Quarta, 16 de Julho de 2025
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Quarta, 16 Julho 2025 14:00

Investigação a negócios de Isabel dos Santos: "Você está a dizer que é tudo normal?"

INVESTIGAÇÃO EXCLUSIVA: AS REVELAÇÕES DE MÁRIO LEITE DA SILVA, O HOMEM DE CONFIANÇA DE ISABEL DOS SANTOS 3/5 || Em várias ocasiões do testemunho, o investigador holandês pareceu não acreditar nas justificações de Leite da Silva.

E até vincou que o gestor português parecia estar em todo o lado, mesmo quando não estava formalmente, pois escolhia ou indicava pessoas para o topo da Sonangol, administrava uma consultora contratada para fazer a reestruturação da petrolífera, era conselheiro de Sindika Dokolo, integrava a Esperaza e por aí adiante.

“Próxima pergunta. Você já esteve envolvido com a Exem?”, atirou Van Andel, referindo-se à Exem Energy (controlada pela Exem Holding e por Isabel dos Santos e Sindika Dokolo), que nasceu da Exem Africa Limited a quem, em 2007, a Sonangol cedeu 40% da Esperaza por cerca de 75 milhões de euros. O Ministério Público (MP) português e as autoridades angolanas acreditam que este valor “não se encontra pago e a Sonangol não recebeu dividendos durante largos anos” (só a Amorim Energia ganhou, entre 2005/2008, 330 milhões em dividendos), uma versão já contrariada publicamente por Isabel dos Santos, que garantiu que o valor foi pago em duas tranches: 11,5 milhões de euros em 2006 e 63,5 milhões em 2017.

- Mário Leite da Silva (MLS): “Fui nomeado pela Exem para o conselho da Esperaza.”

- Willem Van Andel (WVA): “Sim e...”

- MLS: “Nunca fui remunerado pela Exem. Nunca fui membro do conselho ou membro de qualquer órgão corporativo da Exem.”

- WVA: “Não era conselheiro da Exem?”

- MLS: “Eu era conselheiro do Sr. Dokolo.”

- WVA: “Que era o proprietário e beneficiário final da Exem.”

- MLS: “E toda a gente sabia disso.” (…)

O investigador holandês avisou que teriam de fazer em breve uma pausa na conversa, mas antes quis saber se percebera bem que Leite da Silva dissera que tinha sido consultor da Sonangol em 2016. Antes de confirmar que sim, o gestor referiu que a reestruturação da empresa tinha sido aprovada por decreto presidencial, contemplando depois a nomeação de Isabel dos Santos como presidente da empresa a partir de 3 de junho de 2016. E que ele ficara a coordenar as diferentes fases do projeto de reestruturação da Sonangol com a ajuda de empresas de consultadoria como a McKinsey, o Boston Consulting Group, a PriceWaterhouse e o escritório de advogados Vieira de Almeida & Associados. “Eu nunca fui membro dos órgãos sociais da Sonangol. Eu era diretor de uma empresa, a Matter Business Solutions (…) Fizemos um projeto de reestruturação entre junho de 2016 e o final de 2017 que economizou centenas de milhões”, concluiu. 

- Willem Van Andel (WVA): “O sr. Raikundalia diz que foi convidado [para CFO da Sonangol] - e talvez o conheça - pelo sr. Ivo Faria [alto quadro da PwC, a PricewaterhouseCoopers].”

- Mário Leite da Silva (MLS): “Hum, hum.”

- WVA: “Ivo Faria trabalhava na PwC e é ele que diz em abril de 2016 a Raikundalia ‘talvez ser CFO da Sonangol seja um bom lugar para ti. Fala com o sr. de Silva sobre isso’. Tens ideia disto?”

- MLS: “Em abril de 2016, o que sei é que o governo [de Angola] pediu à sra. Isabel dos Santos para apresentar nomes para implementar o projeto de reestruturação. E nomes sem ligação com o passado da Sonangol, porque o passado da Sonangol é dramático, como o ex-presidente, sr. Francisco Lemos, escreveu num memorando de maio de 2015 [Lemos foi CFO e em 2012 foi nomeado presidente da Sonangol substituindo Manuel Vicente]. Ele assumiu nesse memorando de maio de 2015…”

- WVA: “E você tem esse relatório?”

- MLS: “Não aqui, mas vou enviá-lo.”

- WVA: “Se você puder enviar-me, ficarei grato. Mas a minha pergunta era se conversou com o sr. Raikundalia sobre um possível emprego na Sonangol com uma nova equipa?”

- MLS: “Eu conversei com muitas pessoas. A sra. Isabel dos Santos disse-me: ‘O governo aprovou o modelo de reestruturação e agora pediu a nossa ajuda para identificar pessoas que eles escolherão’. O que fizemos, o que eu fiz, por exemplo, foi falar com os diferentes consultores que estavam a tratar do estudo. Perguntei ao Boston Consulting Group, perguntei à PwC, ao Ivo Faria. Mas eu não me lembro…”

- WVA: “Você conhecia o Ivo Faria do seu tempo na PwC ou…”

- MLS: “Sim, sim.”

- WVA: “Porque aparentemente o sr. Ivo Faria também estava familiarizado com o Raikundalia.”

- MLS: “Eles eram colegas da PwC. Eu nunca…”

Van Andel iria ainda nesse dia inquirir Sarju Raikundalia, que lhe garantiria que não conhecia Isabel dos Santos ou Leite da Silva antes de surgir a possibilidade do convite para integrar a Sonangol como SFO. O investigador holandês questionou então se Leite da Silva se lembrava da conversa que teria tido com Raikundalia. “Não, não especificamente dessa conversa. Falei com várias pessoas. Por exemplo, falei com o sr. Jorge de Abreu, o nome que me foi dado pelo Boston Consulting Group”, frisou o gestor. Tamanha proatividade intrigou o investigador Van Andel, que perguntou porque é que era sempre ele a falar com pessoas para cargos de topo da Sonangol. “Porque a sra. dos Santos pediu-me para ajudá-la, para lhe dar uma lista de nomes.” E fez questão de dizer que não tinha qualquer relação com as várias pessoas que foram escolhidas para integrar a administração da poderosa empresa pública angolana, especificando que se limitara a atuar sempre de forma profissional.

Estava na hora da pausa, que Van Andel sugeriu que fosse apenas de oito minutos. “Está bom para você?” perguntou o holandês antes de ouvir: “Perfeito”, seguido de um ligeiro lamento de Leite da Silva: “Não sei se estou a ser muito confuso nas minhas respostas.” O gravador foi desligado e voltou a ser ligado às 11h15, quando recomeçou a inquirição.

“E você não sabia de onde veio o dinheiro?”

- Willem Van Andel (WVA): “Ok, então vamos para 2017. Primeiro para o que mais tarde foi chamado de acordo de pagamento, ou seja, o pagamento em kwanzas em vez de euros. A primeira carta que vejo em relação a este acordo de pagamento é de 30 de junho da Exem para a Sonangol, e sei que houve alguma discussão - eu fiz algumas anotações aqui, como você vê. Vou usar essas anotações agora, porque passamos a seguir a cronologia. Há alguma discussão sobre quem propôs o quê e a minha pergunta é: de quem partiu a ideia de fazer um pagamento em kwanzas em vez de euros? (…) Você vê aqui, são 75,2 milhões.”

- Mário Leite da Silva (MLS): “São 63,8 milhões, acho.”

Depois de alguma discussão sobre o real montante do empréstimo e quem deveria pagar ou já teria pagado o quê, as perguntas voltaram a centrar-se na memória que Leite da Silva teria da forma como foi tratado o acordo de pagamento. “Durante a primavera de 2017, eu estava na Sonangol a coordenar o projeto de reestruturação, e fui abordado pelo sr. Raikundalia dizendo que, devido às dificuldades de caixa da Sonangol, era importante receberem antes do prazo. Em vez de receber em dezembro de 2017, a Sonangol estaria interessada em receber antes desse prazo”, recordou o gestor com o investigador a querer saber quando é que essa conversa tinha decorrido. A resposta foi: “(…) fui abordado em - eu não sei bem - abril, maio, início de junho [2017] e disse: ‘Olha, eu não sou a Exem. Preciso falar com a administração e com o UBO, com o sr. Sindika Dokolo.’”

Mário Leite da Silva garantiu que falou mesmo com o marido de Isabel dos Santos e que até tinha vários emails oficiais entre a Sonangol e a Exem a comprovar os contactos, sendo que nenhuma das missivas fazia referência a qualquer perdão de juros a pagar à Sonangol. Nesses documentos, e ainda segundo a mesma fonte, a Exem reconhecia uma dívida de 72,1 milhões de euros e dizia que estava pronta para pagar antecipadamente, mas em kwanzas. Van Andel alertou então que pagar de forma antecipada dificilmente se coadunava com pagar a dívida em três prestações, uma a cada dois meses, como referia um dos documentos. “Eu vejo três coisas. Por um lado, uma obrigação de pagar €72 milhões antes do final do ano. Depois vejo um acordo que diz: ‘Ok, você não precisa pagar em euros, pode pagar em kwanzas’. Depois vejo, ‘Pagaremos um terço a cada dois meses’, o que ultrapassa o dia 31 de dezembro. Finalmente, como você sabe agora, nenhum juro foi pago, e a sra. dos Santos, em uma carta de 9 de novembro, isentou a Exem de todas as obrigações. Então, quando se vê bem essas três coisas, é difícil entender que tudo aconteceu no interesse da Sonangol.”

- Mário Leite da Silva (MLS): “(…) Eu não estava ciente do pagamento em si. Isso chegou ao meu conhecimento mais tarde. Eu não fui informado de que a Exem pagou 11,9 mil milhões de kuanzas a 13 de outubro de 2017.”

- Willem Van Andel (VA): “E você não sabia de onde veio o dinheiro?”

- MLS: “Eu não estava ciente, não estive envolvido.”

- WVA: “Você sabia que não foi a Exem que pagou?”

- MLS: “Eu sabia que a Exem Energy BV não poderia pagar porque o acordo previa o pagamento em kwanzas e a Exem Energy não tinha kwanzas. Foi uma entidade relacionada com sr. Dokolo que tinha kwanzas.”

- WVA: “Então, havia muitos kwanzas na Vidatel. Talvez você saiba que havia uma ordem de congelamento mundial [Supremo Tribunal das Caraíbas Orientais decretou essa ordem a 9 de outubro de 2015 mediante o diferendo com a Oi. Horas antes da decisão a empresária conseguiu transferir para contas pessoais cerca de €238 milhões que a Vidatel tinha numa conta do BPI, em Portugal]? Você sabia disso?

- MLS: “Chegou ao meu conhecimento mais tarde.”

- WVA: “Mas aparentemente a Vidatel não uma empresa do sr. Dokolo, mas da sra. dos Santos.”

- MLS: “Sim, uma empresa que pertencia à sra. Isabel dos Santos.”

- WVA: “Eram cerca de 65 mil milhões de kwanzas aos quais ela tinha acesso, mas quando há uma ordem de congelamento mundial, pode haver um problema. Então, aparentemente, cerca de um sexto desse valor, 11,8 mil milhões, foi transferido para a Exem Energia. Ela precisava de se livrar dos kwanzas porque havia muitos euros na Esperaza, e eu estou apenas a perguntar se isto foi do tipo, ‘Ok, você paga em kwanzas, temos acesso aos euros na Esperaza ao pagar dividendos à Exem, então a Exem não precisa pagar o empréstimo em euros, mas em kwanzas’. Esta ideia foi discutida?”

- MLS: “A única coisa que eu sei são as cartas trocadas. Fui abordado pelo sr. Sarju Raikundalia dizendo: ’Eu preciso de dinheiro, e eu preciso de dinheiro urgentemente.’”

- WVA: “Se era verdade que tinham uma necessidade urgente de dinheiro, porque é que aceitariam isso?”

- MLS: “Onde é que vê que a Sonangol aceitou isso? Porque o que vejo é uma carta de setembro da Exem a dizer: ‘Ok, vamos pagar em três parcelas’.”

- WVA: “Sim.”

- MLS: “Mas imediatamente depois, não imediatamente… três semanas depois.”

- WVA: “Sim.”

- MLS: “A Exem pagou os 11,9 mil milhões de kwanzas.”

- WVA: “Como você sabe, no início de janeiro [2018, já meses depois da demissão de Isabel dos Santos] a Sonangol devolveu o valor. Se estavam a precisar urgentemente de kwanzas porque é que os devolveram?”

- MLS: “Eu não sei. Para ser honesto, eu não sei (…)”

- WVA: “Eu posso sempre perguntar: ‘qual a razão para pagar em kwanzas em outubro quando um mês depois foram pagos €131 milhões de euros.”

- MLS: “O sr. Raikundalia deveria explicar isso e a urgência, porque ele precisava fazer pagamentos semanais aos fornecedores dos produtos refinados. Na verdade, o presidente da Sonangol seguinte à sra. Isabel dos Santos, o sr. Carlos Saturnino, acabou demitido porque não cumpriu com os fornecedores e Angola ficou completamente sem combustível. Porque é preciso entender que a capacidade de refinar produtos em Angola é muito menor do que as necessidades reais do país. O país depende de importações semanais. Outro problema que Angola enfrentou naquela época foi a falta de logística em termos de armazéns para guardar produtos refinados em quantidade suficiente. Assim, era preciso importar todas as semanas um volume muito relevante de produtos refinados. O sr. Raikundalia tinha a obrigação de pagar esses produtos refinados, caso contrário, o país ficaria paralisado.”

“Ninguém questionou ‘Ei, o que é que está a acontecer aqui?’"

Van Andel confirmou que iria questionar Raikundalia sobre ao assunto, mas continuou a dizer que mantinha todas as dúvidas, nomeadamente se a Esperaza teria realmente concordado com o pagamento da dívida em kwanzas e se todo aquele intrincado esquema de pagamentos e de ligações entre as empresas, Sonangol, Exem, Esperaza, não teria levantado objeções a Leite da Silva. “Você sabe que esta Exem tem um UBO que é o marido da pessoa que escreve a carta de 9 de novembro? Então deve haver algo como o que chamaríamos um conflito de interesses (…), toda esta situação é sempre a sra. dos Santos, seja com o marido ou com ela mesma. Se se olhar para as empresas, ela não está a lidar consigo mesma? Então não houve ninguém que questionasse ‘Ei, o que é que está a acontecer aqui?’"

- Mário Leite da Silva (MLS): “As pessoas da Sonangol aprovaram os dividendos no conselho e também o CFO da Sonangol...”

- Willem Van Andel (WVA): “Sim, e então?”

- MLS: “E então?”

- WVA: “Está a dizer que o CFO não pode ser influenciado pela sra. dos Santos?”

- MLS: “Tem de perguntar-lhe.”

Van Andel disse que o iria fazer, reiterou que administração da Esperaza tinha de concordar com os termos dos pagamentos cruzados, Leite da Silva respondeu-lhe que havia diretores executivos da Sonangol na Esperaza e o investigador contrapôs que aqueles elementos foram substituídos antes de serem acertados os termos do polémico negócio. O gestor português frisou que tinha encarado a mudança como perfeitamente normal, até porque as nomeações da Sonangol para a Esperaza eram habituais e nunca ninguém lhe perguntara qual era a opinião sobre este ou aquele sempre que tinham ocorrido mudanças. O investigador pareceu ficar chateado e questionou: “Você está a dizer que é tudo normal? Demitir dois diretores, nomear outros dois para os seus lugares, declarar um dividendo de €131,5 milhões e dizer que a empresa será dissolvida e você será o liquidatário…”

Leite da Silva pediu para recentrar a conversa, se podiam ir passo a passo, mas o investigador estava embalado e passou a mais uma questão: como era possível que o gestor (e Isabel dos Santos) não tivesse a perceção de que existiriam mudanças na administração da Sonangol após João Lourenço substituir Eduardo dos Santos no final de setembro de 2017. Leite da Silva reiterou que a eventual demissão de Isabel dos Santos seria uma “surpresa completa”, mas o investigador sacou de uma notícia do Financial Times, de 8 de novembro de 2017, e passou a ler várias passagens que diziam que o poder estava realmente a mudar em Angola… até na petrolífera. O gestor insistiu que não suspeitara de nada e que manteve sempre o mesmo comportamento como membro do conselho de administração da Esperaza – “Eu tentei desde o início colocar os interesses da Esperaza à frente de qualquer outra coisa.” Van Andel insistiu: “Mas alguém lhe disse, antes ou depois de 14 de novembro, porque é que o sr. Carvalho e o sr. Veloso foram demitidos?” Leite da Silva respondeu: “Não. Até hoje, não sei. Talvez o sr. Raikundalia saiba, acho que havia uma avaliação feita pela Sonangol.”

O diálogo entrou nos formalismos jurídicos do afastamento dos dois administradores e das demais decisões tomadas pela Sonangol, Esperaza e Exem. Passou ligeiramente pela intervenção dos advogados Jorge Brito Pereira e de colegas holandeses, uma vez que a Esperaza era uma sociedade de direito dos Países Baixos. Mas o investigador voltou a duvidar da naturalidade das demissões de administradores da Esperaza que se opunham ao polémico negócio. “Durante vários anos você teve duas pessoas consigo na administração da Esperaza e, de repente, eles são demitidos. Você não perguntou a ninguém: ‘Porque é que isto aconteceu?" Leite da Silva respondeu: “Não.” “Você não estava interessado?”, insistiu o investigador e Leite da Silva voltou a dizer “não”, justificando de novo que as mudanças eram normais, mesmo que ocorressem de forma súbita e sem nenhum tipo de informação via email partilhada semanas antes, ou dias antes, com os elementos da administração. Van Andel continuou a não acreditar nas respostas de Leite da Silva e perguntou-lhe quem é que o acabara por informar sobre as novas nomeações para a Esperaza. “O sr. Sarju, a sra. dos Santos e o sr. Dokolo”, respondeu o gestor.

- Willem Van Andel (WVA): “E quando o informaram? Em que dia foi?”

- Mário Leite da Silva (MLS): “Acho que foi no mesmo dia [14 de novembro de 2017].”

- WVA: “E você insiste que não sabia o que ia acontecer?”

- MLS: “Não sabia.”

CNN Portugal

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