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Domingo, 16 Fevereiro 2020 17:22

Regeneração impossível - Graça Campos

Chega a ser comovente o hercúleo esforço do Engenheiro António Venâncio, quase diariamente expresso nas redes sociais, de dissociar o MPLA das maldades cometidas pelo seu ex-presidente, José Eduardo dos Santos.

Em repetidos escritos, António Venâncio, um assumido militante, reitera a convicção de o MPLA é hoje visto por parte de consideráveis segmentos da população angolana como um bando de malfeitores por obra exclusiva de José Eduardo dos Santos. É ao ex-líder a quem imputa responsabilidade exclusiva pelos crimes cometidos contra o Angola e o seu povo. Venâncio acredita genuinamente – ou pelo menos é o que escreve – que o saque, a pilhagem, o roubo, a corrupção, a impunidade e o nepotismo não teriam a quase dignidade institucional que lhes permitiu prosperar em Angola se o MPLA, nos últimos 38 anos, tivesse um outro líder que não José Eduardo dos Santos.

“Não insistam comigo! Eu não caio nessa de culpabilizar o MPLA pelos roubos, pela delapidação do nosso querido país. O principal culpado chama-se José Eduardo dos Santos”, escreveu ele no dia 8 de Fevereiro. E para sustentar a sua tese António Venâncio recorreu a uma alegoria. “Eu não aceito prender um veículo que atropelou e soltar o motorista que o conduziu embriagado. Não caio nesta! A sanção não pode recair sobre a chaparia e o motor do carro. É contra o embriagado motorista que se deve lançar as culpas. Parem de me convencer a prender a viatura. O embriagado motorista não devia ser acarinhado. Causou várias mortes na estrada!”

António Venâncio tem plena certeza que, com o afastamento do “Cão-Tinhoso”, o MPLA regressará, rapidamente, ao seu trilho original, que perspectivava a construção de uma Angola boa para todos os seus filhos. Aliás, ele acredita que esse processo já está em curso.

“Devemos ser justos. O MPLA está a mudar e vai em bom caminho.Salvo alguns trafulheiros, que insistem no discurso da arrogância, o MPLA hoje é outro!. (…) Os principais actores na actual direccão do partido conferem muita confiança no futuro pelas trajetórias e competências.” E acrescenta: “Opior já passou. O empecilho maior foi derrotado. Tudo agora só depende de nós!”

Mas há barreiras e taras que os genuínos desejos de António Venâncio não conseguem derrubar. Há no MPLA gente que não se regenera. Mário Pinto de Andrade, o secretário do Bureau Político para os Assuntos Políticos e Eleitorais faz parte da “raça de pessoas” que não se regenera.

Ele nasceu e foi forjado politicamente sob a ilusão de que Angola e os angolanos são propriedades do MPLA.

Na cidade do Lubango, onde se deslocou a semana passada, Mário Pinto de Andrade deixou uma prova inequívoca de que é um quadro a descartar quando o assunto é a regeneração do país e das suas práticas.

Sem qualquer cerimónia, ele sugeriu que a realização das autarquias depende do mau ou bom humor do seu partido. “O MPLA tem o compromisso de realizar as eleições autárquicas e gerais, mas a sua convocação deve ocorrer dentro dos ‘timings’ determinados pelos órgãos competentes”. Depois de inspirar o ar, o secretário dos Assuntos Políticos e Eleitorais soltou-o com a seguinte sentença: “Quem marca a agenda política no país é o partido que está no poder e não a UNITA, nem tão pouco o seu presidente”. E para deixar bem claro o desvario e a boçalidade que lhe tomaram conta da cabeça, Mário Pinto de Andrade disse isso: “Eles podem ficar nervosos, mas vão ter que esperar o tempo certo para haver eleições autárquicas”.

Sendo seguro que Mário Pinto de Andrade reduz as “autoridades competentes” a João Lourenço, presidente do MPLA e ao Bureau Político do MPLA (já que o Comité Central e a bancada parlamentar não são entes considerados em decisões relevantes), estamos então diante de comportamentos que comprometem o futuro radiante que António Venâncio prognostica para o MPLA pós-José Eduardo dos Santos.

Preso ao período das trevas, Mário Pinto de Andrade é incapaz de perceber que é a arrogância, a petulância e a soberba do MPLA – e não apenas de José Eduardo dos Santos – que empurraram o país para o esgoto em que hoje se encontra. Desde quando num estado democrático e de direito a realização de eleições gerais e autárquicas depende do livre arbítrio do presidente e do respectivo partido? Em que época histórica vive o secretário para os Assuntos Políticos e Eleitorais do MPLA? Pelo que diz publicamente, Mário Pinto de Andrade parece vaguear entre a Idade Antiga e a Idade Média. Portanto, não é homem da Idade Contemporânea.

Acorrentado ao passado, MPA não acredita que jamais se repetirão aqueles trágicos momentos em que o seu partido usurpou a cidadania, sob o abusivo slogan de que “MPLA é o POVO e Povo é o MPLA”.

Com a derrota “total e completa” da era José Eduardo dos Santos, o que é do passado ao passado pertence.

Alguém tenha a bondade de despertar Mário Pinto de Andrade para a emergência de novo “paradigma”, como agora se usa dizer.

Por Graça Campos / CA

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