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Segunda, 03 Abril 2023 21:18

As instituições devem aprender a reagir às falsas narrativas de activismo social

A haver algum, o único mérito da campanha “Dia 31 Fica em Casa” foi o de ter demonstrado que a grande maioria das instituições da nossa sociedade, entre partidos políticos, empregadoras ou comunicação social, não estava preparada para estas novas formas de luta, que nascem do populismo mediático e do poder mobilizador do activismo das redes sociais.

Por Ismael Mateus

O activismo nas redes sociais cria a ilusão de criar figuras com capacidade de dar voz aos cidadãos comuns, transformando os posts, partilhas e comentários em "armas” para reivindicar causas populares e populistas.

Não havendo uma reacção inteligente e cuidadosamente preparada, a tentativa de resposta pode ser na verdade multiplicadora do seu campo de acção e pode levar a atingir um público maior e a ganhar mais visibilidade.

A contrapor-se à campanha "fica em casa” com uma contra-campanha "Dia 31 vou bumbar”, feita por figuras credíveis da sociedade, pode ter provocado o efeito "boomerang”, que acabou por conferir demasiada importância e estatuto de movimento nacional de contestação política ao apelo inicial. A participação de Paulo Flores também veio acrescentar mais credibilidade e mais capacidade de mobilização. A sociedade foi levada a assumir mais uma polarização e comportamentos políticos antagónicos: apologistas da ideia de ficar em casa (supostamente os sensíveis à situação social do país) e contrários à ideia, apologistas do vou bumbar (vistos como insensíveis e aliados do Governo). Usou-se uma vez mais a estigmatização dos lados políticos. Espalhando desinformação e discurso de ódio, quem pensasse diferente passava de imediato a ser "um inimigo político a abater” e alvo dos chamados "cancelamentos”.

São os típicos condimentos do chamado activismo social baseado numa estratégia populista de criação de blocos antagónicos, onde os líderes da iniciativa adoptam um discurso voltado para os "likes” das massas, procurando dividir a sociedade em dois grupos, onde eles são, naturalmente, os que cumprem e interpretam a vontade do povo e os outros, aliados dos insensíveis ao sofrimento, inimigos do povo.

Toda a campanha populista e oportunista funda-se na ilusão de que existe uma indiferença nacional contra a situação sócioeconómica dos cidadãos e que, por isso, os promotores e seus apoiantes são vistos como os líderes de uma acção política, um movimento, "é preciso fazer-se qualquer coisa” contra uma suposta indiferença nacional.

Não só os líderes alimentaram essa ilusão, como também as próprias instituições agiram reconhecendo-lhes involuntariamente esse poder convocatório e mobilizador que julgavam ter. Não tarda, teremos analistas e jornalistas renomados a gabar o impacto social da campanha ou mesmo a afirmar que se trata de um primeiro grito de revolta contra a situação vigente. Mera manipulação da opinião pública.

Arrombada a porta, ou se muda a fechadura ou o gatuno volta mais vezes. As instituições necessitam de aprender rapidamente a reagir de modo inteligente à construção das narrativas do activismo social e do populismo nas redes sociais, que se escudam no âmbito do aumento das liberdades de pensamento.

Um dos sinais de impreparação veio da Polícia Nacional, que preveniu os cidadãos contra o perigo de manifestações e desordem públicas, acabando involuntariamente por convidar também os cidadãos a não sair à rua, ampliando, portanto, as possibilidades de sucesso da campanha.

Da parte da UNITA veio o apoio público à iniciativa, considerando as motivações da manifestação de "legítimas e constitucionalmente atendíveis”. Pela mão do próprio líder da oposição, os organizadores ganharam um estatuto de interlocutor válido, quando caberia ao maior partido da oposição reclamar para si esse lugar, denunciar este tipo de acções como inócuas e prometer medidas alternativas da sua governação para melhorar a vida dos angolanos.

O foco central é a ideia ilusória desta campanha como um pujante e inédito sinal de luta contra a indiferença da sociedade contra a situação actual. E com as suas reacções, as instituições ajudaram a compor a mentira.

Ao contrário do que pretendem demonstrar os autores da campanha, não existe na nossa sociedade nenhuma indiferença em relação à situação social dos angolanos. Faltam soluções imediatas, é verdade, mas não existe indiferença, como se pode verificar nos discursos dos partidos da oposição, com a UNITA a liderar, nas letras das músicas, textos dos opinion makers e reivindicações dos sindicalistas e líderes de classes profissionais. Aliás, a oposição até é criticada por "cavalgar” em demasia nos "podres” da governação e nas críticas à situação económica.

O outro lado da moeda é o comportamento dos serviços de interesse público, como a comunicação social e os táxis colectivos. A comunicação social aprofundou a polarização política à volta da manifestação, sendo que os órgãos conotados com o Governo silenciaram o assunto e os "afectos” à oposição deram ampla cobertura ao "fica em casa”. Apesar das três associações dos taxistas (ATL-Associação dos Taxistas de Luanda; ANATA- a Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola e ATA- Associação dos Taxistas de Angola) terem dito que não iriam aderir, foi a falta de táxis nas ruas que fez a diferença. Os cidadãos não podem estar à mercê das conveniências políticas dos prestadores de serviços de interesse público seja na comunicação social, táxis colectivos ou outros, que felizmente funcionaram sem problemas. Uma vez mais, o Governo não se mostrou preparado para circunstâncias como estas, de modo a que o cidadão não fique privado do seu direito à informação nem se veja forçado a ficar em casa por falta de alternativas à adesão dos taxistas.

Por serem actividades sob licenciamento, talvez se deva mesmo definir um código de conduta no qual os prestadores de serviço de interesse público, como transportes públicos, fornecimento de energia e água, saúde e comunicação social, se vejam obrigados, salvo em situação de greve, a atender sempre os seus clientes em nome da estabilidade, tranquilidade social e respeito pelos direitos dos que não pretendam aderir a movimentos destes. JA

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