Comecemos pelo início. Se pudesse resumir, quais são os objectivos da AGT? Ou seja, serve para quê? De uma maneira simples para que todos entendam.
A Administração Geral Tributária tem dois objectivos fundamentais. O primeiro é arrecadar impostos para financiar os gastos públicos. E o segundo é controlar a nossa fronteira aduaneira. Resumidamente, significa que toda a mercadoria que entra em Angola, sai do País ou circula pelo nosso território nacional, a AGT tem a função de verificar que a mercadoria tem legitimidade para o efeito, e naquelas situações em que há obrigações a aduaneiras a pagar, que estas foram cumpridas.
Como é que se pode analisar a prestação da AGT? Pela quantidade de impostos que recolhe, pelo desenvolvimento da economia nacional, pela imagem que tem junto dos empresários, pelo tamanho da base contribuintes, ou outra?
É um pouco de cada um dos aspectos que faz referência. Primeiro, a AGT, no seu papel de colectar impostos, tem de ter a capacidade de o fazer. Portanto, garantindo que todos aqueles contribuintes que têm capacidade contributiva cumpram com as suas obrigações tributárias. Este trabalho tem de partir sempre de uma posição harmoniosa com os próprios contribuintes. Na parte aduaneira, o tema coloca-se na mesma vertente. Os agentes do comércio externo que dialogam connosco precisam perceber quais são as obrigações no que diz respeito ao desembaraço das suas mercadorias, precisam perceber que tipo de mercadoria pode entrar ou não no nosso País e isso pressupõe também um diálogo permanente.
A AGT executa só ou também propõe também novos impostos? Por outras palavras, é também responsável pela política fiscal e aduaneira?
A AGT também propõe. A sua principal tarefa é administrar os impostos, mas, enquanto administrador, ali onde identificar que há necessidade de melhoria, pode, deve, e tem feito propostas, no sentido de se ajustar o quadro fiscal.
Lembro-me que, em 2011, quando se iniciou a reforma fiscal as receitas fiscais não petrolíferas eram 7% do PIB. Em 2023 esse valor era de 7,5%.Não se pode dizer que houve uma grande evolução.
Em 2024, a receita fiscal não petrolífera foi 8,3%, mais ou menos.
Relativamente ao total do PIB?
Sim, ao total do PIB. Se retirarmos a receita fiscal, se retirarmos o PIB petrolífero e analisarmos a receita fiscal não petrolífera e o PIB não petrolífero, em cerca de 11%. Desde 2011 até 2025, é inequívoco que a base tributária está mais alargada.
Quantos contribuintes existem?
Nos nossos sistemas existem cerca de 300 mil contribuintes empresariais.
E quantos contribuintes activos?
Activos, no total, com os contribuintes singulares, cerca de dois milhões de contribuintes. Nos contribuintes singulares, muitos deles sem obrigações declarativas, logo, sujeitos ao IRT, mediante retenção na fonte.
Dê-nos exemplos do crescimento da AGT, ao nível da estrutura, do número de técnicos
Em 2011 surgem as linhas gerais do Executivo para a Reforma Tributária. A AGT surge em Dezembro de 2014 com o seu estatuto orgânico. Em 2011, os técnicos da área fiscal eram funcionários de uma direcção do Ministério das Finanças, da Direcção Nacional de Impostos. E os técnicos da área aduaneira eram funcionários do Serviço Nacional das Alfândegas. Os dois juntos davam perto de 1.500 funcionários. Hoje, a administração geral tributária tem cerca de 5 mil funcionários. O mesmo acontece do ponto de vista de estrutura. A AGT teve de expandir-se a todo o território, principalmente naquelas zonas em que se verifica a capacidade contributiva...
Tem ideia do investimento global que foi feito?
Desde 2011 até à data, não consigo dizer exactamente quanto foi no global. Mas o que eu...
Está a falar de muitos milhões de dólares
Muitos milhões de dólares.Nada comparável com os ganhos, mas muitos milhões de dólares. Os ganhos foram superiores.
A gente vê muitas vezes na cidade de Luanda os técnicos da AGT a exibir sinais exteriores de riqueza. Ou seja, passeiam-se com relógios de ouro e fatos caros, deslocam-se em carros de luxo com motoristas, vão aos locais de diversão nocturna exibir essa "banga".Está consciente disso?
A Administração Geral Tributária é muito comprometida com temas ligados à integridade dos funcionários. Nós temos direcções específicas que se dedicam a isto. Bem, re centemente, foi melhorada, nós já tínhamos o gabinete de auditoria e integridade institucional, que agora passou a ser gabinete de auditoria e gestão de risco e tem a função de verificar situações dessas, fazer esse tipo de mapeamento. A AGT, todos os meses, faz sair medidas disciplinares para aqueles funcionários que, eventualmente, tenham cometido alguma irregularidade e publica na nossa intranet. Todos os técnicos a nível interno, incluindo de missões, têm contacto com as medidas disciplinares que são aplicadas.
Isso não é público?
Não é divulgado para fora, porque são medidas internas. Mas circula dentro dos meios de comunicação interna. De resto, e aqui é importante que se faça referência a isto, a visão generalizada, à luz do código de conduta da AGT para os funcionários, é não aparentarem ou apresentarem-se com sinais de riqueza, digamos assim.
Mas quanto ganha um técnico da AGT, só para ter uma ideia, para apresentarem estes sinais?
Os técnicos da AGT são funcionários públicos. Então, ganham dentro da tabela da Administração pública. Têm um salário base...
Mas têm uns acréscimos por estarem na AGT, não é?
Têm um salário base dentro da tabela indiciária que é publicada. Paralelamente a isto, têm um complemento remuneratório. E depois também têm os chamados subsídios de avaliação de desempenho. E aqui é importante referenciar isto porque gera muita discussão. Os técnicos da AGT não ganham mais ou menos por terem cobrado mais ou menos aos contribuintes, ou por terem aplicado ou deixado de aplicar multas. Os técnicos da AGT ganham só complemento remuneratório mediante diversos critérios objectivos para avaliar o desempenho e nenhum dos critérios prende-se com a arrecadação individual do técnico.
Não respondeu à pergunta
O planeamento remuneratório vai variando com base nas capacidades internas. Portanto, não temos definido um valor para apresentar.
Já vi que não me vai responder. Outro assunto. Surpreendeu-o este recente caso de corrupção divulgado pelo SIC?
Surpreendeu-me quando tive contacto com o caso. Eu não tive contacto com o caso quando o SIC divulgou. E isso também é importante que se diga de forma clara. A AGT tem mecanismos internos muito rigorosos, identifica irregularidades, analisa-as com profundidade e, quando chega à conclusão que é passível de medida disciplinar, nós aplicamos. Quando identificamos uma situação que é passível de medida criminal, nós pegamos no processo e levamos às autoridades competentes.
Então foram vocês que entregaram o caso ao SIC?
Certo. Fomos nós.
Passou-lhe pela cabeça demitir-se quando foram tornados públicos os recentes casos de corrupção na AGT?
Passou-me pela cabeça sim. Não porque existia algum tema que me ligava de forma directa, mas exactamente porque se levantava a questão do PCA da AGT continuar depois de um escândalo como aquele. É claro que não podia deixar de passar pela minha cabeça esse questionamento.
E quem o convenceu a ficar?
Conversei com várias pessoas sobre isto, mas o tema tem um contorno diferente daquele que os mídias passam. A AGT está num processo de melhoria constante dos seus processos e procedimentos, e o tema que levou àquele escândalo surge, repito mais uma vez, de uma investigação feita internamente. Portanto, surge fruto do bom trabalho dos órgãos internos. Precisávamos de detectar mais cedo, precisávamos inclusive evitar que acontecesse, é verdade.
Como sabe há muitas queixas dos empresários sobre a actuação dos técnicos da AGT. A legislação como é muito apertada, desfasada da nossa realidade, permite que estes se desloquem às empresas frequentemente para exigir “coisas impossíveis”, complicando a vida das empresas
Uma das nossas estratégias é garantirmos ao máximo que os nossos contribuintes estejam confortáveis. E nós, para conseguirmos isto, estamos a trabalhar de forma muito dedicada nos aspectos tecnológicos. Hoje, felizmente, posso dizer que temos contribuintes que não pisam nos serviços da Administração Geral Tributária há anos, porque têm o portal, exercem a sua actividade no portal e não precisam...
Mas ouvimos dizer que o sistema muitas vezes está em baixo
Repare, o sistema da AGT foi um dos principais desafios que nós tivemos. Hoje, a complexidade que o sistema tem, a assertividade que o sistem Os técnicos da AGT não ganham mais ou menos por terem cobrado mais ou menos aos contribuintes, a nos dá, pode ser visto como de sucesso. Claro está que ainda precisa melhorar muito. Mas repito, 90% das transacções da AGT, do ponto de vista de obrigações fiscais, ocorrem por lá.
Muitas delas é obrigatório que se façam electronicamente
Exactamente. E, grosso modo, ocorrem sem obstáculos. Neste momento que estamos a falar, por exemplo, está em curso o pagamento, a declaração e pagamento de imposto industrial de exercício de 2024 para os contribuintes do regime geral, as empresas estão a submeter as suas declarações no sistema. E eu posso afirmar que, antes de entrar para esta entrevista, ainda estive a verificar com os colegas, o processo está a correr com normalidade. Portanto, existem dias e existem situações, de facto, em que o sistema apresenta alguma debilidade. E temos de trabalhar nelas, mas a mensagem que eu quero passar é que isto não é o que acontece no dia-a-dia.
Todos os meses no Expansão recebemos queixas dos contabilistas e das empresas sobre o funcionamento do sistema. Parece que há um relação permanente de confronto, que o sistema não flui
Não há confronto, há um diálogo aberto para identificarmos os constrangimentos. Há uma boa relação entre a AGT e a OCPCA (Ordem dos Contabilistas). Eu pessoalmente, e grande parte dos gestores da AGT temos um canal de comunicação, um grupo de WhatsApp onde estão diversos contabilistas, começando pela própria bastonária, e onde os assuntos são tratados de forma muito aberta. Também posso lhe dizer que sempre que eu recebo uma solicitação de reunião da bastonária, reunimos na mesma semana. Portanto, o diálogo aberto existe. Procuramos sempre trabalhar no sentido de juntos resolvermos esses constrangimentos, garantir que por falha dos sistemas não haja responsabilização por parte dos contribuintes e aqui refiro-me aos acréscimos de multas ou outros custos.
Essa é outra queixa dos empresários, que pagam mais por motivos sobre os quais não são responsáveis
É importante também esclarecer, sempre que estando no fim do período de pagamento de determinado imposto, se o sistema apresenta irregularidades, e muitas vezes isso acontece por causa da pressão que sofre nesses momentos derradeiros, a AGT, identificando isto, acaba por estabelecer um prazo mais dilatado para que os contribuintes possam cumprir com as suas obrigações sem os acréscimos. Foi de resto o que aconteceu agora, no mês de Abril.
Se por um lado esta transformação tecnológica veio facilitar a relação com as grandes empresas dos centros urbanos, por outro, veio criar problemas às pequenas e micro empresas, que, por exemplo no caso da recuperação do IVA, são obrigadas a ter computadores, software certificado, contabilistas, internet estável, etc..
Este é um tema que nós acompanhamos muito de perto. As pequenas empresas podem emitir facturas em blocos certificados pela AGT. Não precisam ter um sistema de facturação para poder proceder às suas vendas. Portanto, esse tema fica resolvido desta forma. As empresas que estão no regime geral ou no regime simplificado de IVA é que devem proceder às suas vendas mediante o sistema de facturação, porque são obrigadas também a submeter na AGT os seus ficheiros.
As pequenas empresas compram materiais com IVA, que depois gostariam de abater nas suas contas, porque senão o imposto torna-se uma taxa, que vai acrescer os preço dos seus produtos. E isso acontece, por exemplo nas empresas agrícolas situadas no interior do país
Certo. Os contribuintes, mesmo aqueles que estão no regime de não sujeição do IVA, podem aderir ao regime geral do IVA.
Mas, para aderir ao regime geral do IVA, precisam de ter todas as condições referenciadas acima, assumindo os custos correspondentes. Ou têm capacidade para fazer esse investimento, o que é irrealista na nossa realidade, ou então não podem recuperar o IVA. Fica aqui um caminho sem saída, está a perceber isso?
Estou a perceber sim. E o que eu estou a tentar explicar é que o que está a dizer está certo. Portanto, os contribuintes que estão no regime de não selecção do IVA não conseguem recuperar o IVA que pagam nas suas facturas. E não põem o IVA nas suas vendas. Portanto, esta dificuldade que faz referência acaba por estar, de certo modo, mitigada por causa disto. Agora, claro está que esses contribuintes, ao fazerem as suas aquisições, se o fazem diante de um contribuinte que está obrigado a cobrar IVA, este põe o IVA na factura.
Não acha que, por exemplo, o IVA para os pequenos produtos agrícolas devia ser taxa zero?
O regime de não sujeição do IVA não é uma estratégia criada só por nós enquanto País. Não é por Angola, apenas. Existe sempre um limiar em que os contribuintes que são micro deixam de estar obrigados a essas responsabilidades em sede de IVA. Esse limiar existe exactamente porque esse tipo de contribuintes acaba por ficar, de alguma forma, prejudicado quanto à capacidade de dar resposta às necessidades do IVA. O contribuinte que está neste limiar deve colocar no seu preço, e aqui disse bem, o valor do IVA que suporta. Com a lógica de que não precisa colocar um IVA acrescentado, porque não precisa também cobrar IVA aos seus clientes. EXPANSAO