O 'rapper' angolano Luaty Beirão, um dos 17 arguidos que estão a ser julgados em Luanda acusados de prepararem uma rebelião, reafirmou hoje que Angola é uma "pseudodemocracia" e voltou a apelar à saída do Presidente.
O ativista foi o sétimo dos réus a ser ouvido em julgamento, em 12 sessões já realizadas na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, em Benfica, com várias perguntas colocadas pelo juiz presidente Januário José Domingos, prosseguindo a sua audição durante o dia de quarta-feira.
Perante o tribunal, Luaty Beirão negou hoje que as reuniões que o grupo de ativistas realizava desde maio até à altura da detenção, em junho, se destinassem a promover ações violentas para a destituição do Presidente, sendo antes uma discussão "meramente académica" em torno de um livro e recusando ter qualquer agenda política pessoal neste caso.
Ainda assim, e criticando a "pseudodemocracia" que afirmou ser Angola, Luaty Beirão voltou a defender, a título pessoal e tal como o faz publicamente em vários protestos desde 2011, a demissão do Presidente José Eduardo dos Santos, que confirmou ser o "ditador" várias vezes referido nos livros e escutas apresentadas pela acusação.
"Já deu o suficiente à nação", apontou o músico e ativista angolano, sugerindo a sua aposentação, tendo em conta os 36 anos que leva nas funções de Presidente de Angola.
“Considerou o Presidente da República um ditador por achar que está há muito tempo no poder, por nominalmente nunca ter sido eleito e por incumprimento sistemático da Constituição”, contou ao Luís Nascimento. “Disse que para além de concentrar poderes excessivos na sua pessoa, o Presidente é o primeiro a violar a Constituição que jurou respeitar e a interferir nos poderes judiciais e legislativos”
Ao longo de cerca de três horas, os três juízes fizeram esta terça-feira dezenas de perguntas ao activista. O juiz Januário Domingos quis saber, se os 15 detidos desde Junho e duas arguidas que estão em liberdade pretendiam mobilizar crianças e idosos para entrarem no palácio presidencial, aproveitar a quebra do preço do petróleo para derrubar o Governo e substituir a Constituição.
Luaty respondeu negativamente a todas as questões. “Nunca em momento algum eu seria capaz de convocar mulheres com crianças seja para o que for, quanto mais onde existem manifestações com tanques de guerra” afirmou ativista.
O músico e activista, que é também acusado de “forjar “autorizações de saída para o estrangeiro”, deve ser esta quarta-feira interrogado pelo Ministério Público. Mas já adiantou que não responderá a perguntas da procuradora. Só deve voltar a falar em resposta aos advogados de defesa.
A defesa tem contestado a validade de vídeos, cartas e outros elementos apresentados como prova por entender que além de não confirmarem a intenção de rebelião foram obtidos irregularmente e que isso pode implicar a anulação do processo. Considera também que até agora a acusação nada de novo trouxe ao processo. “Parece querer obter a confissão pelas perguntas que faz. É uma acusação à procura de provas”, afirma Luís Nascimento.
Em relação à proveniência do dinheiro (100 milhões de dólares) de que se fala para ajudar o grupo e que seriam depositados na Namibia ou no Ghana, apesar de ser um dos arguidos que mais responde as questões, disse desconhecer tal facto e nem sabe em que conta se encontra.
Já em relação às acusações sobre falsificação de autorizações de saída das Forças Armadas Angolanas (FAA), de que também é acusado, em seu nome e de João Kiari da Silva Beirão, disse desconhecer tais factos.
Reforçou ainda que os encontros, iniciados em Maio e que por altura da detenção aconteciam pela sexta vez, estavam programados para um período de 12 semanas, sempre aos sábados no período da tarde.
Luaty Beirão, ao longo desta sessão de julgamento, confessou que esteve em Maio em Viana, a desenvolver contactos com a juventude da Unita para que pudessem encontrar um espaço para reuniões, o que demonstra uma aproximação.
Este processo envolve 17 pessoas, incluindo duas jovens em liberdade provisória, todas acusadas, entre outros crimes menores, da coautoria material de um crime de atos preparatórios para uma rebelião e para um atentado contra o Presidente de Angola, no âmbito - segundo a acusação - de um curso de formação para ativistas, que decorria em Luanda desde maio.
O julgamento decorre sem a presença de jornalistas na sala de audiências, acesso que só foi permitido no primeiro dia, a 16 de novembro, e novamente na conclusão, nas alegações finais e leitura da decisão pelo tribunal.
Em alternativa, foi montada nos últimos dias um outro espaço dentro do edifício do tribunal, no qual os jornalistas podem assistir ao que se passa na sala de audiências através de uma televisão, mas sem se fazerem acompanhar de qualquer equipamento eletrónico.
Em declarações à Lusa no arranque do julgamento, Luaty Beirão - um dos 15 em prisão preventiva desde junho - afirmou que a decisão sobre este caso está nas mãos do Presidente José Eduardo dos Santos.
Em protesto contra o que afirmava ser o excesso de prisão preventiva, chegou a promover entre setembro e outubro uma greve de fome de 36 dias, que obrigou à sua transferência para uma clínica privada de Luanda.
Sobre Luaty Beirão, a acusação do Ministério Público diz que o ativista "confirmou nas suas respostas" que os encontros que este grupo organizava, aos sábados, em Luanda, visavam "a preparação de realização de ações para a destituição do Presidente da República e do seu Governo, ao que se seguiria a criação de um Governo de transição", recorrendo para tal a manifestações e com barricadas nas ruas.
Segundo a acusação, os ativistas reuniam-se aos sábados, em Luanda, para discutir as estratégias e ensinamentos da obra "Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura, filosofia da libertação para Angola", do professor universitário Domingos da Cruz - um dos arguidos detidos -, adaptado do livro From Dictatorship to Democracy, do norte-americano Gene Sharp.
Lusa | NP