Passaram mais de dois anos após o fim do programa de financiamento ampliado em Angola. Que balanço faz à situação do País neste período?
Vamos por partes. Após o programa, a economia de Angola voltou a crescer, tanto em 2021 quanto em 2022, depois de um período de cinco anos [em recessão], de choques muito adversos, com a queda dos preços do petróleo. Houve também a parte da pandemia. O nosso balanço é que, tendo em consideração todos os choques que a economia angolana atravessou, o programa teve um balanço positivo no sentido das reformas que foram implementadas.
Ajudou a subida dos preços do petróleo.
Houve uma melhoria do preço do petróleo, mas também houve condições devido a reformas muito importantes, como, por exemplo, o início da migração para o sistema de metas inflacionárias. O início da flexibilização cambial. Tivemos a introdução do IVA como uma nova fonte de receitas não petrolíferas, que é muito importante para estabelecer uma maior estabilidade das receitas.
Muitas incidiram sobre o sector financeiro, como a nova lei do BNA...
Uma série de reformas foi um caminho para aumentar a confiança do País e gerar uma maior credibilidade das políticas monetárias e fiscais. Por exemplo, tivemos também a lei de sustentabilidade fiscal, que estabelece as âncoras fiscais. Obviamente, a economia angolana é muito dependente do petróleo. E, em função disso, muito dependente dos choques, tanto do ponto de vista dos preços, quanto do ponto de vista da produção. E o que observámos em 2023 foi que a recuperação que eu acabei de falar, de 2021 e 2022, ela meio que estancou.
Com a quebra da produção...
Junto com isso, teve também o reinício do processo de pagamento da dívida pública externa que, em larga medida, tem a China como grande credor. E com um condicionante muito forte de aceleração dos pagamentos da dívida, inclusive das amortizações. Não só do serviço da dívida, mas da parte principal da dívida. E o efeito que ele teve, a nível macroeconómico, é que um dos grandes ofertantes de divisas, que é o Tesouro Nacional, teve de priorizar a dívida. Com isso, absteve-se do mercado e a oferta de divisas caiu fortemente, dando início, num ambiente de maior flexibilização cambial, a um reajuste e a uma depreciação cambial.
Ao longo dos anos, o FMI tem alertado que o BNA deve deixar a moeda circular livremente. Mas isso não tem estado a acontecer...
Deixe começar por dizer por que o FMI acha que, para um país como Angola, a taxa de câmbio flexível é tão importante. Vou nomear quatro factores. Primeiro, é que ela é um factor muito importante para preservar o que chamamos de almofadas externas, na medida em que reduz a necessidade de o BNA intervir no mercado cambial para preservar uma taxa de câmbio qualquer fixada. E, nesse sentido, ela protege as reservas internacionais. Também tem um papel muito importante na criação do que nós chamamos de almofadas domésticas, na medida em que a principal receita fiscal é petróleo, uma desvalorização cambial ou a prevenção de que o câmbio fique extremamente sobrevalorizado de uma certa forma, faz uma compensação. O que eu quero dizer é que tem uma desvalorização, mas, por outro lado, algumas das despesas, em função das importações, vão aumentar em Kwanzas, mas, em compensação, as receitas também vão aumentar. Então, há uma certa compensação do nível fiscal de receitas e despesas.
E qual será o terceiro factor?
É um factor muito importante, que é o da competitividade externa. E, por último, ela é importante para ajudar no sistema de metas de inflação, porque no momento em que se elimina a âncora cambial você sabe claramente que a única âncora de preços são os sistemas de metas inflacionárias. Elimina o ruído nisso. Então, é por isso que achamos que para Angola é tão importante esse processo da flexibilização cambial.
E como é que está a correr até agora? A moeda perdeu 80% do valor face ao dólar desde o início da reforma em 2018.
Não é um processo imediato. É um processo que necessita de capacitação e é um processo que necessita, para ficar sustentável, de criar fontes alternativas de divisas ao petróleo. Então, obviamente, é um processo que vai estar intimamente ligado ao processo, de médio prazo, da diversificação económica. A nossa recomendação é que esse processo continue, que a taxa de câmbio siga tendo o seu papel de equilibrar o mercado. Obviamente que vão existir momentos de choque. A questão é como reagir a esses choques. A nossa recomendação é que a forma correta de reagir a esses choques é estabelecendo regras claras para o mercado, com o BNA a intervir em situações extremas. Expansão