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Quarta, 02 Abril 2025 13:22

“Palhaços são os que falaram que o julgamento do Huambo é uma palhaçada” - David Mendes

A David Mendes coube a defesa de seis dos sete arguidos, por alegada tentativa de terrorismo. Em entrevista exclusiva ao Jornal OPAÍS, o causídico falou da estratégia de defesa montada, ao mesmo tempo que reprovou a forma como algumas vozes se referiram ao julgamento como tendo sido uma «palhaçada». Entretanto, Mendes acusa, neste particular, que «palhaços» são aqueles que consideram o julgamento uma «palhaçada».

Nesta conversa com OPAÍS, em uma das unidades hoteleiras na cidade do Huambo, o fundador da Associação Mãos Livres diz-se vítima de inveja, pelo volume de processos ao seu dispor. Ele diz que, hoje, não é um advogado que cobra um milhão ou dois milhões a quem lhe bater à porta, ‘‘porque David Mendes é uma marca’’

Desde já, agradecemos por ter aceitado o nosso convite. Dr., como é que encarou todo o movimento e como é que foi para si ser mandatário judicial de pessoas supostamente envolvidas em terrorismo? Foi a primeira experiência?

Não. É que as pessoas conhecem mal o meu currículo de advogado. Eu já defendi indivíduos acusados de espionagem na Presidência, no tempo de José Eduardo dos Santos, a favor dos sul-africanos. E eu consegui a absolvição desses oficiais das Forças Armadas, na altura das FAPLAS.

Isso foi em que ano?

A minha memória não fixa anos, porque são centenas de casos, para falar milhares de casos. Então, eu prefiro não ter uma memória para ter de arquivar essas informações, porque, para mim, é só mais um caso. Vocês sabem que eu também defendi um caso extremamente polémico, ligado ao Batalhão Búfalo. Também estavam acusados quase de crimes similares. E eu defendi. Vocês sabem que eu também defendi William Tonet, um indivíduo que era acusado de ter matado Simão Roberto. Eu tenho uma trajectória de defesa de casos complexos. Trazendo aqui, por exemplo, o caso da Boa Vista. Quem defendeu os moradores da Boa Vista fui eu e hoje, felizmente, existe um Zango. Se esse Zango existe, é porque houve um advogado que se chama Da- vid Mendes. Vocês sabem que eu defendi o PADEPA em vários processos. Que era um partido político que se opunha, de forma muito contundente, ao regime de José Eduardo dos Santos. Eu já defendi Rafael Marques. Eu já defendi Graça Campos. Uma pluralidade de pessoas. Então isso, para mim, é só mais um caso. No caso em Cabinda, eu já defendi indivíduos da FLEC. Para mim, este processo só foi mais um caso.

Não foi tão complexo quanto os outros?

Não. Para mim, foi só mais um caso. E, dentro daquilo que são as linhas de defesa, nós concertamos, porque, felizmente, eu tive uma equipa que trabalhou nesse processo, desde o primeiro dia que fomos constituídos até onde chegamos. Por isso, para nós, só foi mais um caso.

A defesa não ficou satisfeita com a decisão tomada pelo Tribunal de Comarca do Huambo. Na perspectiva do doutor, o tribunal andou mal. Quais vão ser os outros passos?

Como nós dissemos, nós vamos recorrer, porque nós não concordamos com o facto de o tribunal não ter aceitado a delação premiada, que o próprio Ministério Público aceitou. Nós não aceitamos, por exemplo, que o tribunal condene o autor da falsificação, o funcionário público, a três anos de prisão e aquele que nem sequer se beneficiou dessa falsificação, o tribunal vá dar quatro anos de prisão. Isso, para nós, é uma incongruência. São desses e outros aspectos.

Os argumentos do tribunal não colhem?

Não, é a visão do juiz, mas não está dentro daquela que é a nossa visão, por isso é que nós vamos recorrer. Ainda acreditamos que os tribunais superiores, de acordo com os nossos argumentos, venham a baixar a pena.

Dr., presumo que esteja a par do que se diz – quer nas redes sociais, quer em alguns órgãos de comunicação – que o julgamento – e vou cá citar ipsis verbis, por ser um ermo a que o juiz primeiro assessor se referiu – «foi uma palhaçada». Como é que o senhor olha para essa posição vertida? 

Os palhaços são os que falaram, porque um homem sério, com maturidade, tem noção do que é um julgamento. Então eles é que são os palhaços.

Como é que tem encarado e respondido à crítica social de acordo com a qual o senhor foi usado – como dizem – pelo «sistema para defender esses arguidos»?

Quem não é parte do sistema? Você não é parte do sistema? Você vive aonde? Vive na lua? Ninguém vive na lua. Nós vivemos num Estado. O Estado tem regra. O advogado é um comparticipe da justiça. O advogado não é um extraterrestre. Então, de que sistema estamos a falar? Sistema judiciário ou sistema político? Quem é que não é do sistema político?

«As pessoas têm inveja do status» Então, assim sendo, esses argumentos não colhem?

Você acha que um advogado do meu nível vai se preocupar com o que os outros falam por inveja? Você não sabe que as pessoas têm inveja do status? Vocês não sabem que as pessoas têm inveja do número de processos que eu defendo? Olha, há tempos, ouvi um indivíduo – que não direi aqui o nome – que dizia que eu entrei nesse processo sem procuração. E eu tive o cuidado de lhe mandar cópia da procuração. E é um dito grande comentarista. Sabe o que é que ele me respondeu? «Kota, não se preocupa, me pediram para fazer». Como é que um dito grande comentarista lhe dão assuntos para ir comentar contra uma pessoa?

Acredita que há pessoas que estão a ser usadas?

As pessoas invejam. Ser um David Mendes é uma marca. Não vamos aqui querer tapar o sol com a peneira. «David Mendes» é uma marca. Então, isso incomoda muita gente. Veja, uns diziam, quando eu estava no Parlamento, «que eu estava a viver à custa do lugar da UNITA, que ganhavam milhões», quando aquilo era um milhão e tal de kwanzas. Eu não cobro um milhão num processo. Não, desculpa, eu já não sou advogado de cobrar dois milhões de kwanzas. Eu já não estou nessa fase. Eu não estou na fase de procurar clientes, eu estou numa fase de consolidação. Então, esses pequenos valores, que, para muita gente, é um grande valor, para mim já não é. Na minha idade, já não é para esses pequenos valores. Onde é que fiquei mais de 35 anos a trabalhar como advogado? Você acha que eu teria uma situação económica péssima? É estupidez pensar nisso – desculpa a expressão.

Advogado diz ter renunciado a honorários milionários de Lussaty… Dr. David Mendes sublinhou que «David Mendes é uma marca» e, como tal, já não cobra um milhão, dois milhões de kwanzas. Se olharmos para as pessoas que o senhor defendeu, no âmbito do processo comum número 109/2025, são de baixa renda. Cobrou-lhes também milhões?

As Mãos Livres paga. Você acha que ia pagar do meu dinheiro para ficar no hotel durante 15 dias? Alguém tem que pagar. E as Mãos Livres pagam. É a função das Mãos Livres. Eu sou dirigente das Mãos Livres, o fundador das Mãos Livres. E as Mãos Livres pagam por isso. Olha, as pessoas que andaram a falar aí, por exemplo, do Kalupeteka, do caso Lussaty, não sou o quê. Eu se vos mostrar o contrato de honorários que eu fiz com o Lussaty, vocês vão pôr a mão na cabeça. Mas, não pensem que eu fui pedir meia-dúzia de dinheiro ao Lussaty, mas, mesmo assim, nós renunciámos. Ao contrário do que muitos andam aí a falar, nós temos uma procuração do Lussaty. Nós temos um contrato de honorários com o Lussaty. Não são honorários de qualquer coisa – desculpa. E, mesmo assim, nós renunciámos. E eu não estou a ver se outros advogados se terão pedido se quer um terço daquilo que nós cobramos como honorários. Não pensem que nós andamos atrás de clientes. Nós não somos advogados de porta de cadeia. Jornal OPAÍS

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