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Segunda, 29 Setembro 2014 14:55

A política quando associada ao populismo

A experiência tem comprovado que a prática política quando associada ao populismo, com os fins a justificarem os meios, e aos sucessivos tiros nos pés apenas contribuem para a desacreditação e o desastre.

A oposição em Angola nem sempre consegue manter-se a altura dos desafios que o país enfrenta, em matéria de prática política e apresentação de soluções para os problemas da nação. Nem sempre o faz, embora sejam feitas aqui as devidas ressalvas às iniciativas ou sugestões, algumas vezes apresentadas por este ou aquele partido da oposição. Mas o problema reside no facto de à ausência de propostas válidas juntar-se reacções e críticas que representam verdadeiros tiros nos próprios pés.

Há dias, o líder  do principal partido da oposição veio a público para, em conferência de imprensa, reagir às medidas anunciadas pelo Presidente da República para melhorar a governação na capital do país, um acto em si louvável em qualquer democracia. Nas democracias representativas, é normal que o Poder Executivo passe pelo crivo crítico da oposição que, quando bem exercido, acaba por fazer amadurecer as populações enquanto destinatárias das propostas de governação. Nesta perspectiva, não admira que a táctica do “vale tudo” sirva como uma tentação permanente aos políticos que se dirigem ao público, tendo como menu  principal a demagogia.

Isaías Samakuva, líder de uma força política com protagonismo e agenda em queda livre, a julgar pela senda em que se encontra a UNITA, defendeu posições que contrariam inclusive a Constituição vigente em Angola. Ao defender que “a gestão dos municípios de Luanda e de todos os outros municípios do país tem de sair da alçada do Poder Executivo central”, Isaías Samakuva esteve a fazer um exercício de puro populismo na medida em que, inclusive em países que conheceram elevados níveis de descentralização, não existe total desvinculação ao Poder Central.

É inevitável a subordinação, em maior ou menor dimensão, razão porque não faz qualquer sentido a ideia de uma ruptura tal como sugere o líder da UNITA. Não há memória de algum país em que o exercício do Poder Local e, nalgumas esferas, a subordinação tenha sido, a todos os títulos, desprovida de qualquer alçada do Poder Central. É aceitável que à luz do futuro pacote legislativo que deve regular as autarquias suceda o exercício mais alargado da actuação governativa e administrativa do Poder Local. Mesmo em países federados, o Poder Central teve e tem sempre um ascendente, realidade que, não raras vezes, acarreta choques entre os poderes ou destes para com o poder local. Há dias, Rick Perry, republicano e governador do Texas, reclamou interferências de Washington.

Basta ver o interessante braço de ferro que ocorre na América, onde o poder legislativo, no caso a Câmara dos Representantes, encara com muitas desconfianças o recurso por parte do Poder Executivo aos chamados Poderes Especiais que a Constituição confere ao Presidente dos Estados Unidos.

John Boehner, republicano e presidente da Câmara dos Representantes, tem acusado  o Presidente Barack Obama, democrata e enquanto titular do poder executivo de “imiscuir-se” em matérias que caberiam aos estados, ao ponto da imprensa avançar que o “speaker” da câmara baixa do Congresso tenciona levar o caso aos órgãos de justiça. Matérias como a imigração, materialização do Obamacare, iniciativa de reforma da saúde, entre outros dossiers, têm levado os opositores republicanos a insurgirem-se contra o poder democrata na Casa Branca.

Para um país que caminha para a experiência autárquica pela primeira vez, nunca é demais ensaiar passos graduais, tal como recomenda a Constituição do país para que haja maior probabilidade de sucesso. A efectivação da desconcentração e a descentralização devem caminhar com passos seguros porque nem a nossa experiência aconselha o contrário, nem o amadurecimento que a nossa democracia conhece assim o sugere.

A Constituição angolana é clara quanto à subordinação dos governadores provinciais ao Poder Central. É inteiramente falso da parte do líder da UNITA a acusação dos governadores provinciais como “agentes promotores da intolerância e da exclusão”, embora se possa concordar com a iniciativa de separação das funções partidárias com as da governação, tal como ensaiada em Luanda.

Todos concordamos que, conforme palavras de Isaías Samakuva, “Angola precisa de organizar as suas autarquias locais e de eleger com urgência os três órgãos do poder autárquico, que a Constituição prescreve no seu artigo 220º, que são as assembleias municipais, dotadas de poderes deliberativos, os órgãos executivos colegiais e os presidentes das autarquias”. Mas não sob a perspectiva de  Samakuva que, nas entrelinhas, parece claramente defender um esvaziamento do poder do Titular do Poder Executivo, um acto que pode ser um tiro no próprio pé, a menos que tenha desistido da luta para vir a ser alternativa ao poder.

Por Afonso Mbumba

Jornal de Angola

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