Sexta, 03 de Mai de 2024
Follow Us

Quarta, 01 Junho 2016 01:50

25 anos de Bicesse "valeu a pena" - Durão Barroso

A assinatura do acordo de paz para Angola, concretizada há precisamente 25 anos em Bicesse, "valeu a pena", apesar do regresso à guerra, ano e meio depois, disse hoje o então principal mediador do conflito, Durão Barroso.

Em declarações à agência Lusa, à margem de uma cerimónia comemorativa dos "25 Anos do Acordo de Paz de Bicesse", organizada pelo Fórum Angola/Portugal, o então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação português sustentou que o documento constituiu "a porta de esperança que se abriu".

"Não só Bicesse foi a porta de esperança que se abriu - não se pode esquecer que, até Bicesse, não havia um reconhecimento recíproco entre o MPLA e a UNITA -, mas foi também o formato que viria a ser consolidado depois, na Angola nova que se construiu nessa transição", sublinhou o ex-presidente da Comissão Europeia (CE).

Para Durão Barroso, que também foi chefe da diplomacia e primeiro-ministro português, foi em Bicesse que se formaram as Forças Armadas Angolanas (FAA) e a Polícia Nacional Angolana (PNA), e também que se aceitou, pela primeira vez, estender a administração do Estado a todo o território do país.

"Tudo isso numa altura em que havia ainda quem defendesse que Angola devia ser dividida, como aconteceu recentemente com o Sudão", lembrou, recordando ainda o reconhecimento da integridade territorial de Angola e a realização das primeiras eleições pluralistas (setembro de 1992), que foram "a herança de Bicesse".

"Infelizmente, como não houve o respeito do resultado dessas eleições, que foram reconhecidas como livres e justas pelas Nações Unidas, voltou-se à guerra (dezembro de 1992). Mas quando se voltou à paz (10 anos depois), o formato, aquilo que tinham sido os princípios acordados em Bicesse, foi o que ficou. É, de facto, o momento praticamente de fundação de uma Angola em paz e pluralista", sustentou.

Durão Barroso, por outro lado, reivindicou para Portugal o papel de mediador do conflito entre o MPLA e a UNITA, realçando que Estados Unidos e a então União Soviética (já em plena transição do desmembramento) apenas entraram no processo negocial "como uma espécie de padrinhos das negociações".

"A verdade é que foi Portugal, através do Governo português, que fez um grande esforço para levar as partes a reunirem-se e a reconhecerem-se mesmo mutuamente. Na altura, o MPLA qualificava a UNITA apenas como um grupo terrorista e a UNITA considerava completamente ilegítimo o Governo do MPLA", lembrou.

"Tivemos de fazer um grande trabalho para que (MPLA e UNITA) aceitassem encontrar-se e foi em (21 de março) 1990, no dia da independência da Namíbia, que o presidente (angolano) José Eduardo dos Santos me disse que eu podia então tentar fazer a primeira reunião oficial entre Governo do MPLA e UNITA", referiu.

Segundo Durão Barroso, a participação norte-americana e soviética só surgiu muito mais tarde no processo negocial.

"Mais tarde, depois de fazermos várias reuniões, chamamos então os Estados Unidos e a União Soviética porque eram uma espécie de "padrinhos" da negociação. Os Estados Unidos apoiavam, no essencial, a UNITA, e a União Soviética o MPLA. Por isso, entendemos em Portugal que era importante haver uma espécie de garantias dessas grandes potências em relação aos esforços que fazíamos", considerou.

"Na realidade, no dia-a-dia da mediação, o papel era desempenhado por Portugal, não havia qualquer intervenção nas reuniões do lado americano ou soviético.

Apoiavam no essencial os esforços portugueses e tiveram um papel positivo e construtivo, mas não como mediadores", frisou.

Saltando para os dias de hoje, Durão Barros desdramatizou as "zangas" que têm ciclicamente existido entre Portugal e Angola, argumentando com o facto de os dois países terem ligações "muito profundas e densas".

"Há uma relação muito intensa, há uma grande porosidade entre a sociedade angolana e portuguesa, há famílias portuguesas em Angola, famílias angolanas em Portugal, temos esta língua comum. É como uma família e as famílias, às vezes, também se zangam e normalmente as zangas dão-se com as pessoas que estão próximas e não com as que nos são indiferentes", sustentou.

Admitindo que, aqui e ali, têm existido "atritos" nas relações bilaterais, Durão Barroso defendeu que também trem havido "sabedoria e inteligência" para os ultrapassar, reduzi-los à sua dimensão e investir na perspetiva estratégica, no longo prazo e no que é de mais importante entre Angola e Portugal.

"Também há conflitos em Portugal entre portugueses e conflitos em Angola entre angolanos. Acho que não devemos exagerar e que quando há um problema devemos procurar "calmar o jogo", como se costuma dizer, e passar à frente, não permitir que um assunto difícil contamine o resto das relações", concluiu.

© Lusa

 

Rate this item
(0 votes)