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Terça, 06 Agosto 2024 12:45

Branqueamento da imagem de Savimbi vs percurso errático

Se estivesse em vida, Jonas Malheiro Savimbi teria feito 90 anos de idade na última semana.

Nos últimos anos, a UNITA, o principal activo agregado como é natural, tem procurado construir um perfil menos violento do seu líder histórico, promovendo um conjunto de facetas positivas de Jonas Savimbi.

Apesar de morto, a UNITA continua a precisar muito da imagem de Jonas Savimbi, que continua a ser activo e elemento agregador das bases do partido.

Para isso, o maior partido da oposição vende a narrativa de um Savimbi que anteviu a má governação do MPLA e de um nacionalista a quem se deve a democracia do país, ainda que muitas vezes a mesma UNITA afirme quando convém que vivemos em ditadura.

Perante essa acção de "branqueamento” da imagem de Jonas Savimbi, ninguém reage. Nem mesmo o MPLA, absorto nos problemas da governação, nem figuras da sociedade que, insatisfeitos com a governação, temem que realçar o efeitos da guerra de Savimbi possa parecer uma desculpabilização dos erros da governação cometidos pelo MPLA.

Com documentários, livros, divulgação de extractos de discursos e entrevistas e muita acção política, a UNITA alega a necessidade de desmistificar muitas inverdades e para desencadear essa grande campanha que passa, por um lado, por colocar Jonas Savimbi ao lado de Agostinho Neto e Holden Roberto, o que é historicamente legítimo, mas também por realçar a contribuição positiva para o fim do monopartidarismo.

E assim, num ápice a guerra pós-eleitoral feita pela UNITA sob liderança de Jonas Savimbi deixou de ter qualquer peso na avaliação da governação nos 30 anos de democracia. A máquina propagandística da UNITA e o excessivo da justificação com a guerra pelo MPLA criaram uma situação de saturação e, hoje, mais ninguém quer ouvir falar das consequências da guerra pós-eleitoral, como se elas tivessem desaparecido com uma varinha mágica.

Jonas Savimbi recusou-se a aceitar os resultados eleitorais e decretou o renascer da guerra civil para tomar o poder pela força. Os confrontos entre o Governo e a UNITA só cessariam após a morte de Jonas Savimbi. Entre 1992 e 2002, a guerra teve uma intensidade muito superior do que no período do monopartidarismo. Mais de 500 mil pessoas morreram e mais de um milhão foram deslocadas internamente. Dois terços do país chegou a estar sob ocupação da UNITA, ao que se seguiu uma grande destruição de infra-estruturas de Angola, desactivação de toda a Administração Pública e produção económica.

Aos jovens e às futuras gerações vende-se a ideia de um Savimbi "quase santo” que foi morto em combate, omitindo-se deliberadamente todo o percurso errático do líder da UNITA, marcado por alianças com o colonialismo português, com o regime boer da Africa do Sul e pelo retorno à guerra depois das eleições de 1992.

No que toca à imagem de Jonas Savimbi, o desafio será sempre o de ver reconhecido o trabalho ideológico e político feito com a criação da UNITA e da sua transformação no que é hoje e, ao mesmo tempo a aceitação dos inúmeros erros cometidos por Savimbi, entre os quais, o mais grave, a destruição do país na tentativa de alcançar o poder. A paz só foi possível com a sua morte e esta é uma realidade indesmentível e não o caracteriza como um defensor da democracia. Num percurso de tantos anos há obviamente facetas e etapas que agora se procuram omitir ou até dar uma nova versão como são os casos dos seus discursos inflamados contra os adversários, a sua apologia ao tribalismo e o modo sanguinário como se livrou de opositores internos.

A UNITA precisa de vender essa imagem vencedora e ganhadora de Jonas Savimbi para continuar a ter a sua figura como o centro unificador do partido e aquele cuja vida dá sentido e propósito de milhares de angolanos que acreditaram na conquista ao poder pela armas. Depois de anos a fio a acreditar que a rebelião armada lhes levaria ao poder em Luanda, o maior partido da oposição precisa de manter as suas bases unidas ao ideal de JMS, sem assumir a derrota militar sofrida, nem admitir o erro histórico da opção. Pelo contrário, transformaram ambas num sacrifício pela democracia em Angola.

O facto de, no momento mais frágil do MPLA, a UNITA não ter conseguido nas últimas eleições capitalizar o voto da insatisfação com a governação, a ponto de não ter ganho as eleições, e o facto da abstenção ter atingido o maior número pode ser um indicador de que o impacto do passado de guerra e da imagem de JMS sobre as gerações mais velhas.

Permitir que a UNITA faça à vontade, sem oposição nem contraditório, todo o branqueamento da imagem de Savimbi junto dos jovens e das gerações do futuro é algo que, sem dúvidas, o MPLA vai pagar caro.

À medida que o tempo nos vai distanciando do fim da guerra, menos impacto terá qualquer justificação com essas consequências. Mesmo assim, um dia alguém vai se fartar desse branqueamento e vai revelar aos jovens os discursos inflamados com apelo à morte de outros angolanos ou as decisões militares que já depois das eleições multipartidárias empurraram milhares de jovens para uma nova guerra, de novas mortes, mutilações e destruição de bens e infra-estruturas que hoje estão a ser reerguidas.

Ante os "gritos dos maus” por quê se calam as instituições do Estado, os "bons” e os prejudicados por Jonas Malheiro Savimbi e que se mantêm na UNITA? 

Por Ismael Mateus

Jornal de Angola

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