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Segunda, 12 Setembro 2016 13:14

(Des) governo: Não há autoridade no país, há pessoas com poder

Não são necessárias lupas nem óculos graduados para vermos por todo o lado no nosso país a falta de autoridade das instituições. Às vezes, vemos rompantes de autoridade ou de demonstração de autoridade, mas é dar-lhes quinze dias e tudo volta ao normal.

Por Ismael Mateus | NJ

Um dia houve uma proibição de condutores de motorizadas sem capacete e durou dois dias. No outro, alguém disse que iria acabar com o mercado informal nas ruas de Luanda ou que haveria uma tolerância zero contra a corrupção e contra os acidentes nas estradas. Tudo acaba em banho-maria porque a autoridade no país não assenta no poder formal das instituições, mas antes num pequeno e restritíssimo grupo de pessoas. Não há autoridade no país, há pessoas com poder. Não há governo (que é quem governa), há executivo, que auxilia o titular do poder executivo e como o chefe do poder executivo não é super-homem nem sabe de tudo, já está no poder há 36 anos e tem 74 anos.

A falta de autoridade institucional radica essencialmente do esvaziamento das instituições e do poder formal. Não temos dúvidas de que a falta de autoridade se acentuou depois de a CRA ter eliminado a figura do governo, que passou a executivo, e de o Tribunal Constitucional ter desvalorizado a acção do poder legislativo, retirando-lhe a capacidade de fiscalização do parlamento sobre o governo.

Trata-se de uma crise geral de responsabilização em que não se pede contas a ninguém, não há uma acção colectiva de moralização e responsabilização públicas por actos censuráveis, e assim se perdeu qualquer autoridade.

Por mais que aconteça um desastre, uma grave negligência, nada acontece aos intervenientes públicos desses casos, criando-se na sociedade a ideia da impunidade e da falta de responsabilização que conduz à falta de autoridade.

A única autoridade que se afirma no nosso país é aquela em que gente armada e protegida por um uniforme honroso como o das forças armadas age cobardemente contra populações indefesas e ainda alega legítima defesa contra um miúdo de 14 anos morto de costas.

Quando se chega ao ponto de isso acontecer e ninguém, absolutamente ninguém, dizer nada, é o cúmulo da falta de autoridade.  

Houvesse responsabilização, já o chefe do Estado Maior das FAA teria de apresentar a sua demissão. Mas não nos iludamos quanto a isso: A falta de autoridade vem já de alguns anos em diferentes áreas da vida pública, o que tem como consequência geral um estado de paralisação e de inacção das instituições. Todos sabemos que nenhum ministro e nenhum tribunal se vai atrever a dar um murro na mesa e a responsabilizar todos soldados e oficiais que se envolveram na operação Zango. Nenhuma instituição se sente com autoridade suficiente para agir num caso destes, como acontece também com milhares de outros casos em quequem de direito não age com medo de retaliações, por falta de poder efectivo ou porque não tem ordens superiores para intervir, mesmo tendo competência fazê-lo.  

O problema da falta da autoridade tem a ver essencialmente com o modelo de governação que há muitos anos vem mantendo uma lógica de poderes paralelos, como o chamado Futungo de Belas no passado, as actuais comissões de trabalho, os bilhetes, os comités de especialidade ou as competências ministeriais pouco claras.  

Se por um lado se dá poder formal a uma instituição, dá-se, por outro lado, o poder efectivo nas mesmas áreas a outras. Se por um lado se incumbe uma tarefa a uma instituição por outro, na prática, é uma associação, uma comissão ou até outra entidade similar a realizá-la. E, assim, hoje os ministros não decidem, consultam; os PCAs das empresas públicas na verdade submetem-se às interferências na gestão por via de ordens superiores, tal como acontece com os titulares de cargos públicos, que não são directa, pessoal e publicamente responsabilizados pelos seus erros.  

Ninguém quer ter chatices e nos calamos todos, mesmo que estejamos perante uma enorme arbitrariedade. Os advogados, juízes, professores de direito. tão ciosos dos seus galões e PhDs, refugiam-se no silêncio das conveniências para não verem o que se está a passar e afirmar que num estado de direito isso é inaceitável. Os valentes generais que honraram aquela farda também nada dizem. 

Quando, no congresso do MPLA, se fizeram apelos à disciplina e ao rigor, comentámos que isso poderia ser um pau de dois bicos. Por um lado, se efectivamente os comportamentos e as práticas mudassem, imediatamente iniciaria um movimento galvanizador representando a nova era, mas, por outro lado, se tudo se mantivesse como até aqui, seria pior e os novos nomes da direcção do MPLA seriam arrastados para a acentuada descrença de mudança.  

O caso Zango afecta directamente o ministro da Defesa, João Lourenço, que assim é “manchado” naquilo que trazia de mais forte: a esperança de um modo diferente de estar na política. Se perante a “guerra” do Zango, que é do seu sector, 

o ministro da Defesa nada diz, terá capacidade para impor disciplina e rigor no país?  

Estamos a partir do princípio que todos os ministros dos sectores envolvidos (Justiça, Defesa, Administração do Território e Governo de Luanda) estarão apenas a gerir o silêncio, porque admitir que o seu silêncio significa concordância seria, isso sim, um desastre.  

Seja como for, temos o país inteiro a assobiar para o lado, a fingir que não se sabe que um miúdo de 12 anos foi morto, que os jornalistas do Novo Jornal foram maltratados, que as casas são partidas ou que ninguém compreende por que razão o exército saiu à rua para fazer um trabalho dos tribunais e da Polícia Nacional. 

Assobiemos, então, todos para o lado e seja isso um acto de coragem, ao menos isso, de reconhecimento que não temos coragem para mais do que isso.  

 

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