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Sábado, 04 Abril 2015 21:28

Confissões de um inventor de guerras

Nos tempos em que a noite era suave e dava uma sede olímpica, era frequentador do Bambi, um cabaré pequenino, onde me sentia no ninho que nunca tive.

O Ernesto Lara Filho era amigo do gerente, o que fazia toda a diferença, porque bebíamos fiado. Na madrugada chegávamos à rua, e víamos a imponente igreja do Carmo envolvida na finíssima neblina da madrugada. Mano Arnesto erguia os braços aos céus, fitava o templo e berrava: Senhor, um dia a dívida será paga! Eu, que sempre estive de relações cortadas com o dono da casa, balbuciava: Sou pecador, confesso! 

Aquela era a zona mais empolgante de Luanda, perto de tudo, discreta, mística e com aquele grãozinho de pecado: o dancing Bambi ,onde meninas simpáticas fumavam e tratavam qualquer desconhecido por tu. Descendo a rua, era a Docélia, onde hoje existe uma loja que vende carros Porshe. Em frente, era a oficina do Chico Barbosa, campeão de motos. E ao lado a loja do Cruz, do Negage, que vendia baterias.

Só em Luanda é possível a existência de um cabaré chamado Bambi, nome que sugere imensa ternura. E a casa que vendia noites retumbantes, estava à sombra tutelar de um belo templo. Mais abaixo ficava a Biblioteca da Câmara Municipal de Luanda, fundada pelo cronista e jornalista Alfredo Troni, cuja casa está a cair aos bocados, mesmo em frente ao edifício do Colégio das Beiras, condenado ao camartelo. Um dia veio a Luanda a companhia de dona Ruth Escobar, a personificação da inteligência e o gosto teatral. Trouxe o seu “Missa Leiga”. Quando caiu o pano sobre a última cena eu estava em êxtase e fiquei com a sensação de que depois de ver aquela maravilha, podia morrer em paz. Ainda continuo extasiado. 

No fim do espectáculo, fomos à Docélia com dona Ruth Escobar. No meio da conversa disse-lhe que Luanda tinha um cabaré chamado Bambi. Ela riu-se e não acreditou. Tive que levá-la à porta e só então se convenceu. Lá estavam as letras vermelhas em néon “bar dancing”, acendendo e apagando. E em azul, BAMBI. Ficou convencida. Se lhe contasse que na casa de Luanda que melhores noites vendia,  iniciei e terminei dramaticamente a minha carreira de bailarino frívolo, a diva do teatro também  não ia acreditar, por isso, calei-me. 

Mas ainda que pareça mentira, a verdade é que fui bailarino no Bambi. A Lolita Preciosa fazia striptise ao som de um tango de Gardel e eu, ao lado, na penumbra, cabelo penteado para trás, com um bigode fininho, calças pretas justas e camisa imaculadamente branca, dava dois passos à frente, dois atrás e rodopiava. 

Lolita atirava para cima de mim as peças de roupa que ia despindo e eu, sempre com gestos tanguistas, depositava as peças em cima de um pano, estendido no chão, à boca dos bastidores. Quando ficava nua,  atirava-se para o meu colo e eu fugia com ela rapidamente para fora do palco. Os clientes bêbados insultavam-me de tudo, porque queriam ver demoradamente aquele corpo escultural. Um dia atirei-me a uns quantos que me insultaram e acaboui ali a carreira de bailarino, dez paus por noite e duas cervejas à borla. Nunca mais me recompus economicamente.

Hoje continuo a ser insultado por bêbados, chefes da UNITA e gente sem rosto nem mãe. É este o destino dos repórteres que não temem as associações de malfeitores nem os acomodados que vivem pendurados no Estado desde que nasceram. Apesar de tudo, hoje vou fazer uma confissão. O deputado Numa tem razão. 

A Batalha do Cuito Cuanavale nunca existiu. Espero que me perdoem, mas eu e o meu amigo Nando fomos a um sucateiro do Rundo e compramos-lhe os restos dos tanques Oliphant que estão no Triângulo do Tumpo. Em 1988, entre o Chambinga e o Cuito Cuanavale apenas existia uma estância de férias, onde os sul-africanos iam fazer safaris. Savimbi e Numa transportavam-lhes as armas.

Aqueles mísseis das FAPLA que Reginaldo Silva, empregado da Medianova, do Semanário Angolense, da TPA, da RNA, do Conselho Superior da Comunicação Social, do Sindicato dos Jornalistas e de todos os blogues conhecidos e clandestinos,  diz terem sido capturados pela UNITA, confesso espontaneamente, sem tortura, que é verdade. Podem pagar-lhe mais uma remessa de dólares.

Por favor, esqueçam tudo o que escrevi sobre o Triângulo do Tumpo. O apartheid nunca existiu e quem invadiu Angola na fronteira sudoeste foram os pigmeus, reforçados com  uns portugueses ainda mais pequeninos, que se abasteciam na Jamba de coisas valiosas no mercado negro: droga, diamantes e marfim. Esta parte é verdade, lamento muito. 

Sou pecador, confesso! E inventei os comandantes das FAPLA que no Triângulo do Tumpo se bateram contra os invasores. O coronel engenheiro Jorge não sabe o que são minas e armadilhas. Não construiu bunkers à prova de bombardeamentos aéreos e artilharia pesada. Não reconstruiu a ponte sobre o rio Cuito nem a pista da base aérea do Cuito Cuanavale. Tudo mentira.

Savimbi nunca existiu, por isso não pode ser criminoso de guerra. Nunca escreveu cartas ao general Betencourt Rodrigues, comandante da Zona Militar Leste, nem ao general Luz Cunha, chefe supremo das forças colonialistas em Angola, a combinar ataques às forças do MPLA. Marcelo Caetano, no seu depoimento, nunca escreveu que o defunto chefe da UNITA era bom rapaz “e nosso amigo”. Aceitem as confissões deste pobre repórter inventor de guerras.

Por Artur Queiroz

Jornal de Angola

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