Por Pedrowski Teca
O caso foi propositadamente transferido para o longínquo tribunal do Benfica, à sul de Luanda, para importunarem as pessoas, que têm de acordar cedo, preparar refeições para o dia todo e enfrentarem o engarrafamento até o local.
Chegamos ao tribunal quando eram 7 horas e o local altamente cercado por agentes ordem pública da Polícia Nacional, trânsitos, serviços prisionais e agentes dos serviços secretos, interditaram ruas e faixa da estrada principal (vulgo auto-estrada/via expressa).
Tendo interditado os espaços de estacionamento, conseguimos romper barreiras e nos fixar.
A activista Rosa Conde dirigiu-se ao portão principal do Tribunal, sendo uma das argüidas, quando ouviu gritos dos 15 réus detidos. Eles acabavam de ser tirados do mini-autocarro dos serviços prisionais (sempre escoltado por um forte aparato policial), e foram postos numa cela enorme do tribunal.
Ao indagar os oficiais, a argüida foi retirada do local, enquanto os agentes alegavam que estavam apenas a "endireitar" os 15 detidos.
Rosa Conde foi escoltada até a rua principal, e mais tarde os detidos confirmaram que dois dos mesmos foram realmente espancados.
Sucedeu que no dia anterior, os detidos solicitaram a disponibilização de colchões, pois ao longo do dia, foram obrigados a permanecerem de pé na mesma cela de detenção, ou sentarem-se ao chão, visto que é uma quarto vazio. As autoridades prometeram meterem colchões ou bancos na cela, o que infelizmente não fizeram. Hoje, quando foram postos na mesma cela, os 15 activistas reclamaram que não iriam sentar novamente no chão, o que obrigou agentes dos serviços prisionais e outros a força-los a se sentarem.
Os que mais sofreram foram o Manuel Nito Alves, que foi espancado, e Afonso Matias (Mbanza Hamza), que foi electrocutado com bastões de choque eléctrico.
Embora ainda não deixavam as pessoas entrarem no tribunal, ocorreram vários confrontos com pessoas que iam assistir ao julgamento e outras que simplesmente passavam.
Apenas permitiam a concentração de pessoas que exibiam os cartões "passes" providenciados no dia anterior.
Dois activistas foram detidos: Graciano Brinco (apresentado como familiar do detido Arante Kivuvu) e Kim de Andrade. Até agora não sabemos se foram postos em liberdade.
Para além do forte aparato policial, a corporação trouxe mais uma vez os cavalos, que foram mantidos no vasto quintal de frente ao tribunal.
Para impedirem a comunicação, as autoridades trouxeram uma viatura que transporta por cima, um equipamento que emite ondas que bloqueiam o sinal dos serviços de telecomunicação, incluindo a internet no local. Um outro carro de marca IVECO, usado pela Policial de Intervenção Rápida (PIR) carregava uma câmera de filmagem e ficava posicionado frente ao tribunal (noutro lado da estrada), fazendo a cobertura das ocorrências todas por foram da mesma instituição.
Notei também a chegada da delegação de instituições estrangeiros como a União Européia, cuja viatura foi impedida de estacionar no tribunal. Mais tarde apercebi-me que tal como ontem, voltaram a ser negados a assistir ao julgamento.
O julgamento
Postos no tribunal, parecia que a cada minuto os oficiais do mesmo órgão judiciário, da polícia e civis inventavam regras novas para dificultarem a estadia das pessoas.
"Quando os réus entrarem, por favor não batam palmas", "não podem cruzar os pés e ou os braços dentro do tribunal", "não devem se apoiar ao banco em frente", são proibidos os telemóveis, chaves, cadernos, lapiseiras, ninguém deve fazer anotações, etc e etc.
Os detidos entraram na sala e alguns de nós, ficamos em pé para os receber. O juiz entrou e dispensou todos eles, excepto o Manuel Nito Alves que tinham de prosseguir com o interrogatório que havia durado mais de 3 horas na tarde do dia anterior.
A sessão começou quando se passavam das 10 horas, com a continuidade do interrogatório do Nito Alves pelo juiz assistente, pelo Ministério Público e pelo advogado de defesa David Mendes. Nito foi interrogado até às 15h40.
Parcialidade do juiz
Durante o interrogatório do réu Manuel Nito Alves, o juiz permitia que a procuradora do Ministério Público a interrompesse se pedir a palavra, facto que foi contestado pelos advogados de defesa, pois os juiz parcialmente implicava-se sempre que a defesa o interrompesse e não a procuradora.
Recalca-se que a digníssima procuradora apresenta uma aparência que deixou muitos perplexos pois está a usar um penteado de cabelo (acredito ser uma piruca), que tapa quase o rosto todo e a parte superior dos óculos que está a usar. Algumas pessoas designaram a aparência da mesma procuradora como a de alguém que está a esconder o rosto e não quer ver a sua identidade exposta ou envolvida neste caso.
Enquanto que as pessoas, incluindo idosas, são impedidas de levarem garrafas de água para dentro da sala do tribunal, a digníssima procuradora do Ministério Público, para além da garrafa de água, esteve a ingerir alimentos (a comer) algo que ela carregava embrulhado num guardanapo.
Dentre as várias perguntas tendenciosas, destacou-se a questão: "o senhor não tem medo de morrer?"... Pelo que o advogado David Mendes considerou em acta, uma ameaça contra o seu cliente Manuel Nito Alves.
Destacou-se das perguntas do juiz, o caso da viagem de Manuel Nito Alves ao Brasil, onde participou numa conferência de Direitos Humanos. Para além de questões relacionadas com a desmistificação de quem patrocinou a viagem do activista, o juiz questionou se o Nito havia concedido entrevistas nas redes sociais contra o presidente da República e outros órgãos de soberania. Saímos à um intervalo de 5 minutos, quando o juiz foi buscar as entrevistas.
De regresso, o juiz apresentou um vídeo que está no site Youtube, que mostra o activista a conceder uma entrevista no Brasil, onde criticou os governantes Angolanos.
O advogado David Mendes interpôs recurso, com base na lei, defendendo que um juiz não deve ser parcial, aliando-se ao acusador, chegando ao ponto de fazer recolha de provas para incriminar um acusado.
Por outra, o advogado exigiu a retirada de tal prova, pois não foi apresentada pelo ministério público e não consta nos autos de acusação.
Contestado, o juiz pediu mais alguns minutos e retirou-se com os magistrados do ministério público e seus auxiliares.
No regresso, insistiu na manutenção do vídeo acusador contra o Nito, mas a argumentação legal do advogado o fez recuar humildemente, chegando até a reclamar que existe um problema pessoal entre ele e o advogado mas que felizmente não impôs o término da amizade entre os dois.
O interrogatório ao Nito Alves fez quase o total de ou mais de 8 horas, desde o seu início ontem.
A exaustiva e embaraçosa questão do juiz sobre a viagem do activista Nito ao Brasil, caracterizou o fim do seu interrogatório.
De seguida, o juiz chamou o activista Itler Samussuku, começando a interroga-lo até quando se passavam das 17 horas.
O interrogatório ao Samassuku continuará amanhã.
À este rítimo, o julgamento não terminará na sexta-feira, 20 de Novembro.