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Domingo, 02 Agosto 2020 11:45

A conexão e as fake news em Angola

«As fake news são […] moldadas de acordo à vontade de quem enuncia. Duvidar de qualquer informação, já é um passo significativo de se blindar das fakes.»

Recentemente, um bispo e empresário da Igreja Universal do Reio de Deus (IURD) manifestou o seu descontentamento pelo desserviço que a Televisão Pública de Angola (TPA) presta. Para ele, este órgão deixa muito a desejar, e é uma vergonha. Na verdade, um pronunciamento como este tardou a chegar ao público, sendo que o desrespeito pela verdade dos factos e a manipulação da informação, em Angola, são como que monopólios do Estado, visando a manutenção do ‘Partido Único’ no Poder, há quase meio século, e mantém-se com o apoio explícito de órgãos financiados pelo Estado.

Se fosse fácil veicular informações corretas e expostas ao contraditório, e se a informação não fosse direcionada, de certeza que não teríamos pessoas tão ingénus quanto o próprio Presidente da República, cabeça de lista de analfabetos funcionais e desleixados do ponto de vista ortográfico, que sujeitam o povo às ilusões e impulsos emocionais de seitas e igrejas, abrindo mão da soberania e sucumbindo a dogmas democráticos.

Poucos ousam trazer a público, mas é facto que, se há instituições difíceis de destruir, são as igrejas. Essencialmente, são instituições que cuidam da dimensão espiritual humana, e estão a serviço do sagrado. Ou melhor, deveriam. Porém, na prática, são organizações políticas perfeitas para domesticar rebanhos desorientados, e são excelentes instrumentos para controlar a mente da população, desviar a sua atenção da realidade e induzi-la a agir de acordo a impulsos emocionais.

Na verdade, isso ocorre porque produzir consenso e obter concordância, em qualquer sistema político, não é tarefa fácil. E não tenho a menor dúvida de que as igrejas, em Angola, lideram o ranking no controlo da mente das pessoas, e segregá-las.

Outros excelentes instrumentos para controlar o modo de pensar e a opinião da população, são os meios de comunicação social. É um facto insofismável que o monopólio destes meios, em Angola, é detido por membros do Partido no poder. Por via dos seus órgãos de comunicação em massa, tem sido muito fácil aplicar a lógica de sistemas totalitários, intervir no fluxo de ideias, forjar a história e manipular a opinião pública. Isso tem feito com que, tranquilamente, o Partido no poder e o seu cabeça de lista, apenas sejam a única instância que pensa e decide pelos demais, no país das maravilhas dos camaradas marimbondos.

Em Angola, até as universidades assumem uma postura conformista, são manipuladas por decretos, prestam o desserviço de manter as pessoas atomizadas, iludidas e conformadas com o status quo da degradação social. Prova disso é que, a pluralidade, a diversidade, o fluxo e a circulação de ideias e invenções, são escassíssimos, nas Instituições de Ensino Superior.

Sem falar da criatividade sistémica e produção científica. A maioria delas, de superior, apenas superabundam a censura e o moralismo moralizante e repugnante. Estas que, em vez de humanizar, também seguem a onda de moralizar a sociedade, inibindo e estigmatizando minorias étnicas e LGBTQ+, que são impedidas nos seus estabelecimentos de se apresentarem e se expressarem segundo os valores que acreditam e defendem.

Os meios de comunicação social não vinculados ao Partido no poder, directa ou indirectamente, um dos maiores desafios que enfrentam é a luta contra a desinformação massiva. Por o MPLA, além de ser um partido, um sistema, também é um movimento “ideológico” e político. Ele recria-se em tudo, está em tudo e lidera quase tudo, em Angola.

Até em veículos paralelos e alternativos ao jornalismo tradicional, ele está na linha de frente. Os disparos em massa de seus símbolos partidários e de mensagens de ódio contra seus opositores, acontecem sem a menor preocupação de que os custos sociais e ambientais resultam em mais danos do que ganhos, para o País.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as informações falsas colocam em risco, até, a saúde e vida das pessoas. Só mais informações podem vencer as fake news. Sendo que é ténue a linha divisória entre a verdade e a mentira, no mundo da comunicação, a checagem de informações não adianta muito, porque mesmo assim, não é o facto, mas a versão do facto é que chega sempre à população.

A crise causada pela pandemia do novo corona vírus está a intensificar a digitalização em praticamente todos os países. Em Angola, o momento é propício para redefinirmos as possibilidades da nossa conectividade. É um absurdo, do ponto de vista sanitário sermos uma vergonha global, ainda estarmos na idade média, com mais de 40% dos estudantes ainda defecarem a céu aberto, a população até na capital do país não estar conectada em redes de esgotos, sem acesso à água potável, mas quase todos estamos nas redes sociais.

A acelerada digitalização da sociedade está a mudar a nossa forma de produzir, de nos relacionarmos, de aprender, de consumir e interagir connosco e com o mundo. É um imperativo o governo investir na conectividade, sem fazer o esforço de desdigitalizar os serviços, mantendo as pessoas presas a serviços maus e ineficientes.

Fake news são desinformações intencionais e enxurradas de abusos e absurdos que servem para reforçar uma convicção, distorcendo a versão verdadeira. Poluem o ambiente social, porque a descoberta do erro não é imediata. As fake news são verdades moldadas de acordo à vontade de quem enuncia. Duvidar de qualquer informação, já é um passo significativo de se blindar das fakes.

Em Angola, o governo precisa democratizar o acesso à internet e à segurança digital, pois o deslocamento do presencial ao virtual não é uma questão de ‘se’ ou ‘quando’, mas do agora. Está na hora de termos um governo de confiança, que faça um planejamento cuidadoso, adira à novidade tecnológica, sobretudo agora com a internet 5G (conexão das coisas), conecte pessoas, ideias e coisas, e reorganize os sistemas de saúde, de justiça, de educação, e segurança e o trânsito.

Mas, se mantivermos esse Partido Único no Poder que nem soberania alimentar é capaz de proporcionar, estamos fadados à idiotice, que segundo Olavo de Carvalho, em «O mínimo que você precisa saber para não ser idiota», continuaremos a fazer sempre as mesmas coisas, a cometer os mesmos erros, de ter idiotas que nos governam e não vêm além, e julgam tudo pela própria pequenez.

Por Crisóstomo Ñgala*

*Frei, filósofo e artivista.

Observatório da imprensa

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