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Quarta, 22 Novembro 2023 14:44

Caso Kopelipa: um julgamento que serve para chinês ver

Manuel Hélder Vieira Dias (Kopelipa), antigo braço-direito do falecido José Eduardo dos Santos, é acusado de seis crimes. Se os mesmos forem dados como provados essa será uma circunstância jurídica capaz de mexer com a dívida de Angola à China.

A abertura da instrução contraditória do processo em que o general angolano Manuel Hélder Vieira Dias (Kopelipa) é arguido, solicitada pelo próprio, que se realiza esta terça-feira, 21 de novembro, tem duas dimensões e uma ausência às quais importa estar atentos.

A última, referida pelo próprio general Kopelipa, tem a ver com a circunstância do antigo vice-presidente da República de Angola, Manuel Vicente, não ter sido acusado pelo Ministério Público deste processo que envolve o Gabinete de Reconstrução Nacional e o China Internacional Fund (CIF), assim como a venda de petróleo à China, via Sonangol, sem que a empresa ou o Estado angolano tenham recebido os montantes relativos a essas transações.

Subtraindo esta ausência, sobram duas evidências. Uma delas é a de que o julgamento do general Kopelipa, acusado da prática dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação de documentos, tráfico de influências, associação criminosa e abuso de poder, é o mais próximo que se pode chegar do falecido presidente, José Eduardo dos Santos.

Kopelipa foi durante décadas o fiel escudeiro do antigo líder angolano, os seus olhos e ouvi- dos, e a figura que mais poder teve, de forma perene, no Palácio da Cidade Alta. Dito de outra forma, as acusações formuladas a Kopelipa mancham, de forma inelutável, a governação de José Eduardo dos Santos.

A outra dimensão que resulta desta acusação tem uma matriz político diplomática que certamente será seguida atenta- mente pela embaixada de Pequim em Luanda.

Apropriação fraudulenta

Caso as acusações ao general Kopelipa venha a ser dadas como provadas, tornar-se-á evidente que os empréstimos concedidos pela China a Angola foi desviados para usufruto particular, validando assim uma tese há muito defendida pelo ativista Rafael Marques e o investigador do Hudson Institut, Thomas Duesterberg. Segundo estes, 50% da dívida pública de Angola à China "foi apropriada de modo fraudulento por entidades privadas e não públicas".

A dívida angolana, resultado de empréstimos contraídos junto de diversas instituições chinesas, está calculada em cerca de 42,6 mil milhões de dólares (39 mil milhões de euros).

A este junta-se o argumento exposto por Rui Verde, no de- curso do 3.º Congresso de Angolanística realizado em junho em Lisboa. Na ocasião, o professor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Oxford lembrou que, "atual- mente, o Código Penal chinês atua além das suas fronteiras e por isso pagamentos corruptos, a 'dívida odiosa, já têm de ser considerados pelas autoridades chinesas quando fazem as suas avaliações das situações. Quer isto dizer que por razões de direito interno, a China está obrigada e deve analisar a dívida que tenha sido eventualmente constituída com propósitos corruptos ou de benefício ilegítimo".

Caso se concretize uma condenação do general Kopelipa, estas análises saem da esfera do de- bate académico e ganham aderência à realidade, isto é, passam a ser validadas pela decisão de um tribunal que assim lhe dá suporte legal.

Em paralelo, esta é uma peça importante no relacionamento entre Angola e a China, na medida em que Pequim pretende continuar a manter uma relação bi- lateral privilegiada com Luanda, sabendo que os Estados Unidos procuram melhorar substantiva- mente a sua influência no país.

Mais do que julgamento, as acusações que pendem sobre o general Kopelipa são um acerto com a história e um escopo para conceber a natureza de relacionamento diplomáticos futuros.

Jornal de Negócios

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