Numa altura em que os Direitos Humanos em Angola são postos em causa no país e no mundo, o JPN fala com Luiz Araújo, “um dos primeiros a qualificar Angola como um regime ditatorial”. No fim da conversa sobre Angola e sobre o caso dos 17 ativistas condenados, ficam duas ideias-chave: “não há movimento sem estrutura” e “o foco da defesa dos revús [denominação angolana para jovens ativistas] devia ter sido outro”.
Luiz tem 62 anos. Há quase quatro que dá música às ruas do Porto. Veio de Angola para Portugal em 2011, quando estar lá deixou de ser “saudável”. Na altura, era coordenador de uma organização de defesa dos Direitos Humanos que trabalhava com questões do direito à terra e à habitação. “Havia desalojamentos em massa, forçados, feitos por projetos do governo, por pessoas próximas ao governo e a atividade da SOS Habitar era acompanhar isso”, conta o luso-angolano.
O acompanhamento da realidade angolana levou-o à prisão, ao exílio, tornou-o alvo de perseguição e culminou numa tentativa de homicídio. De acordo com Luiz, antes de vir para Portugal, um dos guardas da sua casa e escritório denunciou que “havia alguém que o estava a tentar convencer a facilitar um atentado” contra Luiz.
O JPN teve acesso aos vídeos que registaram as chamadas do guarda, Chipopolo, com um indivíduo identificado como Camati, que lhe dava instruções acerca dos planos contra Luiz. A ideia seria os indivíduos entrarem como bandidos na casa de Luiz para fazerem um assalto e, quando este reagisse, dar-lhe um tiro. “Liquidavam-me”, diz ao JPN. O então coordenador da SOS Habitar iniciou uma queixa-crime, mas as autoridades nunca chegaram a avançar.
Passados alguns anos, já na segurança da casa do Porto, Luiz tem a certeza de que o que motivou esses planos foi a atividade que exercia, e de que quem os manobrava era alguém do poder. “Quem mais poderia ser? Não tinha problemas pessoais com ninguém”, constata, acrescentando que o clima de perseguição se intensificou quando regressou da Europa, onde esteve entre 2007 e 2010, a denunciar as violações de Direitos Humanos em Angola.
Quando Luiz regressou a Luanda passou a ter, à porta de casa, “um jipe Rav4, com quatro indivíduos parados o dia inteiro”. Se saísse de casa acompanhavam-no pela cidade, o que explica que, “durante pelo menos 8 meses”, tenha saído apenas “quatro ou cinco vezes”. Da última vez que saiu foi para não mais voltar.
A cumplicidade europeia na violação dos Direitos Humanos em Angola
Luiz contou que, nos três anos em que esteve ausente do seu país, marcou presença em vários fóruns, em Londres e Bruxelas, onde, além de denunciar “os abusos de poder” cometidos em Angola, denunciava “as cumplicidades dos governos europeus”.
“Os governos tinham obrigações por causa dos acordos entre a União Europeia e os países da ACP [África, Caraíbas e Pacífico], mas calavam a boca sobre Angola por causa dos interesses económicos”, critica Luiz.
Na sua opinião, essa conivência continua a existir, e ainda que ultimamente tenha suscitado “mais barulho” e “tomadas de posição oficiais”, Luiz lamenta que não haja sequência, ressalvando “os setores tradicionalmente solidários do BE”.
“Os movimentos solidários começam a surgir quando Angola entra em crise e deixa de ser a Árvore das Patacas”, nota o ex-condenado. Antes da descida do preço do petróleo, Angola era o quarto mercado mais importante para Portugal, sendo que, neste momento, ocupa a sexta posição. “Isto vem num momento coincidente. Se antes se calavam por interesses económicos, hoje falam porque esses interesses já caíram”.
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