Em entrevista ao Jornal de Angola, reconhece haver uma combinação de factores que ainda impedem o crescimento robusto imediato da economia, fala da relação com o FMI, do empenho para tornar mais prático e eficiente o ambiente de negócios e do trabalho em curso para diversificar a economia e promover um crescimento económico sustentável liderado pelo sector privado.
Que análise faz do actual cenário da economia angolana?
A economia nacional está num processo de transformação, procurando ajustar-se aos desafios de diversifi- cação, em que o sector privado passa a assumir a função de motor da economia, produzindo e colocando no mercado bens e serviços procu- rados pelos cidadãos.
A alteração da estrutura económica de um país construída ao longo de muitos anos não se altera num curto espaço de tempo, e por isso ainda temos uma economia em que o sector Petrolífero é gerador de 95% de receitas cambiais e contribui cerca de 60% das receitas fiscais, o que faz com que alterações no preço ou nas quantidades produzidas de petróleo, variáveis fora do nosso controlo, continuem a ter uma grande influência no desempenho da economia.
O sector primário e indústria transformadora procuram recuperar a sua dinâmica, depois de um período longo em que a viabilidade e competitividade eram excessivamente afectadas por importações de matéria-prima e de bens processados, não obstante as potencialidades internas.
Há ainda insuficiências no domínio das infra-estruturas, limitações no acesso ao crédito e contida disponibilidade de mão-de-obra especializada que afectam o ambiente de negócios e o desempenho da economia, mas não deixam de ser notável as múltiplas iniciativas empresariais que vêm ocorrendo em todos os sectores da economia que demonstram a vontade de superação, resiliência e reconhecimento do momento de transformação do potencial económico de Angola em ganhos concretos de desenvolvimento e bem-estar social.
Qual é o principal problema da nossa economia e qual é a receita para fazer o país crescer de forma célere e sustentada?
Há uma combinação de factores que ainda impedem o crescimento robusto imediato da economia, situação que será alterada pela modificação da estrutura da economia, pelo que é determinante o curso de diversificação que vimos perseguindo.
As reformas macroeconómicas e implementação dos Programas do Governo no âmbito do Plano de Desenvolvimento Nacional são parte desse caminho, assim como são os investimentos nas infra-estruturas, na capacitação institucional e, sobretudo, nas pessoas, no conhecimento e na ciência.
Temos, hoje, iniciativas empresariais que vão ganhando dimensão na produção alimentar, nos transportes e logística, na indústria transformadora e serviços ou na exploração mineira que permitem antever um período mais promissor para a nossa economia.
Como é que os demais sectores estão alinhados na estratégia para aumentar a produção?
O Programa do Governo assim dita, pelo que temos procurado manter a articulação entre os vários sectores da economia. Os investimentos públicos, no seu processo de aprovação, devem indicar como vão estimular a economia, incluindo na criação de postos de trabalho para os jovens e para o equilíbrio do género. Não temos ninguém de fora. É uma abordagem sistémica e integrada que emana do Plano de Desenvolvimento Nacional. No sector público, decisão de obrigatoriedade de compras locais, que entrou em vigor este ano, é parte das medidas de estímulo à produção nacional.
Por exemplo, só será possível termos uma indústria de mobiliário forte e dinâmica se as grandes empreitadas, como escolas, hospitais ou centralidades, forem equipadas com janelas, portas ou mesas produzidas no país. Esse princípio é válido para toda indústria transformadora que temos já em Angola.
Outro exemplo, que se pode dar dos órgãos públicos, vem dos serviços de defesa e segurança que, perante o desafio de dinamização da economia, não apenas aceleraram a produtividade de fazendas agrícolas em sua posse, como passaram a privilegiar a procura e compra de fardas e equipamentos com o selo ‘Feito em Angola’.
No sector empresarial público, a nossa companhia aérea, a TAAG, oferece agora aos passageiros nos seus voos internacionais, bebidas e outros consumíveis produzidos em Angola. Foi uma forma afirmativa de resposta ao apelo de maior integração local.
Mas queremos muito contagiar o sector privado da economia e algumas acções visíveis estão a acontecer: as fábricas produtoras de tecidos, por exemplo, têm hoje uma procura maior por quem antes apenas importava. A maior empresa de cervejas em Angola está a avançar para a produção de cevada. A fase experimental ocorreu com sucesso.
O óleo alimentar passou a ser refinado e embalado cá e a lapidação de diamantes ocorre em maior escala. Temos o código genético de matrizes para produção de frango e a merenda escolar passou a serfeita com produtos nacionais. O armazenamento de dados já pode ser feito em cloud angolana.
Estes são alguns dos muitos exemplos que podem ser dados. Felizmente, começam a ser muitas as iniciativas bem sucedidas e do que pode ser feito em Angola. Mas temos que continuar a alargar essa base, pelo que nos negócios é importante, e recomendamos, que cada um explore sem complexos formas de obtenção de maior incorporação nacional. Somente com esse sentido de economia integrada e circular será possível alcançarmos novos patamares de crescimento e desenvolvimento.
Qual é o papel da agricultura familiar na estratégia do Governo de aumento da produção interna?
A agricultura familiar é determinante na actual produção de alimentos no país. Estima-se que cerca de 82% da produção de alimentos seja de matriz familiar, envolvendo cerca de 3,1 milhões de cidadãos. Esta é uma base de produção existente, e que acreditamos ter potencial para se desenvolver de forma a aumentar significativamente a produção.
Por isso, o Governo aprovou recentemente o Programa de Aceleração da Agricultura Familiar que, no essencial, vai permitir que as famílias agrupadas em cooperativas possam ter acesso a recursos financeiros via Caixas de Crédito Comunitárias. Temos também um programa para financiar, em condições bonificadas, a aquisição de equipamentos como motocultivadoras, tractores e sistemas de rega.
Este importante programa será transformador, pois permitirá que as famílias passem a produzir quantidades superiores às suas necessidades de consumo, gerando renda que irá contribuir para a melhoria das suas condições de vida.
Mais concretamente, em 2024 planeamos disponibilizar cerca de 2 300 motocultivadoras às famílias agrícolas, para permitir alguma mecanização da produção e estamos a recrutar mais 400 colaboradores para o sector da Agricultura, em particular técnicos agrários, para permitir a mais rápida disseminação de técnicas agrícolas pelo país.
Via FACRA, estamos a apoiar operadores da rede logística de transporte, de modo a aumentar os meios para a recolha da produção do campo para as zonas de consumo. Vamos garantir que a produção das famílias tenha mercado seguro através da Reserva Estratégica Alimentar e operadores empresariais com alguma dimensão, as chamadas fazendas âncoras ou agregadores.
No domínio das infra-estruturas de apoio directo, temos o programa de expansão das bases logísticas pelas zonas de maior produção. Na Caála, por exemplo, o projecto sob coordenação da Agência de Reguladora de Certificação e Carga Logística de Angola (ARCCLA) está em fase adiantada, vai permitir ampliar as unidades de armazenamento, conservação e transporte da produção familiar e comercial do Huambo e das províncias circunvizinhas.
Que apoios e incentivos existem para que os pequenos produtores não sejam engolidos pelos grandes?
As empresas de pequena e média dimensão fazem parte do ecossistema produtivo em todos sectores da economia, funcionando em sistema de complementaridade num ambiente que é concorrencial.
Ser pequeno não significa ser menos capaz ou mais vulnerável, necessariamente. A agilidade das pequenas empresas e capacidade de adaptação conferem vantagens competitivas relevantes e são as muitas pequenas e médias empresas que permitem alargar a base económica dos países.
A Lei das Pequenas e Médias Empresas deverá acautelar um conjunto de incentivos para este universo de empresas, incluindo de acesso ao mercado, que, como referido anteriormente, estamos a revisitar com o sentido de assegurar que essa condição seja consistentemente materializada.
Os mecanismos de garantias públicas também privilegiam as empresas de pequena e média dimensão, e via INAPEM continuamos a prestar apoio e aconselhamento financeiro, administrativo e operacional.
Nota-se esforços para aumentar a produção, mas também um aumento da exportação de produtos nacionais. Um exemplo é o arroz. O Ministério da Agricultura indicou, recentemente, que há já arroz angolano a ser comercializado na China e em países fronteiriços, como a RDC, Zâmbia e Namíbia. Esta semana o Governo apurou algumas empresas para importar arroz e ajudar a estabilizar o mercado. Como explicar esta contradição?
É desejável que haja diversificação nas exportações, mas queremos que seja de modo organizado e dentro das regras e boas práticas do comércio externo. No que se refere ao arroz e mesmo ao feijão, já agora, as quantidades exportadas são muito pouco expressivas e não condicionam a oferta interna. No caso do arroz, que cita, foram exportadas cerca de 72 toneladas em 2023, mas foram produzidas perto de 40 mil toneladas nesse mesmo ano.
A nossa prioridade é o mercado interno, mas devemos reconhecer que essas exportações podem também estimular a produção em maior escala, abrindo novos mercados, criando mais empregos e gerando mais divisas para o país e, nesse sentido, devem ser encorajadas.
Quanto ao leilão efectuado para a atribuição de licenças de importação de arroz, procurou-se, por um lado, assegurar a estabilidade na oferta até ao fim do ano e, com isso, retirarmos a ‘ansiedade’ que levava ao aumento de preços por incerteza de disponibilidade futura. Por outro lado, estimamos que os custos de importação caiam em quase 50%. Aliás, foi também o que verificamos com o leilão para importação de açúcar.
A inflação persiste alta, em dois dígitos, agravando cada vez mais a situação das famílias. Que medidas existem para recuperar o poder de compra das famílias e quando é que os cidadãos começam a sentir essa estabilidade?
A classe de bens alimentares tem um peso no Índice de Preços no Consumidor elevado, de cerca de 55,7%, significando que a variação do preço dos alimentos no nosso País influencia significativamente a taxa de inflação.
A importação dos bens alimentares implica que os seus preços no mercado interno sejam determinados com base em vários factores, todos estes fora do nosso controlo, como por exemplo, os seus preços nos mercados internacionais, os custos do transporte, a taxa de câmbio e as capacidades dos importadores, incluindo o seu acesso aos mercados e sua capacidade de negociação, entre outros factores.
Os preços no mercado externo acabam também por determinar as quantidades importadas, o que leva a que, por vezes, a disponibilidade de produtos no mercado interno seja inferior à procura, o que resulta, por sua vez, em preços mais elevados.
De qualquer modo, para cobrir a insuficiência de oferta de bens produzidos no país e conferir previsibilidade até ao fim do ano, realizamos já dois leilões para atribuição de licenças de importação, nomeadamente para o açúcar e para o arroz. Os resultados imediatos foram a redução dos custos de importação em cerca de 50% e a estabilidade dos preços destes produtos nos principais mercados.
Pontualmente, atendemos uma preocupação, mas no nosso actualcontexto de desenvolvimento e do ponto de vista estrutural, a única solução para baixar de forma sustentável a inflação, e que temos estado a perseguir com determinação, é o aumento da produção nacional de alimentos de amplo consumo.
Aliás, o que observamos com a inflação no mês de Maio, em que se registou um recuo na variação de preços, deve-se em muito ao facto de nos encontramos em época de colheita, período em que a oferta de bens alimentares cresce de forma generaliza e melhor atende a procura.
Por isso mesmo, precisamos de continuar a nossa mobilização organizada para a produção e produtividade. Teremos assim mais estabilidade dos preços, mais oportunidades de emprego, mais renda para distribuir e maior inclusão social.
Competitividade económica
Dados do FMI indicam que Angola deve perder este ano a posição de quarta maior economia da África subsaariana para o Quénia. No ano passado, a economia de Angola quase estagnou e este ano a previsão é de um crescimento abaixo dos 3 por cento. O que é que explica este baixo desempenho em comparação com grande parte dos países da região?
No geral, as economias africanas vivem os mesmos desafios de crescimento. No seu mais recente Outlook, o FMI prevê que a economia subsaariana cresça 3,8%. As projecções para a economia Angola são marcadas ainda pela previsão de queda do sector Petrolífero.
As nossas projecções não estão muito distantes e apontam para um crescimento de cerca de 5% do sector Não Petrolífero, o que deverá contrapor a queda de 3,2% que se antecipa para o sector de Petróleo e Gás.
No que se refere à base comparativa, convém relembrar que o INE actualizou o Sistema de Contas Nacionais, migrando da metodologia de 1993 para a de 2008, assim como o ano base de cálculo do PIB passou de 2002 para 2015.
Desse resultado, divulgado em Maio deste ano, concluiu-se que o PIB de Angola estava subestimado em cerca de 13,31%, pelo que a base de comparação com outras economias deverá também ser revista.
Vê margem para a economia angolana crescer de forma mais célere? Quando e que sectores devem impulsionar este crescimento?
O crescimento da economia depende de muitas variáveis e ainda continuamos muito dependentes do sector Petrolífero, em que o preço e a produção são factores que podem ter variações rápidas e inesperadas e assim, influenciar o crescimento da economia num curto espaço de tempo, mas sem garantias de sustentabilidade.
Para 2024, estamos a prever um crescimento de cerca de 5% para o sector Não Petrolífero. Será um ano mais dinâmico e com o sector Agrícola a assumir um peso relevante no PIB.
A agricultura emprega perto de 3,1 milhões de famílias angolanas e tem potencial, exercendo um papel- -chave no alcance das metas de crescimento.
Mas o mesmo deve ser dito em relação aos demais sectores da economia, pescas, transportes, energia, construção, turismo, telecomunicações, comércio, indústria transformadora, serviços, entre outros.
Com o trabalho que está a ser desenvolvido de estímulo e potenciação da economia e investimentos, tanto nas infra-estruturas, como no capital humano, estamos a contruir a base para um desempenho mais robusto e sustentável da nossa economia.
No ano passado, Angola foi a 118.º economia mais livre do mundo (entre 180 países do Índice de Liberdade Económica, ficando mesmo à frente de países como o Brasil) e a 19ª, em África. Em 2022, ocupou a posição 130, o que significa uma subida de 12 lugares. Uma vez que o índice avalia aspectos como negócios, comércio, governação e políticas públicas, como é que se explica a dificuldade em atrair investimento externo, em comparação com países bem abaixo do ranking?
Também é um caminho. É necessário consolidarmos os ganhos e continuarmos a remover as dificuldades que ainda existem no que se refere ao ambiente de negócios.
Por exemplo, foi somente em finais de 2023 que se isentou a atribuição de vistos de modo mais abrangente, o que era apresentado como uma das barreiras do ‘doingbusiness’ em Angola.
Temos verificado uma vontade renovada de potenciais investidores. A diplomacia económica iniciada pelo Presidente João Lourenço tem-nos aproximado dos maiores grupos empresariais do mundo. As visitas de prospecção ao País têm sido regulares e a manifestação de interesse também.
Internamente o trabalho tem de continuar e, sobretudo, captarmos mais o interesse de quem já opera em Angola, tornando mais prático e eficiente o ambiente de negócios. Os investidores que operam em Angola, sejam nacionais ou estrangeiros, são os nossos embaixadores permanentes junto da comunidade empresarial internacional e o primeiro referencial de atractividade do nosso mercado.
Esteve recentemente na Coreia do Sul. Como está actualmente a imagem externa do país? O que lhe dizem os potenciais investidores?
A imagem externa do país é positiva e os potenciais investidores mostraram interesse e vontade de conhecer e explorar oportunidades em Angola.
A vontade e interesse em conhecer e explorar oportunidades em Angola por empresas coreanas não foi nada diferente do que vimos recentemente na China, nos Estados Unidos ou com países da União Europeia.
Entretanto, as decisões de investimentos de grande dimensão são decisões muito ponderadas que demoram tempo, pelo que vemos, estes contactos como passos num caminho que teremos de percorrer para ter no futuro os resultados que pretendemos.
Quais são os resultados da nossa diplomacia económica? Pode dar exemplos de sucesso?
Para além do sector Petrolífero, podemos referir o sector Mineiro em que temos hoje alguns dos grandes operadores internacionais com presença em Angola, como, por exemplo, a De Beers, empresa multinacional de diamantes de grande dimensão e renome e a Rio Tinto, segunda maior empresa mineira do mundo.
No sector dos Transportes, temos também parcerias com entidades multinacionais, como por exemplo, a DP World, uma empresa com actividade em 75 países, a Abu Dhabi Ports com presença em 46 países, e a Africa Global Logistics que integra o grupo Mediterranean ShippingCompany (MSC Group), líder global no transporte marítimo, que opera em mais de 155 países, para a exploração de infra-estruturas portuárias em Luanda e Lobito.
O corredor do Lobito é outro resultado muito significativo da nossa diplomacia internacional e que importa destacar até pelo impacto regional esperado.
Nas telecomunicações e tecnologias de informação, a multinacional Huawei que se encontra entre as líderes mundiais do sector.
A conhecida rede Intercontinental, no caso da hotelaria. No sector Imobiliário, pode-se destacar a presença e investimentos das renomadas Damac e Dubai Investments.
Estes são apenas alguns exemplos, mas trata-se já de um vasto conjunto de empresas e investidores que acreditaram no país e que hoje actuam com vigor nos mais variados sectores da economia.
Recentemente, o FMI sugeriu mais trabalho para melhorar o ambiente empresarial e o acesso ao financiamento. O que mais falta fazer para melhorar o ambiente de negócios?
Já muito foi feito na melhoria do ambiente de negócios ao longo dos últimos anos, mas reconhecemos que ainda existe algum trabalho a fazer, que muitas vezes se trata de assegurar a aplicação na prática das medidas definidas.
Em 2023, foi aprovado o Plano de Melhoria do Ambiente de Negócios 2023-2024, que descreve as actividades fundamentais a desenvolver e os marcos a serem alcançados, indicando as entidades responsáveis pela sua execução, os prazos e os níveis de prioridade.
No âmbito desta iniciativa, o Governo pretende continuar a melhorar o ambiente de negócios para as empresas, através da melhoria da sua eficiência, reduzindo o número e a duração dos procedimentos para a criação de empresas e dos respectivos custos, bem como da qualidade das regulações, concretamente a aplicação de medidas claras e transparentes, a protecção dos direitos de propriedade e do ambiente, a garantia da segurança da população, a implementação e utilização de plataformas electrónicas e a promoção da partilha de informação entre as entidades governamentais.
Quanto ao acesso ao crédito, não é desprezível o volume que se vai concedendo na economia. De acordo com os dados divulgados recentemente pelo BNA, no mês de Abril, o crédito bruto concedido totalizava 6,4 bilhões de kwanzas, um crescimento de 32% em comparação ao período homólogo.
Mas reconhece-se que os empreendedores de micro, pequena e média dimensão, ou os projectos que requerem maturidades longas para recuperação dos capitais ainda enfrentam algumas dificuldades na contratação de crédito. Por isso resolvemos ‘afinar’ os nossos veículos púbicos de apoio financeiro, como o FADA, FACRA ou mesmo o BDA.
Também, no âmbito da execução do OGE 2024, o Governo aprovou o montante de 330 mil milhões de kwanzas para a emissão de garantias soberanas para facilitar o acesso ao crédito, sobretudo em fomento de iniciativas empresariais privadas, conducentes à diversificação económica nacional.
Como o Estado pode ajudar o empresariado nacional a preparar-se para a concorrência resultante da efectivação do Acordo de Livre Comércio Continental Africano?
O acordo de Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA) irá criar a maior zona de comércio livre do mundo medida pelo número de países participantes, integrando 55 países, com um valor combinado do Produto Interno Bruto (PIB) de USD 3,4 biliões e 1,3 biliões depessoas.
O sucesso da implementação deste acordo depende da implementação de políticas adequadas e concertadas por cada país participante, que asseguram a maximização dos ganhos potenciais do acordo, e, ao mesmo tempo, a minimização dos riscos.
Entretanto, as reformas que estamos a implementar para tornar a nossa economia mais robusta e sustentável deverão, também, fazer com que as nossas empresas estejam melhor preparadas para servir um mercado mais alargado e mais competitivo.
Além do mencionado para o estímulo à economia, queremos, via AIPEX, apoiar o empresariado na exploração de novos mercados africanos. Devemos procurar conhecer melhor as regras e normas de cada um desses mercados para podermos encontrar o espaço para colocar os bens e serviços "feitos em Angola”.
Temo-nos referido ao investimento já existente e que pode ser potenciado com novos mercados. Materiais de construção, sector têxtil, bebidas, detergentes, por exemplo, têm condições à partida para actuar num mercado continental mais aberto.
O investimento no conhecimento e na capacidade de inovação vão determinar o sucesso da nossa presença noutros mercados e essa é outra direcção em que esforços devem continuar a ser feitos por todos.
Relações com instituições multilaterais
O que é que o país ganha, de facto, na relação com o FMI? Quais são as vantagens do acordo estabelecido e quais são os limites acordados?
Em 2018 Angola solicitou o apoio do FMI, concretizado através do Acordo Alargado de USD 4,5 mil milhõesao abrigo do Programa de Financiamento Ampliado, com duração de três anos.
A intervenção do FMI foi solicitada pelo Governo, para apoio na implementação das reformas que visavam restaurar a sustentabilidade externa e fiscal do país, melhorar a governação e diversificar a economia para promover um crescimento económico sustentável liderado pelo sector privado.
O FMI ajudou-nos a manter a disciplina na implementação das políticas e conferiu maior credibilidadeperante a comunidade internacional às intenções do Governo de (i) imple- mentar as reformas necessárias para colocar o País numa trajectória de crescimento económico sustentável e inclusivo e (ii) adoptar um modelo de governação alinhado com os padrões internacionais.
Durante o programa, Angola beneficiou de um empréstimo numa altura em que tinha acesso limitado aos mercados financeiros externos e beneficiou de apoio técnico do FMI e de outras organizações especializadas trazidas pelo FMI, na gestão dos assuntos económico-financeiros, que foi muito positivo para a implementação das reformas e a capacitação dos nossos quadros.
Passados os três anos de implementação do programa, o FMI continua a fazer o acompanhamento regular da nossa economia, e a prestar apoio técnico em vários domínios permitindo-nos continuar a capacitar os nossos quadros e a melhorar os nossos processos de gestão da economia e das finanças públicas, que consideramos uma grande mais-valia.
Assim, a nossa relação com o FMI tem sido muito positiva, não apenas no apoio que nos deram na implementação das reformas por nós preconizadas e na capacitação técnica, mas também na melhoria significativa da nossa reputação perante a comunidade internacional.
Qual é, neste momento, o impacto dos acordos assinados, em Março, com a China? O que mudou? Até que ponto estes acordos já se reflectem na economia, na produtividade e no bem-estar das famílias?
Como tivemos já a oportunidade de referir, ajustámos as condições com o nosso maior credor na China, flexibilizando os instrumentos de garantia, o que tem permitido maior influxo de recursos em moeda estrangeira para as contas públicas, desde o mês de Abril.
Essa alteração terá impacto progressivo na economia por via da execução do Orçamento Geral do Estado.
Como reage às críticas de que, na ânsia de ficar bem na fotografia e pagar a dívida pública, o Governo está a ir além dos compromissos, com prejuízos ao financiamento de projectos para o bem-estar dos cidadãos?
O Governo não está a antecipar o cumprimento das suas responsabilidades creditícias, prejudicando o financiamento de projectos para o bem-estar dos cidadãos.
O Governo está sim a assegurar que cumpre atempadamente as suas responsabilidades creditícias, de forma a garantir o acesso futuro aos mercados financeiros em condições mais favoráveis, quer para o sector público como para o privado.
A capacidade de cumprimento das nossas obrigações é um dos critérios fundamentais da avaliação que regulamente é feita à nossa economia e dos que mais influência as decisões de investimento estrangeiro.
Qual é a estratégia para gestão da actual dívida pública do país?
A estratégia está espelhada nos documentos "Estratégia de Endividamento de Médio Prazo 2024/2026” e "Plano Anual de Endividamento de 2024”, ambos publicados.
Em resumo, vamos melhorar o perfil de vencimento da dívida pública, tentando evitar a concentração de pagamentos nos prazos mais curtos, e contratando financiamentos externos com prazos mais longos. Vamos continuar a tentar negociar melhores condições financeiras, privilegiando a captação de finan- ciamento com características concessionais. Não vamos contratar mais dívida com base em garantias associadas ao petróleo.
Segurança social e aposentadoria
Que planos existem para alterar as regras de reajustes do salário mínimo e as aposentadorias, tendo também em conta a evolução da expectativa de vida da população?
A determinação dos salários mínimos deve considerar vários aspectos, nomeadamente, as necessidades dos trabalhadores em conjunto com a capacidade do empregador para pagar esses salários. Portanto é um exercício de equilíbrio que estamos a tentar fazer, para chegar a um ponto que seja aceitável para todas as partes, considerando o actual contexto económico.
Mais uma vez, as condições económicas do país são decisivas na determinação dos salários mínimos, por isso, esperamos que o desenvolvimento da economia trará um contexto que permita o estabelecimento de melhores condições salariais para os trabalhadores.
Para a Função Pública, estamos a trabalhar numa nova arquitectura de remuneração para conferir maior equidade interna e competitividade da remuneração da Administração Pública. Agora, este mês, algumas categorias funcionais terão já os primeiros acertos no âmbito do Roteiro para a Implementação da Nova Arquitectura Remuneratória da Administração Pública (RINAR).
Dados do INE indicam que mais de 60 por cento dos empregos são informais. Como é que o Governo está a acautelar o futuro desta massa humana, que hoje não está a descontar e vai precisar, no futuro, de protecção social?
Temos um programa que foi desenhado pelo Governo no âmbito do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, o Programa de Reconversão da Economia Informal (PREI), para promover a transição de economia informal para a economia formal. O PREI foi reformulado para o período 2023-2027, incluindo o reforço de várias iniciativas para acelerar o processo de reconversão da economia informal.
Temos também outras iniciativas em curso para a criação de postos de trabalho no sector formal. Conforme espelhado no Plano Nacional de Desenvolvimento, vamos activar ainda em Junho o Fundo Nacional de Emprego (FUNEA) para apoiar a oferta de postos de trabalho, quer com formação, estágios ou orientação para o surgimento de microempresas. Será activado o regime para a celebração de contratos locais de emprego junto de administrações municipais para serviços básicos em cada uma dessas jurisdições.
Estamos a avançar com a formação de incubadoras de empresas, para que também por essa via, mais empresas possam entrar para o mercado e apoiar na criação de postos de trabalho.
O desenvolvimento da economia através dos sectores primário e secundário, e do sector privado, irão necessariamente criar mais postos de trabalho no sector formal.
O que se pretende não é apenas a formação de poupanças para garantir a protecção social futura, mas, sobretudo, o engajamento hoje da força de trabalho disponível em acções que ajudem a superar as dificuldades colectivas e individuais que se colocam e juntos contruirmos um futuro melhor para todos angolanos.
Perfil: José de Lima Massano
Formação Académica
Mestrado em Contabilidade e Finanças pela Universidade City University, Londres
Experiência Governativa
2010/2015 - Governador do Banco Nacional de Angola.
2017/2022 - Governador do Banco Nacional de Angola.
Experiência Profissional
Foi presidente da Comissão Executiva do Banco Angolano de Investimento (BAI), durante 6 anos, funções que exerceu antes e depois do seu primeiro mandato no BNA. Anteriormente, desempenhou, igualmente, durante 7 anos, funções de administrador executivo do Banco de Poupança e Crédito (BPC).