Por Ismael Mateus
Aliàs, os nossos partidos políticos ainda vivem a fase em que os líderes são endeusados por militantes fanáticos que gabam a sua "clarividência”, a condição de "messias” do povo angolano ou de pessoas predestinadas ao poder. Esse culto só é possível com a anuência e cumplicidade dos próprios, que nada fazem para evitar tais exageros.
Na nossa vida política, temos registo de um ou outro caso, raros, diga-se, de políticos que se opuseram a essa corrente de bajulação e ao beija-mão dos fanáticos. Em sentido contrário, sobretudo depois de banhos de multidão, crescem os que acreditam piamente possuir uma luz especial donde vem a clarividência e capacidades extraordinárias de liderança e visão de futuro.
É aqui que a bajulação e o culto da personalidade se tornam inimigos viscerais da competência e da critica construtiva e por essa via, responsáveis pelos inúmeros erros nestes 46 anos de Independência. Os nossos políticos, tanto da situação como da oposição, abominam gente que tenha luz própria, que pense pela sua cabeça, o que tecnicamente deixa os círculos que influenciam a política activa nas mãos de pessoas mais preocupadas em agradar o chefe do que em prestar um serviço de qualidade ao seu partido e ao país.
Quando olhamos para os principais fracassos destes 46 anos de Independência, estabelecemos uma relação umbilical entre esses factos e os excessos, o culto de personalidade e a ausência de confronto de ideias à volta dos líderes. Foi o fanatismo, o endeusamento dos líderes e a bajulação que permitiram que grandes erros como o 27 de Maio, a guerra desencadeada pela UNITA ou a corrupção fossem relativizados ou até vistos como feitos gloriosos.
Ao lado dos chefes, houve gente disponível a criar argumentos teóricos e eufemismos para suavizar os erros. Ainda hoje, há quem insista em justificações dilatórias para esses erros e corramos o risco de tudo se voltar a repetir com os actuais líderes. Os partidos continuam a dar mostras de uma fraca capacidade de autocrítica e de confronto de ideias com os líderes.
A incapacidade dos dois maiores partidos políticos apresentarem candidatos para debater ideias e estratégias com os líderes é um sintoma de um problema muito maior, que corrói o Estado e afecta as aspirações dos angolanos competentes. Deveria ser, tanto para João Lourenço como para Adalberto Costa Júnior, um sério alerta para o caminho que seguem e para a possibilidade de não acabarem também eles com os vícios e pecados das lideranças históricas dos seus partidos.
O facto dos partidos não se fazerem rodear no "inner circle” de pessoas afirmativas e de pensamento livre, impede a produção de pensamento crítico suficiente para assegurar a boa qualidade das políticas públicas, leis e posicionamentos políticos. Talvez seja por isso que o nosso país vive de experiências em experiências, sem um fio condutor entre processos e pessoas.
Cada ministro/presidente do Conselho de Administração/director ou líder partidário que entra reinicia um processo com novas experiências, "ideias brilhantes” e propostas, rodeados de novos "yes-man”, que não tem o cuidado de defender o que de bom foi feito pelo antecessor. Cada um deles age como se a vida da instituição e a roda tivessem acontecido e tivessem sido descobertas na sua era.
O desafio é olhar para o desempenho destes 46 anos e tentar encontrar os fundamentos para tantas provas de incompetência, sobretudo quando todos os anos aumenta o número de angolanos premiados noutros países por competência e mérito.
É fundamental que nos perguntemos por que razão os angolanos fazem sucesso lá fora e não encontram espaço e oportunidade de mostrar trabalho sério e competente no seu país.
Talvez haja uma relação directa entre a vaidade dos políticos e o facto de não gostarem de críticas, o que se consuma no sistema de nomeações transversalmente instalado em todo o lado. A nomeação, seja para postos de gestão pública como para cargos políticos através de proporcionalidade parlamentar, dá a quem nomeia um poder discricionário que subalterniza as instituições e prejudica os interesses da nação.
Não há como melhorar os níveis de competência e valorizar o mérito, enquanto persistirem os venenosos critérios de nomeação, que em vez de dar oportunidades iguais, selecciona em função dos interesses de quem nomeia. Tanto na administração pública como nas diferentes formas de preenchimento de vagas previstos na legislação, o critério central tem de passar a ser o concurso público.
É preciso criar um ambiente de oportunidades iguais entre angolanos para competirem por mérito em cada posto de trabalho e cargo disponível. A primeira vantagem é que o indivíduo que ascende por concurso público é livre e sem dívidas de gratidão para defender as suas ideias e a qualidade do seu trabalho.
Em segundo lugar, abre a possibilidade de quebrar com as questões subjectivas que impedem que as pessoas competência e mérito tenham acesso aos postos de trabalho e cargos. Em terceiro lugar, cria um ambiente de transparência e honestidade, de combate à cunha, nepotismo e esquemas de favorecimento existentes à volta dos cargos e empregos mais bem remunerados. JA