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Sexta, 31 Mai 2024 22:47

Ministério dos Transportes ‘torra’ milhões de dólares em projetos que provaram ser verdadeiros fracassos

Nas últimas duas décadas, vários têm sido os projectos estruturantes ligados ao sector dos transportes que se têm revelado autênticos fracassos e, em alguns casos, meios através dos quais determinados grupos de interesse e pessoas singulares têm feito riqueza à custa do erário perante o olhar silencioso, e às vezes cúmplice, do governo.

A mais recente polémica envolvendo a compra dos 600 autocarros é — diante destes muitos casos ignorados pelo próprio Ministério dos Transportes e por órgãos da administração pública — apenas um detalhe que salta à vista num sector onde os indícios de ‘negociatas’ abundam e os indicadores de práticas alegadamente ilícitas costumam ser sonegados pelas próprias autoridades.

Em 2016, por exemplo, através do Despacho Presidencial n.º 279/16, de 15 de Setembro, o governo angolano aprovou, por ajuste directo, a contratação da empresa Asperbras para o fornecimento de 1500 autocarros pelo valor de USD 383 500 000,00 (trezentos e oitenta e três milhões e quinhentos mil dólares norte-americanos), para o ‘Programa de Transporte para Todos, sob gestão do Ministério dos Transportes, cujo objectivo era o de priorizar a mobilidade das escolas do Sistema Educacional de Angola através do desenvolvimento e implementação de um moderno e eficiente serviço de transporte escolar.

A Asperbras, uma sociedade comercial com sede em Montevideu (Uruguai), de acordo com o contrato assinado com o então Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INTR) — actual Agência Nacional de Transportes Terrestres — contrato esse visado pelo Tribunal de Contas (TdC), a 27 de Agosto de 2017 —, propunha-se a fornecer à República de Angola:

(1) Os referidos 1 500 autocarros, equipados com dispositivos GPS, acrescidos de dez camiões-oficina, sete camiões-guincho, 200 bafómetros/etilómetros; (2) os manuais e formações; (3) os equipamentos e sistemas informáticos para (a) operação da Bilhética, incluindo a emissão de 1 500 000 (um milhão e quinhentos mil) cartões para implantação do Cartão Social Escolar; (4) Monitoramento de Frota; (5) divulgação digital do programa; (6) revisão preventiva de todos os 1 500 autocarros e (7) construção de 18 bases de atendimento (que nunca foram infra-estruturadas conforme se previa).

E mais: a empresa Asperbras, com a qual o Ministério dos Transportes, veio a assinar uma adenda no âmbito do contrato para o fornecimento dos 1500 autocarros — adenda esta guardada a sete chaves até hoje — é também responsável, através de uma das suas empresas veículos (a Grow), pela construção dos três terminais rodoviários de passageiros do Kilamba (em Luanda), no Huambo e Kwanza-Norte.

Nenhum desses terminais, erguidos de raiz, está operacional até hoje, ao fim de dois anos. Só o Terminal Rodoviário de Passageiros do Kilamba custou aos cofres do Estado cerca de dois mil milhões de kwanzas, segundo o secretário de Estado dos Transportes Terrestre, Jorge Bengue,

Com uma área de 13.764 m², o Terminal Rodoviário de Passageiros do Kilamba a foi inaugurado em acto solene, e tinha como objectivo a melhoraria da mobilidade rodoviária em Luanda e facilitar o embarque e desembarque de passageiros de autocarros, com uma estimativa de receber milhares de visitantes anualmente. No entanto, dois anos depois, a infra-estrutura encontra-se encerrada e é mais um exemplo de um elefante branco a céu aberto.

Abamat, S.A

A ABAMAT, SA., foi uma ex-empresa de direito público, criada após a independência de Angola, com o objectivo de gerir as oficinas de autocarros e armazéns de peças do país. Esteve durante 40 anos no mercado, e tinha, no período do partido único, também como parte do seu objecto social a aquisição e importação de veículos, exercendo o monopólio desta actividade.

Em 2015, pouco menos de dois anos antes de ser extinta por decisão do governo de José Eduardo dos Santos — por apresentar “sinais evidentes de degradação física e económica com resultados negativos e custos acrescidos aos cofres do Estado” — a Abamat, S.A viu-se a braços com vários operadores de transportes públicos e privados de passageiros, assim como com outras entidades colectivas alheias ao sector, que se recusavam a pagar uma dívida contraída no âmbito do programa do executivo de reforço da capacidade de oferta de transportes públicos (autocarros) e no de “Ajuda ao Desenvolvimento e Restituição das Viaturas por Acção da Guerra” (camiões).

Entre 2009 e 2011, os vários operadores de transportes do mercado e outras empresas, que não tinham qualquer ligação com o sector dos transportes, haviam assinado com a Abamat, S.A um acordo através do qual se tinham comprometido a pagar os meios adquiridos. Porém, até Março de 2015, poucos haviam honrado o compromisso, tendo-se convertido em devedores do Estado angolano.

A situação arrastou-se até Julho de 2017, quando o governo tomou a decisão de extinguir a Abamat, S.A, alegando “degradação física e económica”. Tudo isso ocorreu três anos depois de o próprio executivo ter realizado um investimento de cerca de três milhões de euros para a construção do Centro Oficinal e Armazém Central de Peças de Viana, afecto à referida empresa, cuja inauguração contou inclusive com a presença do então Presidente da República José Eduardo dos Santos.

Todos estes acontecimentos, que vieram a resultar na extinção da Abamat, S.A., se dá numa altura em que a empresa pública tinha a possibilidade de cobrar a várias entidades devedoras as dívidas contraídas pelo recebimento dos vários meios de transporte não pagos até à data em que este artigo é escrito. O governo, entretanto, decidiu pela sua extinção e a lista de devedores “posta de lado”.

Passes sociais

Anunciado na abertura da pré-campanha eleitoral de 2022 pelo então candidato do MPLA a Presidente da República, o ‘Passe Social’ foi um dos triunfos eleitorais para o sector dos transportes públicos urbanos, destinados aos grupos mais vulneráveis da população.

A promessa de João Lourenço era de que, dali a uma semana, os ‘Passes Sociais’ passariam a ser entregues. Porém, um ano depois, os tão almejados ‘Passes Sociais’ ainda não tinham sido lançados e levantava-se já todo o tipo de burburinho a respeito do assunto.

Em Maio de 2023, a Empresa Nacional de Bilhética Integrada (ENBI) anunciava a atribuição, em Luanda, dos primeiros ‘Passes Sociais’, com o presidente da Comissão Executiva da instituição a dar indicações de que aquele ente público recém-criado tinha capacidade para emitir mais de mil passes por dia. Não passou disso mesmo: de um engodo!

Segundo a ENBI, o ‘Passe Social’ deve beneficiar os estudantes do ensino público, com idades entre os seis e os 15 anos, matriculados até à 9.ª classe. Os passes, avançou a ENBI, são em PVC e a substituição é feita depois de três anos. Quanto ao carregamento mensal, explicou, seria feito automaticamente, de acordo com a categoria do utente, com uma durabilidade de três anos renováveis.

Ora, pouco mais de 14 meses depois, o semanário Expansão relatou a emissão de 1 150 passes sociais, um número olimpicamente abaixo das necessidades do país. E mais: num trabalho desenvolvido por aquele semanário — o !STO É NOTÍCIA seguiu-lhe o exemplo este ano — apurou que quase ninguém conhece o ‘Passe Social’, quais os seus benefícios, nem mesmo onde se pode solicitar ou levantar o tal cartão, apesar da campanha publicitária emitida pelas televisões públicas. Contudo, sabe-se que a entrega tem sido feita pela própria ENBI, através de equipas que trabalham em Luanda, Huíla e Benguela.

A mesma ENBI, quando questiona pelo Expansão sobre o “insucesso” do projecto, atirou as culpas às escolas e aos alunos, alegando que a fraca emissão de passes sociais se deve à “falta de Bilhete de Identidade ou caducados, à falta de Cédula Pessoal, bem como [por conta das] fichas de inscrição de matrícula dos estudantes indevidamente assinadas, que deviam ser fornecidas pelas próprias instituições de ensino”.

Em resumo, dos 600 mil previstos apenas foram emitidos 554 passes sociais. O que facilmente se pode concluir que os ‘Passes Sociais’ representam mais um desses projectos cujo impacto e efeito é residual e apenas um caso para fazer constar das estatísticas do sector dos transportes como uma das acções desenvolvidas pelo executivo.

Sistema BRT

O projecto BRT, o famoso sistema de Trânsito Rápido por Autocarro de Luanda, cuja implementação se previa até 2017, é outro exemplo de fiasco do sector dos transportes.

Com as obras paradas e abandonadas, o BRT previa a circulação de veículos em Luanda numa via exclusiva com extensão total de 53 quilómetros, divididos em dois corredores com 24 estações.

A frota inicial do sistema seria composto por 240 autocarros, sendo 90 articulados, 50 bi-articulados e 100 alimentadores convencionais, capazes de transportar em torno de 200 mil passageiros por dia ou 5 milhões mensalmente.

Facto é que sete anos depois ninguém viu o tal de BRT. Ou seja, não é bem verdade que nada se tenha visto, até porque os autocarros articulados que hoje circulam nas vias de Luanda foram adquiridos precisamente para atender a esse sistema de transporte público. O Ministério dos Transportes só não explicou ao país se desistiu em definitivo do projecto.

Observatório

Em 2012, o governo angolano gastou nove milhões de dólares norte-americanos com o Observatório Nacional dos Transportes Públicos, Colectivos e Regulares de Passageiros (OTR), que teoricamente permitiria controlar e gerir o sistema de transporte público de passageiros e contribuir consideravelmente para a redução da sinistralidade rodoviária.

Aquando da sua inauguração, foi divulgado que o mesmo dispunha de ‘equipamentos invioláveis’ instalados nos veículos, que permitem saber o número exacto de viagens realizadas, de acordo com a programação prevista; assim como iria gerir informações directamente do sítio em que seriam colectadas, através de estrutura de conexão automática, o telefone, para o OTR, em Luanda.

A monitorização dos autocarros em circulação seria feita por meio do sistema GPS em tempo real, com informações actualizadas de três em três minutos.

O OTR, que foi instalado na então Direcção Nacional dos Transportes Rodoviários, também previa maior eficiência do sistema de transporte no país, vigiar eventuais actos de vandalismo, contribuir para a preservação do património público e conferir mais segurança aos utilizadores.

Os nove milhões de dólares norte-americanos foram usados e pouco ou nada se sabe do tal Observatório? Ninguém ouviu falar nele depois da sua inauguração, apesar de todo o dinheiro gasto. ISTO É NOTÍCIA

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