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Sexta, 15 Janeiro 2016 13:48

Eduardo dos Santos procura legitimação, enquanto na rua sobe a contestação

José Eduardo dos Santos foi um improvável sucessor de Agostinho Neto à frente do MPLA. Ao fim de 36 anos na cadeira do poder, depara-se com dura uma crise económica e contestação sem precedentes. Para legitimação, pode sempre contar com o trabalho de alguns “historiadores”.

Por Leston Bandeira

“O Testamento que Validou José Eduardo dos Santos na Presidência da República de Angola em 1979” é o pouco sugestivo título de um artigo que Patricio Batsikama publicou na revista Sankota. Abre-se a possbilidade da existência de um testamento legitimador e uma primeira escolha de Santos como sucessor de Neto. Escolha feita, em testamento, pelo próprio Neto.

Na conclusão do texto, baseado numa série de entrevistas a jovens, na sua maioria muito desinteressados do tema, o autor compara dois acontecimentos importantes da História do MPLA, para “sistematizar estes dados – por demasiado hipotéticos que apareçam – para ver como as fontes se comportam entre si”. Os acontecimentos são aquilo a que Batsikama apelida das Assembleias Gerais do MPLA de 1972 e 1979.

Na primeira, em altura de crise profunda, que nunca é referida – Revolta Activa, contestação da liderança de Agostinho Neto – é salientado o facto de a reunião ter sido presidida por Eduardo dos Santos. Isto sem que se comprove que este nome pertence ao actual presidente, já que havia um outro Eduardo dos Santos, médico, mais velho e mais prestigiado - não só nas fileiras do movimento, mas também internacionalmente.

Nesta assembleia, Agostinho Neto foi o vice-presidente – seguramente porque a sua liderança estava seriamente abalada - e nela foram discutidas questões como o racismo, tribalismo, divisão, paralisação da Primeira Região, que se alastrava à Segunda e, seguramente, o afastamento de grande parte dos intelectuais do movimento, na maioria apoiantes de Mário Pinto de Andrade na formação da Revolta Activa.

O autor do texto não fala deste fenómeno, que representava a grande crise daquele ano. Mas, em contrapartida, fala de uma outra reunião “de elite”, dez anos antes (Novembro de1962) e em que estiveram presentes Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Gentil Viana, Matias Migueis (mais tarde morto pelo MPLA), Vieira Lopes, Videira, Carlos Pestana, Graças Tavares, Manuel dos Santos Lima, Eduardo dos Santos (o médico), Aníbal de Melo e Américo Boavida (outro médico).

Batsikama não aborda a temática deste encontro – em que também deverá ter estado Lúcio Lara – mas é aqui que principia a disputa ideológica, tendo Neto como principal adversário Viriato da Cruz, que acabará por ir para a China, onde falecerá.

De qualquer forma, a notícia desta reunião de “elites” não tem qualquer referência ao actual chefe de estado angolano, bem como a nomeação, para o Comité Director, presidido por Agostinho Neto, de Iko Carreira, Monimambo, Lúcio Lara e Sango, em janeiro de 1971.

Para o “historiador”, o importante é comparar as reuniões de 1972 e de 1979, já que na primeira aparece José Eduardo dos Santos (qual?) a presidir e porque em 1979 estão presentes Lúcio Lara, Nvunda, os militares Pedalé, Iko Carreira e Pedro Sebastião, que já haviam feito parte do grupo de 1972.

“A Asssembleia de Dolisie (Congo Brazzville) em 1972, o contexto histórico em 1979 e os traços de poder que José Eduardo dos Santos trazia em Setembro de 1979 elucidam a sua preferência na substituição do dr. Agostinho Neto no MPLA-PT, e consequentemente como Presidente da República Popular de Angola. Pensamos ser este cenário que, nas dinâmicas da memória/história metamorfosear-se-iam num suposto testamento legitimador que terá deixado o primeiro presidente de Angola”. A verdade é que em 1979, o MPLA ainda não era PT.

Assim, sem mais nem menos. Todavia, o autor ainda revela que “do ponto de vista do historiador é difícil localizar este testamento enquanto papel/documento que terá deixado o primeiro presidente de Angola para o seu sucessor. Além do MPLA-PT ter as suas regras de sucessão nitidamente diferentes, acho pouco provável que tal documento tenha existido e, caso na verdade tenha existido, deve ainda estar guardado num cofre a mil chaves”.

Mas insiste: “mas pode admitir-se um certo testamento virtual: a aproximação dos dois líderes debitaria de forma clara em 1972. Em 1974 a URSS apoiou o MPLA através de Brazzaville e é José Eduardo dos Santos que trabalha lá, será eleito coordenador das Relações Exteriores com o apoio de Agostinho Neto. Entre 1975-76 é ministro das Relações Exteriores. No I Congresso do MPLA de 1979, ele é reeleito secretário do Bureau Político para a Educação, Cultura e Desporto”.

Este texto anuncia então o aparecimento de documentação “entretanto descoberta” que legitime Santos, de modo historicamente plausível. A questão do “testamento legitimador” é, principalmente, um expediente para ultrapassar a imagem de ditador e corrupto que, entretanto, se colou à pele de Santos.

Curiosamente, esta preocupação de legitimação surge enquanto Margarida Paredes, uma socióloga com passagem pelas fileiras do MPLA como guerrilheira, relata num livro a luta das mulheres por mais igualdade e justiça, mesmo no seio dos movimentos de libertação. Diz numa entrevista ao Público:

“Se José Eduardo dos Santos tivesse abandonado o poder depois da guerra civil (em 2002), seria recordado como o arquitecto da paz pooque integrou os homens (as mulheres ficaram fora dos acordos de paz) das FALA/UNITA nas Forças Armadas Angolanas e condenou qualquer reacção contra os perdedores da guerra”.

“Mas o facto de persistir no poder ao fim de 36 anos, reprimindo violentamente toda a oposição e manifestações que questionam o seu poder e ter-se tornado um dos homens mais ricos do mundo à custa do erário colocam-no no mesmo lugar dos tão detestados ditadores africanos”. Fala do actual presidente antes de o ser.

Nesta entrevista de Margarida Paredes, que veio a Lisboa apresentar o livro que serviu de base para a defesa da sua tese de doutoramento numa Univerdidade de Salvador, no Brasil, com o título “Combater Duas Vezes – Mulheres Na Luta Armada em Angola”, dá-nos uma notícia provando com testemunhos que a revolta militar de 27 de Maio foi comandada pelo chamado Destacamento Feminino, comandado por Elvira da Conceição (Elvirinha), fuzilada na sequência da repressão que Agostinho Neto ordenou “sem piedade”.

O livro, que demorou três anos a escrever, envolveu a recolha de depoimentos em Angola, sobretudo entre as mulheres combatentes. A autora diz que Santos era descendente de uma família cujos pais viviam no mais pobre casebre do musseque do Prenda, mas onde ele não ia. A sua primeira mulher, Tatiana Kukamona, mãe de Isabel dos Santos, é que lhes ia levar comida, roupa e dinheiro, com Margarida Paredes, que nessa altura tinha um automóvel.

A primeira viatura de Tatiana foi comprada a troco de garrafas de vinho que chegavam para Margarida todas as semanas via TAP, juntamente com outros géneros alimentícios e que ela distribuia pelos amigos.

Nesse tempo, José Eduardo dos Santos, ministros das Relações Exteriores, estava transformado em “playboy” do governo, segundo desabafo escutado em 1976 junto de um ministro amigo, que foi abatido a 27 de maio de 1977.

Este comportamento do “Zédu” não agradava à generalidade dos dirigentes do MPLA e, muito especialmente, a Agostinho Neto, pelo que não foram criadas condições para que ele, à semelhança do que aconteceu com a maioria dos regressados da guerrilha, pudesse ajudar a família. E este também foi dos motivos mais fortes para o seu divórcio de Tatiana.

Em 1979, depois da morte de Agostinho Neto, em setembro, o MPLA passou por grandes perturbações internas e muita gente foi aventada como sucessora de falecido. Uma das figuras foi, por exemplo, Monibambo, de que muito pouco se havia falado.

Finalmente, numa reunião do Bureau Político, Afonso Van Dunem (Mbinda) sugere Lúcio Lara, que responde: “Nem pensar” e indica Kito Rodrigues, o homem que mais tarde dirigiu as negociações com os sul-africanos e americanos, que exclama: “Eu! Não! O Zé Eduardo”.

E já lá vão 36 anos desta terceira escolha, durante os quais se transformou num dos homens mais ricos do mundo. Condição que, agora, partilha com a família.

AM

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