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Segunda, 07 Junho 2021 00:01

A sopa do MPLA e a trágica sorte dos angolanos e angolanas

Pouco depois de ter sido alcandorado ao cargo de Primeiro Secretário do MPLA em Luanda, que já exerceu no passado, Bento Sebastião Francisco Bento fez-se a caminho para, na qualidade de cabo eleitoral do MPLA, dar efectivo início à pré-campanha eleitoral do seu partido.

Das primeiras acções por si chefiadas no terreno, uma mereceu a minha especial atenção: a oferta de sopas a cidadãos e cidadãs de zonas de Luanda escolhidas a dedo.

Embora as sessões de distribuição de sopas (denominadas solidárias) tenham ficado óbvias a muitos eleitores e eleitoras como evidência da habitual demagogia e de um raso e barato marketing político-eleitoral, o projecto de sopas do MPLA revela diversos problemas. Na verdade, ao distribuir sopas (uma forma de corrupção eleitoral), o partido da situação revelou a sua verdadeira natureza, mesmo que não o tenha percebido.

Sopa é uma comida líquida ou pastosa, importante elemento da gastronomia. Os ingredientes da sopa são tão variados quanto as mais diversas culinárias, podendo incluir hortaliças (batata, cebola, couve, cenoura), farinhas ou féculas, gorduras vegetais ou animais, carnes ou peixes e mariscos. Os nutricionistas aconselham a ingestão diária de sopa para um regime alimentar equilibrado. A maior parte das sopas é de baixo custo, de confecção simples e de digestão fácil, contendo vitaminas e hidratos de carbono. A ingestão de sopa auxilia nos regimes alimentares de controlo de peso e é uma forma fácil de assegurar que crianças pequenas e idosos ingiram produtos hortícolas e água.

Não há dúvidas de que a sopa é importante na matriz alimentar das pessoas em geral. Todavia, importante não é o mesmo que fundamental. Ou seja, a sopa em si não é uma refeição. O que é então uma refeição?

Uma refeição é o conjunto de substâncias alimentares que se comem e se bebem para a manutenção do corpo. Isto quer dizer que uma refeição é uma agregação, isto é, uma reunião de pratos diversos que, juntos, satisfazem às demandas do organismo nos seus diversos aspectos. A sopa é parte deste conjunto. Não é o conjunto em si. O corpo humano precisa de mais do que uma sopa para se manter e desenvolver.

A fundação do Estado angolano, feita a 11 de Novembro de 1975, suscitou questões como a seguinte: a governação estaria à altura dos múltiplos e complexos desafios do novo país? Perguntando de outro modo, a governação iria transformar Angola de uma colónia para país, ou seja, um Estado com independência económica, científica, tecnológica, cultural e bem-estar social generalizado?

Lemos o seguinte na de Declaração da Independência: «O objectivo é a independência completa do nosso País, a construção de uma sociedade justa e de um Homem Novo».

Transcorridos 45 anos desde à fundação de Angola como Estado, qual é o balanço?

Toda a realidade do país resume-se no facto de que a independência completa de Angola é uma ficção, ou seja, o Estado é uma realidade, ainda que precária, mas a independência económica, a independência científica, a independência tecnológico-industrial e a independência cultural são uma miragem, e a vasta maioria dos Angolanos e Angolanas vive numa agreste pobreza.

A gestão que o MPLA tem feito do país equipara-se ao processo de uma mãe que alimenta continuamente os seus filhos apenas com sopas. Por mais que as sopas variem, o desfecho será sempre o subdesenvolvimento físico, mental, emocional, social e cultural dos mesmos, marcado por uma imunidade baixa e adoecimentos sucessivos.

De facto, o MPLA tem estado a servir apenas sopa aos Angolanos e Angolanas, ou seja, tem gerido o país sem um Projecto Político de Construção de Estado (a refeição).

O Programa Maior (frequentes vezes, e desgraçadamente, confundido com Projecto Político de Construção de Estado) foi sucedido por outros que falharam quase que redondamente por terem enfermado da falta de uma filosofia da identidade e de uma filosofia de desenvolvimento com fundamentos próprios.

Não havia projecto a 11 de Novembro de 1975. Transcorridos cinco anos, em 1980, a falta de Projecto Político de Construção de Estado continuou. E, na ausência de uma refeição (Projecto Político de Construção de Estado), os Angolanos continuaram a consumir as sopas servidas pelo MPLA (programas sem sustentabilidade, ou seja, brincar às governações).

Pouco depois da sua fundação como Estado em 1947, as lideranças da Índia, um país gigantesco e com uma população igualmente gigantesca, idealizaram, conceberam e puseram em execução um Projecto Político de Construção de Estado orientado segundo uma filosofia que, com base em pilares como a identidade indiana,  visualizava a Índia como um lugar-nação que alcançaria o desenvolvimento e o bem-estar social nos seus mais diversos aspectos através dos seguintes eixos: planeamento directivo (com base em planos quinquenais), industrialização pesada (com forte protecção da actividade empresarial), desenvolvimento científico-tecnológico, preservação da pequena produção artesanal, regulação do sistema financeiro, participação do capital estrangeiro controlada e controlo estatal dos sectores estratégicos.

Actualmente, a Índia é uma das maiores potências do mundo em múltiplos aspectos. Em sectores como economia, ciência, tecnologia e indústria farmacêutica, a Índica compete com a Europa, o Japão, a Coreia do Sul e os Estados Unidos. A Índia prossegue os seus esforços, porquanto ainda tem de fazer face a outros grandes desafios, especialmente relacionados à expansão da infraestrutura social e com os 27% da sua população que se encontra abaixo da linha de pobreza.

A Índia não chegou ao seu estágio actual de organização e desenvolvimento por acaso. Trata-se de um país cujas lideranças se deram ao trabalho de elaborar e implementar um Projecto Político de Construção de Estado autêntico, realista e viável. E a Índia é apenas um exemplo. Há outros países que têm dado certo porque os seus fundadores lançaram as bases para a construção dos seus estados.

Os Angolanos e Angolanas, diferente dos indianos e indianas, que têm tido refeições, continuam a tomar meras sopas.

A governação sem projecto do MPLA tem ficado especialmente evidente desde que a guerra chegou ao fim há quase 20 anos. Ao contrário da propaganda mentirosa e embecilizante do Partido-Estado, não houve um PRN (projecto de reconstrução nacional). Houve apenas um programa de reabilitação de infraestrutura. E um PRN tal teria acontecido se o grupo corporizado no MPLA realmente tivesse Projecto Político de Construção de Estado, pois a reconstrução (a par da reconciliação real) é um dos seus elementos estruturais, e que funciona como uma espécie de mecanismo de resposta automática a situações como a guerra. Ou seja, se Angola tivesse lideranças políticas munidas de espírito patriótico, visão e sentido de Estado, visão de desenvolvimento e vontade política, a reconstrução nacional, a diversificação da economia, o desenvolvimento científico-tecnológico, o desenvolvimento industrial e o bem-estar social generalizado teriam desabrochado em quase 20 anos de paz. Antes pelo, contrário, o país (que é na verdade um quase-país) continua a ser uma gigantesca arena onde os biltres que sequestraram o Estado a 11 de Novembro de 1975 violentam o Povo com uma selvajaria de proporções quase incompreensíveis.

À medida que Angola marcha inexoravelmente para a compleição dos seus 50 anos como Estado (em 2025), e faltando um ano para as eleições de 2022, as evidências são indesmentíveis: o MPLA só consegue dar sopas.

Por Nuno Álvaro Dala

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