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Sexta, 09 Outubro 2020 16:21

Imprensa estatal faz mais propaganda que informação – Rafael Marques

O jornalista e ativista angolano Rafael Marques disse hoje que o maior problema da comunicação social angolana sob controlo estatal “não é a censura”, mas a autonomia da linha editorial, que “continua virada para o apoio ao Governo”.

“A linha editorial desses órgãos continua muito virada para o pensamento de apoio ao Governo e não faz o seu trabalho. É extraordinário e é só abrir o Jornal de Angola, ver a TPA [Televisão Pública de Angola] [para perceber] que continua a haver uma linha editorial pouco crítica”, afirmou hoje Rafael Marques, em declarações à Lusa.

A necessidade de garantir a autonomia da linha editorial dos órgãos na esfera do Estado foi igualmente defendida por Rafael Marques, que afirmou que os gestores dos órgãos privados confiscados recentemente “tiveram sempre um papel de controlo da informação”.

“Aliás, os órgãos do Estado fazem mais propaganda que informação”, atirou.

Para Rafael Marques, “é fundamental” que se mude a linha editorial desses órgãos e se “refresquem” as respetivas direções “com pessoas que tenham uma mentalidade mais aberta e mais crítica”.

“Esses órgãos só poderão fazer o seu trabalho de serviço público se forem mais abertos”, disse.

Convidado a comentar os alegados atos de censura denunciados pelo jornalista Carlos Rosado de Carvalho na TVZimbo e na Palanca TV, ambos órgãos arrestados pelo Estado, Rafael Marques considerou que as abordagens sobre o assunto estão a ser “muito emotivas”.

Segundo Rafael Marques, que fala em criação de uma “tempestade” em volta das reflexões sobre este assunto, o facto de as pessoas estarem a criticar um ato de censura “demonstra claramente que as pessoas hoje não têm medo de falar”.

“Quem é que está a ser preso por mandar bocas nas redes sociais?”, questionou.

A liberdade de imprensa ou de expressão no país, frisou, “não se mede por um ato de censura, mede-se pelo número de cidadãos que continua cada vez mais a ter voz e é isso que é fundamental”.

“Hoje o medo não impede as pessoas de falarem, agora é fundamental que esses órgãos tenham linhas editoriais e, para tal, têm de ter pessoas que sejam elas próprias adeptas da liberdade de imprensa e de expressão”, defendeu.

Rafael Marques considerou, por outro lado, como “um falso problema” que a concentração de órgãos no Estado ameacem a liberdade e a democracia no país.

“Este é um falso problema, porque os órgãos sempre estiveram concentrados nas mãos dos órgãos do poder quer por via privada quer por via pública”, apontou.

“É fundamental que o Governo defina o que vai fazer com estes órgãos, mas há aqui uma ideia muito clara, com a situação económica atual já sabemos quem é que vai comprar a TVZimbo para ser um órgão privado”, questionou.

O também presidente da organização não-governamental angolana UFOLO – Centro de Estudos para a Boa Governação – defendeu ainda que o Governo deveria incluir também na administração temporária dos órgãos confiscados “indivíduos com um perfil independente”, nomeadamente depois de dialogar com o Sindicato dos Jornalistas.

E “o mesmo poderia acontecer nos órgãos do Estado por via de concursos públicos para provisão de alguns cargos para evitar que estejam ali indivíduos que estejam apenas a seguir ordens políticas”, concluiu.

Na quarta-feira, o jornalista Carlos Rosado de Carvalho disse que a sua participação num debate na estação de televisão angolana Palanca TV foi travada, quatro dias depois de ter sido impedido de abordar o caso Edeltrudes Costa na TV Zimbo.

O também economista e professor universitário acusou recentemente a TV Zimbo, outro órgão privado que passou para o Estado angolano, de censurar a sua participação na rubrica 'Direto ao Ponto' onde pretendia abordar, no sábado passado, as alegações relacionadas com o chefe de gabinete do Presidente angolano, João Lourenço.

Edeltrudes Costa terá sido favorecido, segundo uma reportagem da TVI, em contratos com o Estado angolano, tendo transferido milhões de dólares de uma empresa sua para o estrangeiro, que serviram para comprar casas e outros bens de luxo.

O ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social angolano disse, na quinta-feira “não existir” qualquer censura nos órgãos públicos e privados confiscados pelo Estado, afirmando tratar-se de “factos que visam prejudicar as reformas” do setor.

“Eu não sei do que é que estamos a falar, nós ainda não assistimos nada relacionado com censura nos órgãos públicos ou privados, portanto esta é uma matéria que tem sido desenvolvida de forma intencional para prejudicar todo um trabalho que o executivo tem estado a fazer de reforma na comunicação social”, afirmou Manuel Homem, questionado pela Lusa.

Vários órgãos privados de comunicação, nomeadamente a TVZimbo, Palanca TV, jornal O País, Rádio Mais, Rádio Global, uma produtora de conteúdos audiovisuais e uma gráfica passaram para a esfera do Estado angolano por “serem constituídas com fundos públicos”.

A ação enquadra-se no processo de recuperação de ativos do Estado angolano no âmbito do programa de combate à corrupção, um dos eixos de governação do Presidente João Lourenço.

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