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Sábado, 03 Mai 2014 18:24

O que os Angolanos esperam da visita de John Kerry e dos EUA?

Em vista à visita do Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, apraz-me analisar as relações bilaterais entre a República de Angola e os Estados Unidos da América (EUA), que foram sempre caracterizadas como cínicas e cheias de desconfianças, principalmente durante os primórdios da Independência da República Popular de Angola (em 1975) protagonizada por um movimento pró-União Soviética, o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA).

As diferenças ideológicas entre o comunista MPLA e o capitalista EUA, mesmo em situações de altas tensões, sempre tiveram como ponto crucial de concôrdia: as cooperações económicas, e pelo que tudo indica, os recursos naturais de Angola (principalmente o petróleo) sempre constituiram o maior interesse da potência mundial, os EUA, em detrimento de qualquer situação que já se impôs entre os dois países.

Breve historial

Tendo sido um acto de discordância e desunião entre os três movimentos independentistas Angolanos, a turbulenta Independência da República Popular de Angola e a subsequente governação do País desde 11 de Novembro de 1975 pelo MPLA, sendo na altura um aliado estratégico da União Soviética e da Cuba, foi um dos maiores incómodos para os EUA, que temia pela expansão do comunismo e da hegemonia Soviética no mundo. A tensão foi maior porque, como parte da sua política exterior, os EUA apoiara a FNLA e a UNITA.

Num dos gestos mais ousados e perigosos nas afrontações feitas contra a potência mundial, os Estados Unidos da América e seus aliados, o novo Governo de Angola, liderado pelo então presidente do MPLA António Agostinho Neto, capturou em Fevereiro de 1976, entre os municípios da Damba e do Maquela do Zombo, na província do Uíge, treze mercenários, dentre os quais americanos, britânicos e sul-africanos, que lutavam nas fileiras do adversário FNLA, condenando 4 dos quais à morte por fuzilamento.

Num julgamento ocorrido no então Tribunal Popular Revolucionário em Luanda, de Junho à Julho de 1976, o juíz Manuel Rui Monteiro julgou e condenou à 16 anos de prisão os mercenários: Gary Martin Acker dos EUA, John Nammock e Malcolm McIntyre do Reino Unido. Foram condenados à 24 anos de prisão, os mercenários John Lawlor e Colin Evans do Reino Unido e o cidadão britânico sul-africano Cecil Martin “Satch” Fortuin. Numa sentença de 30 anos de cadeia, o britânico-argentino Gustavo Marcelo Grillo e os britânicos Michael Douglas Wiseman e Kevin John Marchant.

A lista dos quatro mercenários condenados à morte, executada por um pelotão de fuzilamento, estava encabeçada pelo cidadão grego-britânico, Costas Georgiou (mais conhecido por Coronel Tony Callan), juntando-se à ele os britânicos Derek John Barker e Andrew Gordon McKenzie (este ferido gravemente durante a captura e fuzilado enquanto numa cadeira de rodas), e o norte-americano Daniel Francis Gearhart.

O cidadão norte-americano Daniel Francis Gearhart alegadamente tivera desembarcado no País à poucos dias antes da sua captura e o Primeiro-Ministro britânico, James Callagham, tivera enviado uma carta ao então Presidente Agostinho Neto, pedindo clemência pela vida de Gearhart, que determinante mente foi fuzilado de acordo à sentença do juíz.

Alguns críticos atribuem a não tomada de medidas extremas por parte dos EUA para com Angola, por causa da continuidade da empresa petrolífera americana, Cabinda Oil Gulf Company.

Os presos mercenários americanos foram libertados em 1982 e os britânicos em 1984.

Após anos de guerra civil, o ano de 1988 marcou o diálogo para Acordos de Paz entre o MPLA e a UNITA (aliado dos EUA) que resultaram na realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola. Em consequência, o então presidente norte-americano, Bill Clinton, reconheceu formalmente o MPLA como o Governo de Angola, aos 19 de Maio de 1993, exortando a UNITA a aceitar “uma solução negociada” para a paz em Angola.

Após 2002

Durante os últimos 12 anos desde a assinatura dos Acordos de Paz em 2002, os Estados Unidos da América trabalha em parceria com o Governo de Angola para a remoção de minas terrestres, o regresso de refugiados e deslocados de guerra, na promoção e fortalecimento de organizações não-governamentais (ONGs) e fortalecimento de instituições democráticas.

E o petróleo?

No seu artigo de opinião publicado pela CNN aos 17 de Maio de 2013, intitulado “Angola matters to U.S. So what´s the problem?” (Angola tem importância para os EUA. Qual é o problema?), o director da Área de Estudos e Leis Internacionais da Chatham House, Alex Vines, que também lidera a secção “Angola Forum”, afirmou que “havia certamente um período de lua-de-mel depois que o Presidente Clinton reconheceu Angola. Empresas petrolíferas Americanas prosperaram, inclusive negociou-se um regime de emissão de vistos de entradas múltiplas para trabalhadores americanos em Angola”.

Nas empresas americanas mais prominentes, consta a gigante Chevron, que tem a sede em Califórnia, Estados Unidos da América.

Alex Vines revelou que em 2009, a Administração do Presidente Barack Obama também identificou três “parceiros estratégicos” no Continente Africano: África do Sul, Nigéria e Angola.

O director da Chatham House defendeu que Angola representa um desafio maior para os diplomatas e empresários americanos, precisamente na escolha entre os “valores” em conflitos com os “interesses” dos EUA.

É notável o nível alarmante da corrupção, que dificulta a actividade dos investidores e a poucos anos atrás os EUA lançou investigações nas contas das missões diplomáticas Angolanas no seu território, tendo-as bloqueado até o dia presente, e a Transparency International tivera classificado Angola como o décimo país mais corrupto do mundo (no 168 lugar entre 178 países).

Maiores Desafios nos 21 anos de relações diplomáticas: corrupção e longevidade de José Eduardo dos Santos no poder

No dia 19 deste mês, as relações diplomáticas entre Angola e os Estados Unidos da América completam 21 anos e claramente os EUA é o lado dependente desta relação, enfrentando não somente o elevado nível da corrupção e a má governação e instabilidade sócio-econômica e cultural em Angola resultantes da longevidade do Presidente José Eduardo no poder.

Nesta senda, os EUA estão encruzilhados entre a defesa de valores democráticos, boa governação e direitos humanos, em contradição aos seus interesses econômicos.

Actualmente os EUA defrontam-se com as questões de ajudar as vozes descontentes a estabelecerem a democracia em Angola, arriscando-se a repetir os incidentes do passado onde apoiaram parceiros que pouco ou nada prosperaram, ou então permanecer no actual estado de coisas, protegendo José Eduardo dos Santos que completa 35 anos no poder, para assegurar os seus interesses econômicos.

Um jurista Angolano, Albano Pedro, segundo um artigo publicado pelo Club-k.net, sob o título: “Dos Santos é capataz dos americanos”, afirmou numa palestra organizada no mês de Abril em Viana, Luanda, que “o presidente angolano José Eduardo dos Santos no poder a mais de trinta anos só se mantém no poder por ter a protecção americana no jogo político internacional”.

“Dos Santos serve os interessas americanos, não pode fazer nada que fira os interesses. É proibido. Não pode aderir à SADC, ou seja, por orientação americana, não aceita as políticas da moeda única e muitas outras, tem de ser o capataz dos Grandes Lagos, tem de dar dinheiro àquela senhora lá do Centro Africano senão vai arranjar problema, de controlar o Congo, tem de matar o Kabila Pai, é esse o trabalho de capataz que o nosso presidente tem,” frisou o jurista.

Albano Pedro foi mais ao fundo, afirmando que “tudo a mando dos Estado Unidos porque se ele não fizer isso, os Estados Unidos movimentam manifestações aqui dentro e ele sai”.

O jurista aconselhou a nova geração a fazer exigências junto do Executivo angolano, negociando também com o governo americano, alegando que “em Angola, nenhum poder esteve, quer na oposição, quer na governação, sem contar com os americanos. Quando o Savimbi em 92 veio à Luanda, teve que contar com os americanos. O dos Santos só mata Savimbi após a ordem dos americanos ou seja, isso a vossa geração não pode esquecer. Temos que fazer exigências claras ao Executivo mas também negociando com os americanos porque os americanos nisso não podem ficar de fora”.

O que os Angolanos esperam da visita de John Kerry e dos EUA?

Assim sendo, nos dias 5 e 6 de Maio de 2014, após ter passado na Etiópia e na República Democrática do Congo, o Secretário de Estado norte-americano, John Kerry estará em Luanda para uma visita oficial “no quadro das relações político-diplomáticas e de cooperação econômica” com Angola, e manterá encontros com o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, com o Ministério das Relações Exteriores Georges Chicoti,e posteriormente com algumas organizações empresariais e da sociedade civil.

A sua delegação estará composta pela Secretária de Estado assistente para os Assuntos Africanos, Linda Thomas-Greenfield, o enviado especial dos Estados Unidos para os Grandes Lagos e República Democrática do Congo (RDC), Russell Feingold, o enviado especial para o Sudão e Sudão do Sul, Donald Booth, bem como a embaixadora itinerante Catherine Russell, Assistente do Gabinete do Secretário de Estado para os Assuntos Globais das Mulheres.

Na sua agenda, John Kerry pretende reconhecer os feitos do Presidente Angolano na procura e manutenção de paz nas regiões dos Grandes Lagos, na qual Angola actualmente assume a presidência.

Dias atrás numa entrevista à Voz da América, quando questionado sobre a natureza autoritária do regime Angola, John Kerry reconheceu que o tipo de governo vigente em Angola constitui “sempre uma preocupação” para os Estados Unidos mas que estão a trabalhar “muito próximo” com o Governo angolano.

“A corrupção não apenas enfraquece os recursos de um governo, como nega aos cidadãos os serviços que eles merecem. Acredito que uma sociedade aberta e livre é uma sociedade que prospera economicamente. Vamos sempre apoiar estas ideias e princípios nas nossas relações bilaterais em todo o mundo. É por isso que monitorizamos de perto a situação em Angola,” disse o Secretário de Estado norte-americano.

No entanto, deparo-me com vários pronunciamentos de insatisfações por parte de compatriotas Angolanos e das mesmas surgem as seguintes posições que evidenciam uma vontade colectiva:

1 – Exige-se que os Estados Unidos da América tome uma posição clara sobre os quase 35 anos no poder do Presidente José Eduardo dos Santos e nas suas alegadas intenções e tentativas de monarquização da República de Angola.

2 – Os EUA deve decidir definitivamente entre manter um presidente autoritário no poder por proteger seus interesses econômicos, e promover e fortalecer a democracia e direitos humanos de um povo forçado na miséria e que a muito clama por justiça, dignidade e emancipação econômica.

3 – A corrupção é um mal que enferma Angola. Os EUA devem exigir explicações sobre as origens monetárias de toda e qualquer transação e investimentos com Angola.

4 – Os EUA deve continuar a exigir mais transparências nas cooperações econômicas com Angola, precisamente pressionar pela divulgação pública dos pagamentos feitos em empresas petrolíferas e governos estrangeiros.

O décimo sexto presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln, tivera afirmado uma das mais célebres frases do mundo moderno, que eu faço questão de deixar para a reflexão dos americanos e dos leitores em geral:

“Pode-se enganar a todos por algum tempo; Pode-se enganar alguns por todo o tempo; Mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.

Pedrowski Teca

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