No caso da Ucrânia, a verdade é que a destruição dessa democracia russa, depois de mais de dez dias, é uma realidade insofismável, assumindo proporções dramáticas de crimes de guerra, alcançando a tipificação de crimes contra a humanidade. As redes sociais e os canais televisivos nacionais e internacionais são indesmentíveis. Mostram de facto a dura realidade dos horrores da guerra. De facto, a forças russas arrasam tudo, destruindo escolas, monumentos históricos, fábricas, universidades, hospitais, creches, zonas residenciais, e o maior complexo nuclear da Europa, construído na Ucrânia, não foi poupado. Enquanto a loucura da destruição prossegue, milhões de ucranianos transformaram-se em deslocados internos, e outros milhões refugiam-se nos países vizinhos.
Perante a destruição sistemática de um país e a crise humanitária que dela resulta, é legitimo colocar a seguinte questão: com que Direito Internacional, pode a Rússia de Putin, destruir a Ucrânia, a vida de um povo, a sua cultura, os seus valores e monumentos?
Numa perspectiva histórica, importa sublinhar a relevância do pensamento estratégico de Napoleão, que dizia que “ um Estado faz a política da sua geografia.” Uma reflexão de grande alcance geopolítico. Por essa razão, e pela sua posição geográfica, riqueza e recursos, a Rússia assumiu-se ao longo da história como um poder hegemónico à escala mundial.
Ao revisitar-se as várias escolas do pensamento geopolítico, sobressai a contribuição de Hasford Makinder, geógrafo britânico, (1861-1947) e grande teórico da geopolítica, Estudou a relação entre o espaço e o poder político, construindo, “ modelos de dinâmica do poder a escala do planeta.” Arquitectou em 1904, a sua primeira grande teoria, conhecida por “ Pivot Geográfico da História. Partiu da verificação no globo da existência de “ uma grande massa continental e da possibilidade de vir a ser controlada por uma potencia continental, a partir da conquista, unificação ou desenvolvimento de uma região interior, com caraterísticas defensivas.” Napoleão e Hitler tentaram de facto ocupar essa grande massa continental, mas foram mal sucedidos, dada as caraterísticas defensivas dessa massa continental que é a “ eurásia”, uma área pivot, situada no coração da Rússia, a partir da qual “ se pode agir sobre as regiões periféricas da Eurásia.”
Para Makinder, quem dominar a Europa Oriental, mandará no Heartland, e quem dominar o Heartland, mandará no World Island: quem dominar a World Island mandará no mundo. O heartland é a eurásia. A Ilha mundial, a europa e a África. As teorias de Makinder alimentam a ambição das superpotências construtoras do poder global.
Por essa razão, entenda-se, que uma superpotência se afirma pela sua capacidade e vontade de agir quando quiser, como quiser e onde quiser, na persecução de objectivos estratégicos à escala mundial. Por outras palavras, ataca quando quiser, como e onde quiser, sem autorização de ninguém, ignorando as Nações Unidas.
Por isso, os teóricos das relações internacionais, consideram anárquico o sistema das relações internacionais, onde impera o uso da força das armas pelos Estados mais poderosos para impor determinada vontade a um país, a um conjunto de países, ou mesmo a uma região, sem pedir autorização às Nações Unidas. A invasão do Iraque (2003) pelos Estados Unidos da América insere-se nessa contextualização.
De facto, a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, tem essa dimensão geopolítica. Putin alimenta a ambição de reconfigurar o sistema das relações internacionais. Jardo Muekalia, estudioso das relações internacionais, entende que “ a ambição de Putin é de voltar aos tempos da Grande Rússia.”
De facto, Kiev já foi a capital do império russo. Para Putin, a queda da URSS foi uma tragedia autêntica, entende, por isso que a “ afirmação geoestratégica da Rússia, inclui a recuperação de espaços vitais que outrora pertenceram a Rússia, assim como outros estados habitados por populações russas.” É o que está a fazer agora. Vai continuar a semear a morte e a destruição.
Tal como Hitler que personifiva uma Alemanha derrotada e humilhada na primeira grande guerra mundial, procurou não só destruir as humilhações implícitas no tratado de Versalhes (1918) que pôs fim a essa guerra, mas também materializar a integração das comunidades germânicas da Europa no seu projecto de sociedade global. Lá onde estivesse um alemão, era considerado espaço vital para a Alemanha de Hitler. Por essa razão, antes de iniciar a Segunda guerra mundial, depois de anos de preparação; Hitler anexou em 1938 a Áustria, justificando que eram também povos germânicos; reivindicou a região das Sudetas, da então Checoslováquia onde existiam minorias étnicas germânicas, anexando-as posteriormente. Em 1939 assinou um pacto de não agressão com a União Soviética. E o passo seguinte para o início da guerra foi dado quando Hitler exigiu o retorno para a Alemanha do corredor da Polonia de Dantizig, actual Gdansk, e o direito de construir uma autoestrada que cortasse a Polonia em dois, ligando o Império alemão à Prússia Ocidental. É evidente que a Polonia não podia aceitar tal imposição, tendo Hitler iniciado a invasão da Polonia em setembro de 1939, com uma acção rápida que ficou conhecida como “ blitzkrieg” , ou guerra relâmpago, usando todo o poderio militar para evitar que as forças inimigas tivessem tempo de organizar a defesa.
Face ao exposto, entenda-se que com tomada da Crimeia, em 2014, o Presidente da Rússia pôs em andamento a sua estratégia para a reconfiguração política da Europa, começando por essa região de tenção e conflitos seculares, marcada por guerras cíclicas e violentas, deslocação de fronteiras, holocausto, refugiados e deslocados, por acção de líderes dos grandes impérios europeus, sedentos de poder hegemónico, desde o Imperio Romano, ao Imperio Austro-húngaro, Alemanha Nazi, o Otomano, Estaline e agora a Rússia de Putin. Qualquer hesitação da Europa, será para Putin, uma oportunidade para a escalada da guerra. As sanções em curso não terão um impacto imediato, penas a médio termo.
Enquanto isso, mais de dez dias depois do início da invasão, o povo ucraniano fortalece a sua determinação e a sua resistência popular generalizada, mas gritando a sós no deserto, pelo estabelecimento de uma zona de exclusão área. Avizinha-se o cerco à cidade capital, Kiev. Enquanto isso, a democracia ucraniana continua a ser destruída pela Rússia Imperialista. Mas encarnando a tradicção de resistência dos povos do Báltico, Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, continua no país, firme e sereno, a lutar ao lado do seu povo, com determinação, como símbolo da resistência e da unidade nacional da Ucrânia, livre e independente.
Por Alcides Sakala