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Quinta, 04 Julho 2019 10:59

O IVA e as preocupações sociais do Executivo

Este é o último de uma série de três artigos, em que venho explicando as escolhas políticas subjacentes ao novo regime do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), bem como a razão de ser da sua implementação faseada, que se inicia este ano e se prolonga até ao final de 2020.

Por Archer Mangueira

Depois de ter abordado as vantagens do IVA enquanto imposto indirecto e de ter enquadrado os ajustamentos na sua implementação, que respondem às principais preocupações dos empresários, termino hoje, com a explicação sobre a forma como “o IVA angolano” irá acolher as preocupações sociais do Executivo.

Vimos antes que, para a boa compreensão do regime do IVA, é fundamental ter clara a distinção entre Sujeito Passivo do IVA e Consumidor Final. O primeiro tem a obrigação de liquidar (cobrar) o imposto e entregá-lo ao Estado, além de cumprir a Lei e os Regulamentos do IVA. A palavra “passivo” refere-se aqui ao ónus fiscal de liquidar (cobrar) o imposto e o entregar ao Estado. Em compensação, o Sujeito Passivo, nas suas declarações periódicas, pode subtrair deste valor cobrado o IVA que tiver pagado a montante (aquisições de bens e serviços).

Ao contrário do Sujeito Passivo de IVA, o Consumidor Final é todo aquele que tem de suportar a carga fiscal deste imposto, sem poder repercuti-la ou dela ser reembolsado. Todavia, o Código do IVA prevê que futuramente se venha a legislar no sentido da atribuição de benefícios fiscais aos consumidores finais.

Regimes da implementação gradual do IVA

Os estudos desenvolvidos pelo Grupo Técnico de Implementação do IVA (GTIIVA), no seio da Administração Geral Tributária (AGT) e em colaboração com especialistas internacionais, designadamente do Fundo Monetário Internacional e das Autoridades Tributárias de vários países, revelaram que, na fase de lançamento do IVA, este deve ser implementado de forma gradual, de modo que os contribuintes possam organizar a sua contabilidade e os sistemas informáticos. Essa é, de resto, a opção tomada em quase todas as jurisdições onde vigora este imposto, na primeira fase da sua aplicação. Foi, então, decidido, estabelecer um Regime Geral e um Regime Transitório, além de um Regime de Não Sujeição, que a seguir se explicam resumidamente:

(i) Regime Geral: nos primeiros 18 meses serão apenas incluídos os contribuintes cadastrados na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes e os contribuintes que optarem pela adesão, por solicitação, a este Regime. Estes vão operar com o IVA na factura de 14% e poderão recuperar o IVA suportado ou solicitar reembolso em caso de crédito fiscal. Este regime prevê um conjunto de produtos isentos do IVA, com destaque para alguns produtos da cesta básica, medicamentos, livros, gasolina e gasóleo, entre outros.

(ii) Regime Transitório: Com excepção dos contribuintes cadastrados na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes, todos os contribuintes com volume de facturação anual ou operação de importação superior a USD 250.000 ficam enquadrados neste regime, com uma tributação simplificada (período de tributação trimestral) até 31 de Dezembro de 2020. O Executivo solicitou à Assembleia Nacional que a taxa a aplicar seja de 3%, em vez dos anteriormente previstos 7%, sobre o volume de venda e de serviços efectivamente recebidos no trimestre, excluindo os bens e serviços isentos do IVA, com destaque para alguns produtos da cesta básica, medicamentos, livros, gasolina e gasóleo, entre outros. Contudo, estes contribuintes só têm direito a deduzir 4% do IVA suportado e não podem solicitar o reembolso dos créditos fiscais, somente reportando-os para o período seguinte.

(iii) Regime de Não Sujeição: Todos os contribuintes com volume de facturação anual ou operação de importação igual ou inferior a USD 250.000 ficam enquadrados no "Regime de Não Sujeição" ao abrigo do qual ficam totalmente excluídos do cumprimento das regras do IVA.

Mas o regime do IVA é, de facto, uma combinação de sujeitos (incidência subjectiva) com operações (incidência objectiva) e aplica-se quando estão reunidas a incidência subjectiva (contribuintes cadastrados) e a incidência objectiva (operações de compra e venda). E daqui decorrem duas distinções fundamentais a fazer: (i) primeiro, a distinção entre "operações não incidentes de IVA" (as que o regime do IVA não abrange) e "operações isentas de IVA"; (ii) seguidamente, a distinção entre "isenção com direito a dedução" e "isenção sem direito a dedução" (equiparada esta a uma transacção com o consumidor final).

Recomposição social do regime transitório

É neste ponto que importa clarificar as excepções definidas no Regime Transitório do IVA para os agentes económicos que executam operações nos sectores da Educação e da Saúde, uma vez que, ao estarem transitoriamente impedidos de deduzir o IVA suportado (pago) nas suas compras, poderiam ter de agravar o preço das propinas e dos serviços médicos.

É reconhecido que a grande desvantagem da tributação do IVA na prestação de serviços destes sectores se prende com o facto de, por serem sectores cujo principal capital é o humano, a tributação levaria a uma carga fiscal maior ao consumidor final. Como referimos, a base do imposto é o valor criado pela empresa, medido pelos salários ou honorários pagos e os lucros operacionais gerados pela empresa.

Dada a importância social da Educação e da Saúde, e na medida em que o Estado ainda não dispõe de oferta pública suficiente para satisfazer todas as necessidades, havia que proteger as famílias, na sua condição de consumidores finais, particularmente as famílias de menor rendimento.

Essa decisão não era linear, do ponto de vista da justiça fiscal, na medida em que estudos sobre os regimes de isenções nos sectores da Educação e Serviços Médicos efectuados pela Missão do Fundo Monetário Internacional (FMI), e confirmados junto de autoridades tributárias congéneres da AGT, apontam para o risco do aumento da regressividade do IVA, ou seja, acabam por beneficiar mais a franja de contribuintes que menos recorrem às ofertas públicas desses serviços.

Do mesmo modo, o Executivo propôs à Assembleia Nacional a revisão da taxa aplicada no Regime Transitório do IVA, de 7% para 3%, de modo a atenuar a discriminação negativa das empresas abrangidas por este regime. A combinação da proposta de redução do IVA para 3% com a manutenção da dedução máxima de 4%, permite garantir um equilíbrio competitivo entre as empresas no Regime Geral e as sujeitas ao Regime Transitório. Contudo, manter-se-á a impossibilidade de solicitar o reembolso dos créditos fiscais.

Em resumo, e para concluir, a implementação faseada do IVA permite realizar os ajustamentos à realidade concreta do tecido empresarial e social, ao mesmo tempo que um núcleo de empresas, pela sua dimensão e importância, vai difundir progressivamente as boas práticas e as vantagens da adesão ao Regime Geral do IVA.

O IVA é o imposto mais equitativo na tributação do consumo final (mas não dos rendimentos familiares, que só os impostos directos podem tributar) e mais estruturante da actividade económica (designadamente da comercialização e da intermediação comercial), sendo o que melhor serve a política económica do Executivo, em particular os objectivos de diversificar a produção.

*Ministro das Finanças

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