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Sábado, 24 Junho 2023 14:11

Sociólogo angolano defende que manifestações devem continuar “porque não há outro caminho”

O sociólogo angolano Paulo Inglês defendeu hoje que as manifestações em Angola devem continuar para que as pessoas aprendam a manifestar-se e a polícia a lidar com os protestos, “porque não há outro caminho”, questionando dados apresentados pelo MPLA.

Temos que manifestar-nos sempre até que todos aprendamos, não se pode é criminalizar o protesto”, disse Paulo Inglês à agência Lusa.

O tema “Direitos e Liberdade dos Cidadãos versus Atos de Desordem Pública” foi discutido, na quinta-feira, na Assembleia Nacional, sob proposta do grupo parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, que apresentou um relatório referindo que, em 2022, foram realizadas no país 332 reuniões e manifestações, das quais 13 com ações violentas.

Paulo Inglês questionou a fiabilidade destes dados, “porque eles contaram os pedidos que as administrações receberam para as manifestações e os dados que a polícia deu ou aquilo que a polícia considerou como manifestação”.

Eles não contaram, por exemplo, quando, mesmo não havendo violência, as pessoas foram levadas para a prisão e também não definiram o que é que significa violência ou arruaça”, sublinhou.

Para o sociólogo, “os dados estão enviesados” e deviam “ser apresentados por uma entidade independente, e não pelo Governo”.

De acordo com Paulo Inglês, existe uma tendência de se criminalizar o protesto, o que “gera pela parte dos que protestam uma espécie de efeito-reação”.

Quer dizer, como eles já sabem que fazendo a manifestação, ordeiramente ou não, sempre vão ser carregados pela polícia, não há o cuidado de não fazer aquilo com alguma agitação, porque se eles tivessem a certeza que se aquilo for ordeiro a polícia não vai agir, a probabilidade de eles terem contenção era maior”, disse.

O que acontece, prosseguiu o analista, é que “muitas vezes, mesmo sem haver alguma confusão, a polícia age sempre", por isso, "não interessa se estão ordeiros ou não”.

São esses detalhes que nem o Governo e nem os grupos parlamentares veem”, acrescentou.

O tema que dominou esta semana as análises e opiniões foi a manifestação nacional realizada, no sábado passado, contra a subida do preço da gasolina, a proibição da venda ambulante e a alteração dos estatutos das ONG.

Nas províncias de Luanda e Benguela, os protestos foram reprimidos pela polícia, com um saldo de vários feridos e detidos, devido a atos de “arruaças, rebelião e violência contra as forças policiais”, segundo as autoridades policiais, que responsabilizaram o maior partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), pelos incidentes.

O sociólogo angolano considera que “a categoria 'arruaça' é política”.

Se eu categorizo a ação do meu opositor como arruaça sempre que não estiver do meu lado (...) isso só tem valor dentro da luta política, não tem valor jurídico ou social”, frisou.

Na manifestação de sábado, alguns deputados, com destaque para o grupo parlamentar da UNITA participaram na manifestação, com alegaram, na qualidade de cidadãos comuns.

A presidente da Assembleia Nacional, no início da sessão de trabalhos, apelou aos deputados para não se associarem a ações ou manifestações que “violem leis ou que adotem comportamentos violadores da paz social”.

“Eu acho que o deputado pode sim participar, até porque se um deputado ou figuras públicas participarem das manifestações, acho que há maior probabilidade de haver contenção, por parte de pessoas que queiram fazer alguma confusão”, argumentou Paulo Inglês.

O analista reforçou que existe uma cultura política de se criminalizar os protestos e que “qualquer ação que é crítica ao governo ou à governação é sempre vista como um ato hostil, é sempre lida como hostilidade”.

Paulo Inglês sustenta a sua teoria com o vídeo de um polícia, “a dizer: se vocês fizerem manifestação quem vai sofrer são as vossas famílias, porque vocês vão para a cadeia, podem morrer”.

“Mas porquê que podem morrer numa manifestação? Eu vivi muitos anos na Europa, em Portugal, Inglaterra, Alemanha, Espanha, e fui a centenas de manifestações e a probabilidade de dizer que alguém vai morrer numa manifestação é muito distante, não é a manifestação em si que é um perigo, é a cultura de violência que está por baixo e de perceber a manifestação como hostilidade, é questão de cultura política”, concluiu.

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