Quinta, 18 de Abril de 2024
Follow Us

Terça, 07 Março 2023 10:01

Adalberto Costa Júnior: "Onde não há justiça todos pagam e estão em risco"

Em entrevista à RFI, o presidente da UNITA, o maior partido da oposição em Angola,  Adalberto Costa Júnior justificou o voto contra o Orçamento Geral do Estado. "Este orçamento continua a trazer quase 50% da despesa pública para pagar dívida pública. Isto é um crime porque a dívida pública é o financiamento do poder político instituído", defende.

Quanto às eleições autárquicas, Adalberto Costa Júnior questiona os motivos que levam o "MPLA a ter medo", justificando "o facto de que deixará de ter poder vertical para ter um poder mais horizontal". Acompanhe aqui a entrevista !

RFI: O Presidente francês esteve em Luanda esta sexta-feira onde rubricou quatro acordos para ajudar na diversificação da economia de Angola. Quais os dividendos que Angola conseguiu aqui com esta visita relâmpago ?

Adalberto Costa Júnior: Nenhum país vive hoje isolado e é positivo que haja uma cooperação com os restantes países. Acompanhei a visita, mas não conheço, de forma objectiva, os conteúdos dos acordos que foram feitos. Vamos esperar que haja uma partilha daquilo que é o espaço público. Penso que se trata de cooperação comum e percebi que houve uma incidência para o sector agrícola, quanto à auto-suficiência alimentar.

O nosso problema é outro, de que forma esta cooperação pode chegar às comunidades ? De que modo esta diversificação da economia se desenvolvem num ambiente de economia de mercado, num ambiente de competitividade com regras? Este é o nosso grande problema. Infelizmente, continuamos a ser um país de economia central, um país onde os empresários angolanos estão falidos, na sua maioria. Esta é uma razão de grande preocupação porque sofrem com uma enorme competição e são destruídos pelo sector governativo. Hoje temos actores políticos a ocupar o sector da economia.

Para quem passa por aqui de um dia para o outro, não há tempo para perceber os desafios que o país enfrenta. Temos um sector económico praticamente privado e quase destruído, descapitalizado e que não tem acesso para ser parceiro deste tipo de iniciativas, a não ser os actores do partido do Estado.

“O pacote legislativo autárquico ainda não está concluído” e isso está a atrasar as eleições autárquicas, afirmou João Lourenço. O senhor disse que não acredita na promessa de realização das eleições autárquicas. Porquê?

A resposta de João Lourenço de que não há possibilidade de fazer eleições porque não há legislação não tem nenhuma credibilidade. Não há legislação porque ele não permite. Não sei se a resposta a seguir à dele foi; o senhor desculpe, mas o senhor é que não permite que seja agendada a única lei que falta. Não sei se essa pergunta lhe foi feita porque era o que eu esperava que fosse feito.

Muitas vezes as entrevistas que ele concede têm limitações. Não permitem contrariedade, num formato normal, em que o jornalista não pode levar ao limite aquilo que é a oportunidade de esclarecer o público.

Nós todos conhecemos esta resposta. Sou deputado e todas as leis do pacote autárquico foram aprovadas na generalidade a caminho de cinco anos. No próximo mês fazem cinco anos que todas as leis foram aprovadas. O MPLA tem medo, não há outra resposta.

Depois das eleições mais renhidas de sempre, o seu partido, a UNITA, continua a reclamar vitória.

Não me pergunte a mim. É jornalista, faça uma auscultação pública. Vá às instituições de carácter diplomático e veja a leitura que todos têm sobre as eleições. Aqui não há dúvidas porque quem diz que ganhou, não celebrou e quando quiseram sair à rua, o povo correu com ele. Isto é um sinal claro daquilo que aconteceu em Angola, onde tivemos uma pré-campanha e uma campanha que durou quase dois anos. O país ficou parado aos interesses do partido-Estado.

Se for ao aeroporto, a propaganda estática do MPLA continua nas ruas. O governador de Luanda não tira a propaganda do seu partido. O presidente do MPLA ainda está postado nos cartazes, que viola as leis. Não tivemos uma campanha democrática e mesmo assim perderam, não comemoraram e temos uma realidade que não mudou. Lamentavelmente, temos pela frente desafios da necessidade de afirmação num país plural, os desafios do desenvolvimento porque os angolanos têm acesso à informação global, como em qualquer outro espaço e outro povo, mas têm muitas restrições. Temos um aumento substantivo da pobreza, num país que tem tudo para não ter estes problemas.

Os últimos meses ficaram marcado por escândalos de corrupção, sobretudo em torno dos tribunais superiores, do supremo e de contas. A UNITA, o maior partido da oposição de Angola, defende a impugnação de mandato do Presidente angolano por este ter negado à RFI a existência de uma crise institucional ?

Não sei onde foi buscar esta citação de "impugnação de mandato". Não conheço nenhum dirigente da UNITA que tenha feito este pedido. Pelo menos, se vou brincar um bocado, que ainda não tenha feito. Esta afirmação não é pública, não há afirmação a este nível.

Quanto ao estado da justiça em Angola, não há justiça em Angola. Todo o edifício não funciona porque está ocupado pelos interesses do partido-Estado. Quem não permite o funcionamento da justiça ? O MPLA, que é também o Presidente da República, que é um partido-Estado e que não aceita fazer reformas das instituições. Nós vivemos de escândalo em escândalo. Um escândalo que nos dá um indicador de crise extrema.

Esta semana mesmo, teve a oportunidade de estar com João Lourenço. Ele veio a público afirmar que há razões com uma das juízes e vem em defesa, substantiva, do presidente do Tribunal Supremo, um homem cujo perfil está completamente desadequado à responsabilidade da missão que tem. A este nível, [ele] tem que se estar completamente à margem de suspeição e está completamente envolvido em polémica atrás de polémica, escândalos atrás de escândalos, sujeito a espaços de investigação.

Tornou-se público na quinta-feira que os seus colegas pares, o Conselho Superior de Magistratura, se reuniram e exigem a sua presença, porque não aparece no tribunal.

Aqui em Angola quem manda na justiça é o senhor Presidente da República. Temos este drama porque Joel Leonardo não ganhou o concurso para Presidente do Supremo é foi a terceira opção polémica, mentiu à Assembleia Nacional, tudo isto é um esquema para a qual ele não tem nenhuma condição de continuar a exercer a sua missão. Onde não há justiça todos pagam e todos estão em risco e não é possível ter uma sociedade desenvolvida sem um sistema de justiça que funcione porque aqui pune-se um ladrão de galinhas e deixa-se em liberdade um ladrão do país que está sentado no conselho de ministros.

A UNITA foi o único partido da oposição a votar contra o Orçamento Geral do Estado. Não há o risco desta postura ser considerada como obstrução sistemática?

Explico-lhe por que motivo votámos contra, votámos contra porque o Orçamento Geral do Estado que tem beneficiado, uma vez mais, de um período de diferenciais elevados, consequência do elevado preço do petróleo. Angola tem um orçamento bilionário, multimilionário e não chega às comunidades, não beneficia a população.

Não está no orçamento a verba para as autarquias locais, uma promessa de João Lourenço. Andou atrás de nós, Adalberto Costa Júnior prometeu eleições locais em 2023, quando viu que era uma matéria que todo o angolano pretende, veio atrás de mim nas promessas. Mentiu à jornalista por não viver aqui todos os dias, que não havia legislação. Não assumiu que ele é que está a impedir que esta legislação vá ao parlamento. Falta uma lei, mas só na especialidade porque na generalidade está votada há cinco anos. Esta lei agendada amanhã no fim do mês está aprovada, posso garantir-lhe.

Está a dizer que haveria condições para que as eleições autárquicas se realizassem este ano?

Todas as condições estão criadas. Se quiser fazer uma auscultação, 99,9% dos angolanos querem as eleições locais. Não sei do que é que o MPLA tem medo, senão do facto de que deixará de ter poder vertical para ter um poder mais horizontal.

Votámos contra porque as verbas para a educação não correspondem às necessidades do país. Votámos contra porque as verbas da saúde não correspondem aquilo que é a necessidade para o país. Não há um incentivo ao desenvolvimento, inclusive da economia com equilíbrio. Há a continuidade do financiamento da banca que faz empréstimos ao Estado. Se for verificar, este orçamento continua a trazer quase 50% daquilo que é despesa pública para pagar dívida pública. Isto é um crime porque a dívida pública é o financiamento do poder político instituído.

Angola tem acesso a financiamentos internacionais a custos muito baixos, a juros mínimos. O financiamento de quase 50% da dívida pública é feito por consórcios de bancos internos a juros elevados e escandalosos, pergunte de quem são os bancos? - Estes bancos internos são dos governantes, são de quem aprova as leis e estão a violar leis internas, mas não se aplicam porque há um partido, cujo núcleo tem um poder enorme sobre o Estado, manda no Estado.

Não se governa para Angola, mas para a manutenção do poder político. Este é o motivo da crise na qual o poder se encontra e hoje já não se consegue mais esconder. É uma crise visível. A imagem do Presidente está na rua da amargura e se for fazer uma sondagem, sobre a sua popularidade e a sua imagem de credibilidade estão completamente destruídas. Esta é uma verdade pós-eleições.

A sua chegada à UNITA teve de ser validada várias vezes por via judicial. Não sentiu algum desconforto por assumir a liderança da UNITA quando muitos sectores evidenciavam o facto de ter dupla nacionalidade e de ser mestiço?

Questões falsas.. Nós temos de facto um conceito de angolanidade e é uma questão muito séria. Tivemos desafios enormes de consolidação e independência nacional. Desafios que já o facto deste tipo de debates aparecerem hoje são um indicador enorme de incapacidade e de irresponsabilidade de onde ele vem, e vem da Presidência da República. Vem de algumas conferências de imprensa, cuja autoria estava situada na Presidência da República. O órgão que deve garantir a unidade nacional, que deve estar acima de qualquer elemento de acção pejorativa e de impunidade é quem promove este tipo de circunstância.

Não havia problema com a candidatura de Adalberto, tanto que a seguir o Tribunal Constitucional registou a correcção deste congresso dois anos depois da pressão política. Este é que é o problema de que falava, não há independência do poder judicial. Aconteceu o maior escândalo no âmbito da justiça em Angola. Este facto continua, na minha leitura, a ser o maior de todos os escândalos da era desta presidência. Quem defendeu Adalberto Júnior e a legalidade não foi a UNITA, foi a sociedade que reagiu contra esta postura, foi a academia, foram os magistrados que se pronunciaram de imediato. Veja a quantidade de indicadores de organizações profissionais que vieram a público negar este tipo de intervenção, que destrói qualquer seriedade de qualquer sistema de organização de Estado. Não tenho dúvidas que isto fez muito mal ao MPLA. Fez muito mal à imagem da presidência e espero que tenha aprendido porque Angola continua a ter na Presidência da República estruturas que combatem a democracia.

Nós temos na Presidência da Republica, ainda hoje, um gabinete de acção psicológica e de propaganda institucional paga pelos dinheiros do Estado, que compra cidadãos, que compra igrejas, que promete legalização de estruturas. São pessoas dotadas de extremos poderes e pagas com fundos públicos. Temos de ser voz de denuncia disto. Isto não é democracia isto é uma vergonhosa estrutura autoritária extrema, para não lhe chamar pior.

De que forma interpreta o recuo de Angola, que se absteve no voto de condenação da invasão russa na Ucrânia, na Assembleia das Nações Unidas?

Creio que acaba por vir dizer aquilo que é de facto, [o país] não tem política própria, está a fazer jogos. Estou a vir de uma conferência em Lisboa, que decorreu na semana passada sobre a democracia em África. Nesta conferência, a nossa leitura foi que, acima de tudo, compete aos africanos saberem defender-se a si próprios. Compete a nós africanos fazermos opções sobre o nosso interesse, mas não deixámos de fazer uma análise sobre os parceiros internacionais e de apelar ao fim da hipocrisia das relações internacionais.

Angola vive circunstâncias de extrema violação de direitos humanos. Há muita gente que participou na campanha e depois foi perseguido de imediato. No fim da campanha, uma quantidade de activistas e membros de partidos políticos, nomeadamente da UNITA, começaram a receber nas suas portas, nas suas casa, nos portões, uma caveira com sangue na parte que era a boca "está marcado". Muitos foram presos e as perseguições são evidentes, mulheres, mães, jovens, agredidas e feridas com profundidade. Mandar mensagens aos maridos por serem jornalistas, por não serem pró-regimes naquilo que fazem no dia-a-dia. O que é que as autoridades fazem? Nada, ignoraram totalmente. O que fez o grupo parlamentar do MPLA quando se levou a violação dos direitos humanos, a este nível, à Assembleia ? Votou contra, significa que impediu que se aprovassem decisões de defesa dos direitos humanos, da integridade física das pessoas.

Nós temos um sistema que não é plural, que está em grande risco e que precisa de ser aberto e melhorado, mas as parceiras internacionais deveriam aprender que os interesses económicos da cooperação, ele ocorrerão melhor em ambientes de verdadeira democracia e pluralidade. Aquilo que se defende nos nossos países deve servir de universalidade para outros países e é por causa disso que algumas destas visitas deveriam trazer uma componente de diálogo com as populações. Conheço programas da União Europeia, que durante muitos anos venderam, promoveram a necessidade das relações dos Estados não se fazerem exclusivamente com os governos porque não representam relações com os povos. Os povos não são representados pelos seus governos, são representados pela pluralidade das instituições do país.

Uma visita como a do Presidente Macron teria sido uma visita muito mais completa se tivesse tido a oportunidade de ouvir a sociedade, de ouvir os partidos políticos, de ouvir a pluralidade das instituições porque assim, para quem acompanhar pela televisão, foi uma mera propaganda governativa. É uma pouca-vergonha da pluralidade e esteve à distância da oportunidade de colher resultados que atinjam Angola no seu todo. Vai colher os resultados do partido-Estado, apenas. RFI

Rate this item
(0 votes)