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Domingo, 24 Fevereiro 2019 14:31

Casos de corrupção: Uma corrente estranha perfila

Não! Não se trata de vingança de quem definiu o combate à corrupção como prioridade na governação. Do tanto que já se disse até aqui por certos advogados e jornalistas relapsos, que consideram que a onda de notificações, prisões preventivas e, posterior, responsabilização criminal é eivada de motivação política, basta esclarecer que a Política é primária, porque traça as orientações máximas, e a Justiça é secundária, porque cumpre as orientações traçadas pela Política.

Por Santos Vilola

Claro, salvaguardando o princípio formal da separação de poderes previamente definido na Constituição da República de Angola.

Nos últimos dias, surgiu uma nova corrente doutrinária a defender apenas o reembolso ao Estado pelos desvios “inocentes” de dinheiro/gestão danosa “involuntária” da coisa pública. Sem perceber a tendência desta “nova corrente” e sem querer ser moralmente ofensivo, acho que a um cidadão comum o que mais deve importar é a lei.

Aprendi em anos de universidade que, na Ciência do Direito Processual Penal, o efeito preventivo da pena é dirigido às pessoas, em geral, e ao condenado, em especial, devendo no último caso procurar intimidar o delinquente e reforçar a consciência jurídica do cidadão, satisfazer o seu sentimento de segurança face aos violadores compulsivos da lei penal e conquistar a confiança de todos nas instituições judiciárias.

É aqui onde me parece assentar toda a lógica do que temos visto nos últimos meses com intervenções da Procuradoria Geral da República (PGR) em estrito exercício das suas funções. Enquanto cidadão, quero estar seguro de que os anos de saque do património do Estado não voltem a acontecer no país. Também apoio o carácter pedagógico destas responsabilizações para moralizar a sociedade.

O que não deve ser esquecido é que a violação de uma lei penal atinge interesses de uma colectividade que o Estado deve proteger. É função do Estado proteger os seus cidadãos dos "apetites vorazes" de pessoas sedentas do enriquecimento ilícito. A repressão criminal é uma função da sociedade e a pena, seja ela aplicada a gestores, políticos ou cidadãos comuns, é instrumento dessa repressão cujo objectivo é reparar o dano social causado pela sua conduta.

Anda o país todo, nos últimos meses, fixado na onda de intimações que a PGR faz a ex-gestores públicos suspeitos de praticarem crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso do poder e branqueamento de capitais.

Posições públicas de alguns políticos revelam que reintegrar o Estado “tanto por tanto” pelos valores desviados seria o mais recomendável. Isso só seria possível num momento anterior, num processo instaurado no Tribunal de Contas, órgão da Administração Central do Estado com poderes genéricos de controlo, que, mesmo sendo um tribunal, não está integrado na estrutura do poder judicial, por ser autónomo. Não é o caso agora, porque estamos num outro nível.

O problema maior da ignorância é quando a dúvida nem surge. Mas neste caso, alguns defensores desta corrente até se revelaram ignorantes. Só não podiam alvitrar um perdão inusitado a corruptos, deixando o Estado ficar apenas com o dinheiro. Não se pode sugerir que o Estado feche os olhos quando pretende punir, por causa do “estatuto particular” de um agente a quem inicialmente recai a suspeita, confirmada na acusação e provada em juízo sobre a prática de um crime e sentenciado com uma condenação.

O cérebro é escravo do hábito. Quem está habituado a roubar/furtar obriga o cérebro a isso e sem responsabilização criminal a corrupção é transformada numa instituição paralela à governação, que deve estar virada ao povo.

Com a onda de detenções, há poucos meses, muitos cidadãos questionavam quando seria a vez da “raia graúda”, porque consideravam que estavam apenas a ser detidos pessoas “low profile”. Para mim, 5 por cento de alguma coisa são sempre melhores do que 100 por cento de nada, porque num passado recente nem sequer um caso de corrupção tínhamos em tribunal.

Certos políticos e advogados teimam em falar de princípios constitucionais e penais que enformam determinado processo, mas preferem esquecer os fins das penas. Estas, que existem antes da conduta do agente criminoso, são gerais e abstractas, ou seja, não olham individual e concretamente a certos cidadãos, mas a todos.

Ora, se um comportamento ou várias acções lesam, põem ou poderão pôr em perigo bens, valores ou interesses tutelados por lei penal, a reacção que o Estado terá contra este agente são as consequências/efeitos jurídicos do crime praticado, que decorrem directamente da lei penal. Outras não podiam ser.

Nas sanções penais, as condutas que configuram crimes são estabelecidas em função da prevenção e da repressão, e a aplicação das penas entre os limites máximo e mínimo fixados na lei para cada assenta na culpabilidade do delinquente embora devendo sempre ter-se em conta a gravidade do facto criminoso, aferido pelo resultado, a intensidade do dolo, a motivação do crime e a personalidade do delinquente.

Também não entendi a oportunidade deste debate agora - se vale mais ou menos devolver o dinheiro - se os processos ainda estão na fase pré-judicial, não tendo sido ainda introduzidos em juízo. Ainda assim, as penas, se os arguidos passarem a réus e forem condenados e a sentença transitar em julgado sem admissibilidade de recurso, devem ser aquelas que constam da lei para aqueles crimes, depois da determinação judicial feita pelo juiz.

A sentença, para aqueles que forem condenados, deve obrigar o pagamento dos prejuízos calculáveis por operações matemáticas causados ao Estado e a execução das penas, responsabilidade dos órgãos de administração penitenciária integrada no Ministério do Interior. E não uma em detrimento da outra. JA

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