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Sábado, 01 Julho 2023 22:51

Repressão policial nas manifestações é “bem pior” com João Lourenço

“As pessoas estão a ser baleadas em pleno protesto”, conta ao Expresso um ativista que passou um ano preso no tempo de José Eduardo dos Santos. O seu nome é Hitler Samussuku e juntamente com Luaty Beirão, que também falou ao Expresso, fez parte dos 15+2, como ficaram conhecidos em Angola.

As manifestações em Angola aumentaram desde que João Lourenço assumiu a Presidência, em 2017. A investigadora Cláudia Almeida, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA), fala num “aumento exponencial”: nos últimos 15 anos da Presidência de José Eduardo dos Santos, houve cerca de uma centena de protestos, enquanto nos primeiros cinco anos de Lourenço como chefe de Estado foram registadas 150 manifestações. Esse aumento foi acompanhado por “maior repressão enquanto resposta do Estado aos protestos, sobretudo a partir de 2019”, ressalva a investigadora ao Expresso.

Exemplo disso foi a manifestação nacional do passado dia 17, que as autoridades reprimiram em várias províncias com disparos e gás lacrimogéneo, daí resultando dezenas de feridos e detidos. A subida do preço dos combustíveis, o fim da venda ambulante das ‘zungueiras’ e a alteração do estatuto das organizações não-governamentais foram os três grandes motes dos protestos. Em comunicado, a Polícia Nacional garantiu que as forças de segurança usaram meios proporcionais.

“Obviamente Cúmplice”

Noutras manifestações, já da era Lourenço, houve mesmo mortes, algo que Hitler Samussuku acredita ser inédito. “No tempo de Eduardo dos Santos, as pessoas eram raptadas em casa e depois executadas. Com João Lourenço, estão a ser baleadas em pleno protesto”, distingue o ativista, que foi, em 2015, um dos jovens presos em Luanda quando discutiam um livro sobre métodos pacíficos de protesto. “Não estou a fazer a apologia de Eduardo dos Santos, até porque sofri e fui preso, mas Lourenço tem sido bem pior”, avalia.

“As coisas ficam no ar porque são pobres que morrem. As pessoas ficam indignadas, mas amanhã há outra coisa”, diz Luaty Beirão

Luaty Beirão foi outro dos “15+2”, como ficaram conhecidos, e cumpriu 36 dias de greve de fome na prisão. Ao fim de um ano e nove dias, ele, Samussuku e os restantes foram libertados. Luaty refere a brutalidade policial e corrobora que “a violência nos protestos aumentou proporcionalmente. É uma apetência para punir mortalmente, porque estão habituados a isso e nunca há consequências. As coisas ficam no ar porque são pobres que morrem. As pessoas ficam muito indignadas, mas amanhã há outra coisa para lamentar, mais uma bala perdida da polícia que mata uma criança...”

Lourenço é “obviamente cúmplice”, acusa Luaty. E Cláudia Almeida que “há uma matriz autoritária na medula do regime”, que “é muito difícil de transformar”.

“Narrativa do Homem-Forte”

Em entrevista ao Expresso e à Lusa, no início do mês, o chefe de Estado afirmou que “até há excessos no exercício da liberdade de manifestação. Em Angola há manifestações de rua praticamente todas as semanas. A polícia reage quando tem de reagir”, acrescentou.

Vasco Martins, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, pensa que estas declarações enfermam de “insensibilidade” também aplicável à polícia. “Lourenço herda uma cadeira com demasiado poder” e alimenta a “narrativa do homem-forte, do Estado forte e das forças de segurança fortes.”

Na semana passada, o MPLA (no poder) chumbou uma proposta da UNITA (maior partido da oposição) para uma comissão de inquérito à violência policial nos protestos. “O MPLA não só quer evitar o escrutínio como é alérgico à fiscalização”, acusa Olívio Nkilumbo, vice-presidente da bancada parlamentar da UNITA. “O regime não presta contas e age com força, envolvendo excesso de violência ou morte, para desestimular ações do género”, acrescenta o deputado.

Nos últimos dias, o kwanza (a moeda nacional) sofreu uma forte queda, e a inflação subiu para 10,6% em maio, depois de o Governo ter cortado os subsídios aos combustíveis. Luaty alerta que “as pessoas estão a chegar ao limite” e que “as coisas vão acabar por rebentar”.

As Exceções de Cabinda e Lundas

Aos protestos em expansão no resto do país corresponde um garrote cada vez mais apertado em Cabinda e nas Lundas Norte e Sul. Em comum têm o facto de serem províncias que reclamam maior autonomia. “A polícia usa o argumento de que não se pode manifestar para que os guerrilheiros independentistas não se infiltrem”, conta Jeovanny Ventura, coordenador-geral do Núcleo dos Ativistas de Cabinda. Por isso, prossegue o técnico de informática, sempre que há o vislumbre de um protesto, “mobiliza-se até ao último agente para travar e perseguir os ativistas”. EXPRESSO

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