“Por ocasião das eleições, eu tinha um espectáculo com lotação esgotada em Luanda. A bófia cortou. Não houve espectáculo. Eu fui indemnizado, porque já tinha cá o kumbu dos 50 por cento na mão. Mas, fiquei, sobretudo, muito triste por saber que nós não estamos a evoluir”, lamentou Bonga, ao partilhar com as pessoas que acorreram ao Palácio dos Coruchéus, o seu testemunho sobre os desafios da reconciliação no país.
O músico, que recorrentemente faz recurso ao “linguajar dos musseques onde cresceu”, não tendo por isso aquela ocasião fugido à regra, contou que, a poucos dias da sua partida para Luanda, recebeu uma chamada a meio da noite do empresário organizador do espectáculo, a cancelar o evento.
“Disse o empresário, que estava a tequetar (a taquetar é a tremer): ‘kota, o espectáculo não vai poder ser. Eh, pá, estão aqui polícias na minha casa!’”, lembrou o músico, sem, no entanto, revelar a identidade do empresário que o havia contratado para o referido show.
“E então eu fiquei… as coisas continuam a ser ridículas. Lotação esgotada, para se fazer um espectáculo, mas vêm os polícias à casa do empresário! Ameaçaram ele, ameaçaram a mulher, ameaçaram os filhos, e o homem telefonou-me à noite assim todo coiso… mas falando muito tacticamente para não se comprometer”, detalhou o artista.
Pelo andar da conversa com o empresário, Bonga contou que ainda lhe chegou a prometer que daria algumas entrevistas em órgãos de comunicação social de Lisboa sobre o assunto, mas que também seria um lado com o qual não se poderia contar muito, “por causa das alianças mafiosas que existem, de kaxexe…”.
“Mas, eu senti que, oh, pá…! Vamos continuar a ser quem somos, principalmente quando, de uma maneira ou de outra, a gente zela por aquele grande público que sofre quotidianamente desde que o MPLA tomou posse”, disse, resignado.
Para o artista, a situação da reconciliação em Angola continua a ser “muito triste”, pelo que vai continuar a ser, na sua opinião. Porém, o cantor alimenta a firme convicção de que os artistas angolanos, nas suas diversas áreas de actuação, vão continuar a fazer ouvir a sua voz.
“E nós continuamos a dizer… uns a cantar, outros a pintar, outros a escrever, enfim. Mas o que é certo é que nos estamos a afastar, mas afastar perigosamente, daquilo que foi uma vivência que nós tivemos, de resistência, das nossas coisas mais representativas”, voltou a lamentar o autor de ‘Olhos Molhados’, um dos seus mais importantes temas musicais. ISTO È NOTICIA