Quarta, 01 de Mai de 2024
Follow Us

Quinta, 21 Mai 2015 18:57

A religião é que está “a bater” – Reginaldo Silva

Em Angola o normal até certa altura, depois abertura do país ao multipartidarismo, foi passar-se do 8 para o 80, mas nesta altura já se está a verificar uma tendência inversa que, no limite, poderá chegar a apenas a uma ou duas unidades por cada ” fileira de equipamentos postos a concurso público”.

A tendência agora já é do 80 para o 8, numa movimentação que conheceu nos últimos dias mais uns desenvolvimentos restritivos que chamaram a atenção deste “observatório meteorológico” e fazem sequência ao “caso Kalupeteka”, numa altura em que a palavra de ordem é claramente a caça às seitas, depois de tudo quanto de violento e sangrento aconteceu no passado dia 16 de Abril no Monte do Sumi, na Cáala, província do Huambo.

Na fase de arranque, já lá vão cerca de 25 anos, tivemos no emergente “mercado dos projectos sócio-políticos” o fenómeno da proliferação de tudo e de mais alguma coisa, com destaque para o surgimento de novos partidos para todas as opções politico-ideológicas e de igrejas para todos os gostos e feitios.

Em relação aos primeiros, começou-se praticamente da estaca zero, com as excepções que se conhecem, mas já não se pode dizer o mesmo quanto aos segundos.

Na gestão do “mercado da fé”, entenda-se liberdade de religião e culto dos angolanos, o regime monopartidário sempre soube ser muito mais tolerante, não obstante o carácter vincadamente marxista-leninista do então Partido do Trabalho (PT), que eram as vestes com que o “Eme” desfilava na altura.

Em abono da verdade, e para um país que tinha vivido os seus primeiros 15 anos de independência sob a batuta de um só maestro que tudo controlava e quase nada permitia fora da sua alçada, nem se pode falar bem de proliferação no sentido menos positivo com que o termo é hoje encarado e utilizado, sobretudo pelo discurso oficial.

Tratou-se então mais de uma explosão que era perfeitamente previsível, aceitável e absolutamente legítima, depois de década e meia de garrote e asfixia, ditados pela apertada governação do pós-independência em matéria de liberdades fundamentais.

A tendência começou a inverter-se primeiramente com a razia que já se verificou com os partidos, sendo Angola, possivelmente, um dos poucos países democráticos onde a legislação extingue os partidos por não participarem em eleições ou por não conseguirem um resultado mínimo.

É, claramente, uma legislação draconiana que nos deixa muitas dúvidas quanto à sua natureza democrática, pois o facto de um partido não participar em eleições ou não ter conseguido a tal fasquia, não devia por si só significar uma sentença de morte tão definitiva, como aquela que foi aplicada a dezenas de formações.

Subitamente despertadas pelos acontecimentos da Caála, as atenções da sempre afiada tesoura oficial estão agora voltadas para as igrejas, onde efectivamente se começou a registar, há já bastante tempo, o fenómeno da proliferação nos seus contornos mais negativos e preocupantes.

Isto, a ter em conta os expressivos números disponíveis ou sob controlo da repartição anexa ao Ministério da Cultura que trata destes assuntos.

Nesta altura, já está a circular na imprensa o “draft” do que poderá vir a ser a próxima “Lei sobre a Liberdade de Religião, Crença e Culto”, que seria de todo aconselhável que fosse sujeita a uma abrangente e vinculativa consulta pública.

Sabemos quanto valem por estas bandas as consultas públicas, mas mesmo assim, sempre seria uma boa oportunidade para se discutir o fenómeno religioso de uma forma mais alargada, para se evitarem os excessos administrativos que já se divisam sem precisarmos de nenhuma lupa.

Um dos pontos deste ante-projecto que mais chamou a nossa atenção é aquele que defende que “nenhum culto, espectáculo religioso e similares pode ser realizado sem um plano de asseguramento aprovado pela Policia Nacional, a presença dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros e do Instituto Nacional de Emergências Médicas”.

Como é evidente, a escrupulosa aplicação do que está aqui estipulado nas condições de Angola (mas não só), significaria pura e simplesmente a inviabilização da actividade religiosa no seu todo.

Não acredito que, mesmo noutros países com melhores condições de atendimento por parte das citadas instituições, esta exigência seria exequível para todos os serviços religiosos.

Não acredito também que para a realização de cultos normais, as igrejas precisem de um tal aparato, pois até agora nunca houve este tipo de exigência e todos nós de uma forma geral já estivemos sentados algures a “ouvir a palavra do Senhor”, pelo que sabemos perfeitamente do que estamos a falar.

Este é apenas um exemplo a espelhar a tendência inversa, isto é do 80 para o 8, que já está em marcha e em ritmo acelerado, numa altura em que também se multiplicam as notícias sobre encerramentos administrativos de locais de culto.

Independentemente do que possa estar em causa numa conjuntura bem definida que é aquela que resultou da conhecida bronca, as autoridades não se podem esquecer que Angola é um Estado de Direito e que neste âmbito a “liberdade de consciência, de crença religiosa e de culto é inviolável”.

Ainda não sei bem porquê, mas acho que as autoridades estão a mexer com um ninho de marimbondos.

RA

Rate this item
(0 votes)