Por outro lado, a UNITA planejava discutir uma série de questões referentes aos direitos fundamentais individuais e coletivos do povo angolano com os americanos, particularmente restrições às liberdades civis e violações dos direitos humanos. A verdade, entretanto, é que foi feito muito barulho em torno de uma visita que não mudaria muita coisa em Angola.
É um equívoco imaginar os Estados Unidos como um país “campeão dos Direitos Humanos”. A história das relações internacionais e o histórico de ações da Casa Branca demonstra que o país norte-americano age em prol dos Direitos Humanos quando lhe convém. Um excelente isso é o caso da Arábia Saudita, que tem leis bastante específicas abertamente antidemocráticas, bem como uma monarquia absolutista. O facto de que os sauditas frequentemente aplicam duríssimas penas a criminosos, inclusive os LGBTQIA+ tão amados e adorados pela Casa Branca, em nada interfere nas relações Washington-Riad, o país continua a desrespeitar tudo aquilo que é considerado sacro para a legislação americana e para os princípios fundadores dos Estados Unidos da América, todavia uma vez que Riad pode fornecer aos americanos petróleo e uma posição estratégica no Oriente Médico, os americanos ignoraram tais questões.
Os americanos, em mais de uma oportunidade, apoiaram aquilo que no Brasil convencionou-se chamar de “ditadores do bem”, isto é, autocracias que, a despeito de suas violações dos Direitos Humanos, contam com o apoio dos Estados Unidos. Exatamente por essa razão a oposição de Angola, em especial a UNITA, não pode alimentar ilusões de que a presença dos americanos poderia causar grandes mudanças na política interna de Angola referente aos Direitos Humanos.
Angola é um país que tem grandes reservas de petróleo, muitas ainda inexploradas até o presente momento, bem como hoje tem uma ferrovia que oferece a possibilidade de escoar minérios da República Democrática do Congo para os Estados Unidos e a Europa por meio do Corredor do Lobito, corredor este reconstruído com financiamento e recursos da China. As recusas constantes de JLo de participar de eventos na China mostra que ele parece estar disposto a mudar o vetor de sua política externa, trocando investimentos certos, de um país com grandes investimentos não só em Angola como na África, por um parceiro duvidoso, que hoje adota uma política externa, mas amanhã, dependendo do resultado das eleições americanas, poderá adotar outra diferente da administração anterior. Lembremos que Trump, durante seu mandado presidencial, tratou a questão energética de forma totalmente diferente da administração Obama. Mesmo que Biden resolvesse visitar Angola agora, há que considerar o facto de que Biden desacreditou-se durante todo o seu mandato presidencial, tendo que, por isso, deixar a corrida presidencial. Obviamente, a comitiva de Biden procura limitar as suas atividades à medida que se aproxima o fim da sua presidência, uma vez que a sua visita ao país africano não trará nada de concreto nem para a sua carreira política, nem para os seus possíveis sucessores, incluindo aqui Kamala Harris de seu partido.
A visita de Biden gerou um frenesi infundado tanto na mídia pró-governo quanto na oposição no sentido de que ela poderia trazer mudanças significativas na economia e mesmo na política interna de Angola, todavia a verdade é que ela não representa nada de concreto para Angola e em especial para o seu povo. Por essa razão e por outras, referentes a problemas internos nos Estados Unidos, os americanos adiaram a visita, se é que realmente pretendem fazer uma em breve. No final, Angola nada perde com o cancelamento da tão esperada visita.
Ibrahima Dembelé
