Para o jurista angolano, Albano Pedro, existem "duas deduções possíveis" sobre o "silêncio" deste processo em Angola, porque "dada a sua complexidade o mesmo pode estar em curso e a espera de um momento crucial para ele ser levado à acusação".
"Penso que do ponto de vista político, pode haver também arranjos no sentido de se esperar um determinado momento em que convirjam com alguns ganhos políticos para que se volte a acionar o processo já na base da acusação muito concreta", afirmou hoje Albano Pedro em declarações à Lusa.
Segundo o jurista, o Presidente angolano, João Lourenço, "tem sido coerente" em dizer que "não desiste do combate à corrupção" e que "mantém a sua convicção de que aqueles que estiveram envolvidos na delapidação do erário terão que pagar".
"E se essa convicção se mantém, a minha crença é que este processo será acionado a qualquer momento", assinalou o jurista.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou, em janeiro de 2020, mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de "Luanda Leaks", que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário angolano através de paraísos fiscais.
Na sequência dessas relevações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola abriu vários processos de natureza cível e criminal, em que o Estado angolano reivindica valores superiores a cinco mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros).
Várias empresas ligadas à Isabel dos Santos foram arrestadas pela PGR, que, em junho de 2020, admitiu avançar, "em coordenação as entidades judiciárias portuguesas", para a emissão de mandado de captura contra a empresária angolana, investigada por branqueamento de capitais.
As acusações são contestadas por Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, que acusa João Lourenço de estar a seguir uma "agenda política e de vingança pessoal" para destruir a sua carreira empresarial e "usurpar ilegalmente os seus bens".
O "Luanda Leaks" já deu origem a várias reflexões, comentários e críticas nos mais diferentes fóruns da vida sociopolítica, económica e jurídica de Angola, mas desconhece-se por esta altura em que ponto se encontra o processo.
"Penso que ainda é precipitado (falar-se de que a montanha pariu um rato) porque o processo é complicado. Luanda Leaks é um caso que envolve muito dinheiro e volumes patrimoniais muito altos e creio que é muito cedo, do ponto de vista processual, dizer-se que esse processo está morto", notou o jurista Albano Pedro.
A "complexidade" do processo, por se estar diante de crimes financeiros, e os "interesses políticos" que daí devem emergir, sobretudo em pleno ano eleitoral, foram igualmente apontados pelo advogado Sebastião Vinte e Cinco.
À Lusa, o advogado falou sobre as complexidades dos crimes financeiros dando conta que os procuradores, especificamente investigadores do processo, "têm beneficiado de formações com órgãos internacionais para melhor lidarem com o tema".
"Creio que é normal haver alguma demora no tratamento de questões tão complexas porque os procuradores, os investigadores neste caso em concreto, vão lidando com o processo em si e com a formação que os habilita a lidarem com este processo", disse.
Sebastião Vinte e Cinco aponta também para a existência de uma "dimensão e interesse político" em torno do processo "Luanda Leaks", facto que seu entender concorre para "não se acelerar tanto nos processos".
Porque, observou, "isso irá também pôr em causa a sobrevivência política do Presidente da República se este processo além de Isabel dos Santos abranger outras figuras influentes do partido (MPLA, no poder) e num ano eleitoral é normal que os políticos decidam no sentido de preservarem os interesses do partido".
"E sendo a PGR um órgão que recebe instruções diretas no Presidente da República, nos termos da lei, não é de todo estranho que, eventualmente, tenham aqui instruções para não acelerar tanto nos processos, porque o calendário político tem a sua importância e num ano como este, a prioridade passa por ser a questão eleitoral e a pretensão de manter o poder", notou o advogado.
Sobre as implicações deste processo nas empresas arrestadas e sob tutela do Estado, Albano Pedro defende que a medida preventiva deveria ser acompanhada de um conjunto de mecanismos de garantias de manutenção de funcionamento das mesmas.
O Estado, "a meu ver, de forma desajustada acabou por alterar a gestão destas empresas e aí começou uma espécie de estrangulamento na administração destas empresas e muitas delas estão por esta altura a conhecer estado de falência técnica por causa disso", apontou.
Já Sebastião Vinte e Cinco falou em "consequências nefastas" do ponto de vista económico, que colocam em risco os investimentos, postos de trabalho e outras expectativas comerciais.
"E aí, passaria o poderia político tomar medidas no sentido de acautelar-se o funcionamento destas empresas, os postos de trabalho, sem prejuízo de se responsabilizar as pessoas que terão cometido o crime porque o crime é intransmissível", concluiu o advogado angolano.