

É evidente que se está a tentar fazer passar um facto consumado, quando a verdade é que nada foi determinado. Este condicionamento poderá tornar-se fatal, sendo considerado uma forma de coacção moral do CSM. E no final acabará por determinar a nulidade do concurso. Consequentemente, é um erro gravoso de quem conduz o processo.

A este facto acresce que, segundo um elemento próximo do processo, alguns dos vários critérios de avaliação de candidatos que norteiam o referido relatório são ilegais, porquanto não constavam do regulamento do concurso. Um caso será o da “pontuação (valoração quantitativa) dos critérios de avaliação”, o que permitiu ao júri, presidido pelo juiz-conselheiro Joel Leonardo e sob a orientação do presidente do CSM Judicial, Dr. Rui Ferreira, a manipulação dos resultados”, afirma-nos a mesma fonte.

Tal permite várias façanhas, como por exemplo não se tomar em consideração a experiência eleitoral de um dos candidatos enquanto juiz do Tribunal Constitucional, quando, como se sabe, o referido Tribunal é o foro judicial eleitoral por excelência, ou não se vislumbrar o reflexo da participação de outro candidato em vários eventos de direito eleitoral ocorridos no estrangeiro.

A questão essencial que se nos coloca não é a da escolha das pessoas, mas sim a da inexistência de processos acima de qualquer suspeita.

Tal como aconteceu no concurso para a escolha de juízes dos Tribunais da Relação, são introduzidos demasiados elementos arbitrários e subjectivos no processo decisório, que deixam uma excessiva margem de apreciação para quem tem de solucionar a disputa. Isto não deve ser assim. Os processos devem ser feitos com base em critérios objectivos e através de mecanismos deliberativos e participativos.

Como referimos no início, a nomeação do novo presidente da CNE é o primeiro passo de um longo processo democrático eleitoral que agora se inicia e se pretende justo e competitivo, sem as suspeitas do passado e com a garantia de que o voto popular corresponde ao voto anunciado. Por esses motivos, é importante que se escolha o presidente da CNE por vias acima de qualquer suspeita, e que ele reúna o consenso das forças políticas. O novo presidente da CNE não pode ser mais um aparelhista que não dê credibilidade à instituição. Maka Angola 

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