Terça, 16 de Julho de 2024
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Terça, 16 Julho 2024 13:36

A difícil construção da democracia interna nos partidos políticos

Apesar das diferentes alterações políticas que ocorreram nos principais partidos angolanos, a democracia interna continua a ser um processo de difícil construção tanto na UNITA, como no MPLA.

Por Ismael Mateus

Circulou, recentemente, nas redes sociais do MPLA uma carta em que se dizia que a democracia interna estava a ser usada como estratégia para destruir o partido por dentro. Defendia-se então discussão e a crítica abertas, mas nada de democracia interna: apenas uma liderança e só um vector.

Também há poucas semanas correu na UNITA uma carta de teor similar. Um antigo candidato ao lugar de presidente do partido agora alerta os militantes a não darem ouvidos a mais ninguém senão a Adalberto Costa Júnior (ACJ). Avisa que alguns se vão apresentar para concorrer contra ACJ, mas esses estão ao serviço do MPLA - diz o antigo candidato.

A questão central da democracia interna nos nossos partidos reside no facto de as lideranças não estarem preparadas para coabitar e disputar protagonismo com as tendências e correntes partidárias internas. A excessiva concentração de poder nos líderes facilmente cria, à sua volta, grupos de bajuladores e fanáticos que, defendendo os seus próprios interesses, constroem narrativas e intrigas contra quem não pertença a esse círculo de lealdades. Por não terem a mesma visão sobre a condução do partido, velhos companheiros de armas são afastados, mesmo expulsos, marginalizados, estigmatizados ou abandonados sem apoio do partido que ajudaram a criar. Em sentido contrário, todos os líderes criam os seus "clubes de fans”, bajuladores e fanáticos que se apressaram a vir a público agitar a ideia da inevitabilidade da aposta: "Ou ele ou o caos”.

E não é de agora. Já era assim nos velhos tempos da guerra civil. Todos os que na UNITA ou no MPLA ousaram pensar diferente do líder, pagaram o preço das suas vidas ou foram afastados. Com a chegada de José Eduardo dos Santos ao poder, ocorreu uma relativa moderação com os críticos internos, com o afastamento de alguns e envio de outros para o "exilio das embaixadas”. Ainda assim, às vozes críticas que se mantiveram no interior do partido colocava-se o rótulo de estarem ao serviço dos inimigos, fossem eles a UNITA ou forças ocultas contra o partido no poder.

Na mesma época, na UNITA de Jonas Savimbi, o clima era de total absolutismo. Todos os que tentaram contrariar o líder foram mortos ou tiveram de fugir.

Com Isaías Samakuva, a UNITA inaugurou a era das eleições internas com múltiplos candidatos, forçando, de certo modo, o MPLA, a proceder também a alterações nos seus estatutos. Na época, vários dirigentes da UNITA reclamaram para si o título de partido com democracia interna, numa alfinetada para o rival, no qual nunca ocorreu um exercício eleitoral com mais do que um candidato a líder do partido.

Hoje, a situação inverteu-se. Enquanto no MPLA se anunciam publicamente vários candidatos para as próximas eleições internas, na UNITA, ACJ afastou toda a sua concorrência. Alguns foram convertidos em apoiantes e membros do tal "clube de fans, bajuladores e fanáticos” do "ACJotaismo”. Outros foram suspensos ou expulsos do partido. Quem internamente mantém a crítica ao líder, ganha o rótulo de traidor. A estratégia continua a mesma: Fazer do MPLA o inimigo comum e, logo, quem não está de acordo com a orientação política do chefe está ao serviço do MPLA.

O partido, que se gabava de ser um exemplo de democracia interna, rapidamente se está a transformar outra vez num espaço de exercício do absoluto poder do líder.

A briga pública entre ACJ e Isaías Samakuva não é mais do que reflexo do retrocesso da democracia interna no seio da UNITA. O líder da UNITA teme que a Fundação Jonas Savimbi dê voz e visibilidade às correntes que lhe são críticas e que ele já conseguiu limpar do partido. E uma vez mais, usou o argumento da instrumentalização do MPLA.

Isaías Samakuva é militante com percurso e história, tendo inclusive sido presidente do partido durante 16 anos, responsável pela preservação e sobrevivência política do partido. A insinuação da sua instrumentalização, seja por quem for, é um excesso de ACJ que se destina a minar a credibilidade de Isaías Samakuva e reduzir a sua influência junto das bases. Aos olhos dos militantes da UNITA, não há pecado maior do que se vender ao inimigo. Samakuva critica principalmente a criação da Frente Patriótica Unida que subalterniza os quadros e a visão política da UNITA. Também discorda da estratégia de confrontação política de ACJ em vez de mais diálogo e de uma oposição mais construtiva.

Resta saber se os críticos se vão converter ao "ACJotaismo” ou encontrar um candidato que não seja humilhado nas urnas.

Por este andar, o mais provável é que venhamos a ter brevemente um congresso da UNITA com um único candidato e no MPLA um congresso de múltiplas candidaturas. JA

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