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Quarta, 29 Agosto 2018 00:17

Onde está, afinal, o sentimento de gratidão que têm de José Eduardo dos Santos?

Pela primeira vez na história recente de Angola temos um ex-presidente da República vivo que nos dá o prazer de perceber como são ou devem ser tratados os antigos presidentes quando fora do poder.

Por Albano Pedro

Sendo simples cidadãos é aceitável que as suas vidas passem a correr com a frugalidade própria que notamos na vida atribulada ou não daqueles com os quais nos avistamos ou cruzamos pelas ruas ou eventos. É, claro que não serão vistos como cidadãos quaisquer apesar do quimérico princípio da igualdade assentado na Constituição da República. Deverão merecer certas honras, sobretudo quando a sociedade é tomada por um inevitável sentimento de gratidão pelos seus feitos.

Lembro-me de um episódio na cidade de Windhoek, Namíbia em que me encontrava numa fila para aceder ao multicaixa (ou multibanco) quando de repente o ambiente a volta mudou com a satisfação das pessoas ao verem San Nujoma na mesma fila. Não por causa do “insólito” que seria o de verem um ex-Presidente da República na fila e sem uma segurança ostensiva. Mas pelo sentido de gratidão que se percebia na vénia e nos sorrisos dos cidadãos que estavam na mesma fila. Os cumprimentos dirigidos em saudações efusivas e sobretudo as boas falas sobre o antigo presidente depois de se ausentar, testemunharam o bom clima deixado na atmosfera política dos namibianos conferindo ao ex-líder da SWAPO uma incomensurável estatura atribuível a heróis vivos.

Não era difícil perceber que um evento relacionado ao San Nujoma contava claramente com uma efusiva manifestação pública entre os namibianos sem distinção de cores partidárias.

Mas não é isso que se percebe quando se trata de JES, uma figura que muito recentemente foi aclamada como o ARQUITECTO DA PAZ com a sublime estatura de um verdadeiro salvador da Nação. Já não se compreende que o ex-Presidente da República esteja a festejar um aniversário que parava o país numa circunstância em que o actual Presidente da República conduz os assuntos do Estado através do Conselho de Ministros como se tratasse de um dia qualquer. Os opositores saúdam essa equidistância, por dar sinais de clara separação entre o partido e o Estado. Mas, os cidadãos que preferem olhar para uma sociedade que acolhe todos com méritos ou deméritos não conseguem compreender essa atitude. Mais ainda quando, se organizam grandes eventos festivos a homenageá-lo para logo a seguir quase não contar com ninguém na própria festa ao ponto de ser a ZAPTV (e já não a TPA) a proporcionar algum prazer de uma homenagem transmitida aos não-militantes do partido.

Compreende-se que a indiferença tenha tomado todos aqueles que alguma vez se colocaram entre as vítimas da sua governação.Que as zungueiras, os ex-militares ou antigos guerrilheiros abandonados entre os moradores dos bairros pobres desta angolana tomados pela miséria atroz estejam mais interessados em cuidar das próprias vidas do que ouvir se quer falar do seu nome. Mas, como compreender que aqueles que beneficiaram com o bem-estar e enriquecimento ilícito proporcionado pelo seu consulado não se lembrem de exaltá-lo numa homenagem que vá para além de passeatas, lançamento de discursos ou actividades culturais? Porque não uma Medalha de Honra atribuída num evento alargado a sociedade ao ponto de termos um dia em que a maioria dos angolanos arrastada pela força da magnitude do evento se incline a sua figura? Não ficaria bem, este evento ocorrer com pompa e circunstâncias no Memorial do Agostinho Neto contando com ilustres figuras do mosaico nacional e vários minutos de transmissão pela TPA e RNA para todo o país, a semelhança do empossamento do PR? O MPLA não podia transmitir melhor sentido de transição política interna que pudesse aliviar a ideia de que JES e JLO assumem-se como “comandantes” de alas desavindas? Então, onde está o verdadeiro e sincero tributo do POVO do MPLA que se diz profundamente agradecido pela condução iluminada do seu líder?

Infelizmente, a memória dos angolanos parece curta. Falo da memória daqueles que engrossaram a colmeia do MPLA e ajudaram a formar os ventos das quase intermináveis tempestades de saque ao erário público que abalaram as estruturas económicas do país por anos a fios canalizando fortunas para milhares de famílias rotuladas pelo partido no poder. Anos equivalentes ao mandato longevo de Presidente JES.

Por isso, espanta-me que os festejos e homenagem de JES limitem-se a sua dedicação ao futebol, a música e outras actividades desenquadradas da sua dimensão estadística e que apenas a ZAPTV, a estação de televisão de Isabel dos Santos, a própria filha, tenha a amabilidade de reservar algum tempo no seu dia para juntar um grupinho de simpatizantes que não fazem sequer 0,0001% daqueles que devem as suas fortunas e boas vidas ao seu mandato.

No final das contas, fica evidente que a homenagem dos militantes é hipócrita e cínica porque abafou qualquer tentativa de reconhecimento de JES a escala nacional que devesse envolver os angolanos e exaltou a corrupção que beneficiou o partido e seus militantes e simpatizantes. No meio de toda essa panóplia de apoios fingidos e falsas menções honrosas, o ex-líder ficou sozinho e abandonado à sua sorte.

Aos militantes do partido no poder fica uma questão: Onde está, afinal o sentimento de gratidão que têm pelo vosso líder?

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