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Segunda, 27 Fevereiro 2023 11:00

«A oposição não apoia a luta do JLo contra a corrupção porque precisa de apoio financeiro dos envolvidos»

David Mendes, cujo mandato de deputado terminou no ano passado (2022), continua de "pedra e cal" contra o líder da UNITA e considera-o «um perigo» para Angola caso ascenda ao poder. Na presente Grande Entrevista ao NJ, o jurista, que não poupa críticas ao sistema judiciário e a membros do MPLA, que supostamente se terão juntado à oposição para garantir a sua sobrevivência, justifica o apoio ao Presidente João Lourenço, por identificar no também Chefe de Estado o propósito genuíno de endireitar o País.

Que observação faz do País político após seis meses das eleições?

Começámos um novo ano, que também marca o primeiro ano do segundo mandato do Presidente João Lourenço. Como é óbvio, é sempre importante observarmos o que é que foi feito no seu primeiro mandato, e, a seguir, o que é nossa aspiração do que ele possa fazer enquanto político, e também importante vermos a dinâmica que o País está a levar. Tivemos uma dinâmica inicial muito forte de combate à corrupção, mas começámos a sentir que essa dinâmica está quase que a amortecer, porque, algumas vezes, nos levamos a pensar que o combate à corrupção está sendo feito a nível mais baixo, quando o interesse é impedir que as pessoas que estão nos órgãos de gestão continuem a usar o erário como querem e continuem a cometer os mesmos erros do passado.

Não está satisfeito com o combate à corrupção?

Penso que temos de mudar de estratégia e, quando falo que temos de mudar, estou a dizer o País. O País tem de mudar a estratégia de combate à corrupção, para melhorar o bem-estar das pessoas. Todos nós estamos de acordo que precisamos de mudar. Porém, agora, como devem ser feitas as mudanças? Essa tem sido a grande questão que colocamos, e cada um tem a sua visão de País, cada um tem a sua visão de como priorizar as coisas. Então, esse período de vigência do Presidente João Lourenço teve cinco anos, agora tem mais cinco anos. No meu entender, são os cinco anos que tem de governar, porque os primeiros cinco anos são sempre para satisfazer os interesses dos grupos, para garantir um segundo mandato. Ele já não terá um terceiro mandato e, não tendo um terceiro mandato, agora pode gerir o País de acordo com a sua filosofia de trabalho, a sua filosofia de fazer que as pessoas entendam que País é que se pretende, e para que se possam movimentar as pessoas dentro daquilo que é o seu ponto de vista.

Entendo que, enquanto políticos, estamos numa nova fase, de um Presidente que está em final de mandato, é o último mandato, e de um País que ainda não está definido para onde vai.

Disse, no princípio da entrevista, que sente ter havido uma redução na dinâmica do combate à corrupção. Não acha que o alegado freio tenha resultado de uma estratégia, dado que diferentes sectores entendiam que o Executivo estava a canalizar muita energia nesse projecto, em detrimento da resolução de questões sociais?

Penso que esse freio ao combate à corrupção se deveu à falta de apoio. Sabe que as principais vítimas do combate à corrupção são indivíduos ligados ao MPLA. Porém, a oposição que deveria apoiar também não apoiou. Vimos um discurso de uma oposição que sempre dizia que é "um combate selectivo". Quer dizer, a oposição não alinhou e também criou um mecanismo de frenar esse combate à corrupção. Particularmente, vimos no ano passado, quando se aproximavam as eleições, que a oposição foi dando mostras de que não queria combater a corrupção, não queria que as pessoas que estivessem ou estão envolvidas na corrupção fossem presas, porque precisa do apoio económico dessas pessoas, porque precisava do apoio moral dessas pessoas e também do apoio político dessas pessoas.

Então, a oposição soube jogar o interesse eleitoralista para forçar João Lourenço, também enquanto candidato, a fazer um freio ao combate à corrupção. Sabe que o combate à corrupção é também uma questão de valor político, e a oposição não o auxiliou.

Não acha que o combate à corrupção perde credibilidade quando, a nível superior, apenas pessoas ligadas ao antigo Presidente, José Eduardo dos Santos, são expostas até nas televisões, mas casos em que quadros próximos ao actual Chefe de Estado, como o caso de Edeltrudes Costa, continuam como que arquivados, dando a impressão de não haver suspeição alguma?

Há aqui um problema que é do sistema judiciário. Isso não é um problema do Presidente, é um problema do sistema judiciário. O Presidente lança o propósito político de combate à corrupção, é preciso que os órgãos judiciários, a Polícia, a PGR e os Tribunais, concorram para o mesmo fim. Mas, o que é que acontece? Politicamente foi criado o projecto, mas os órgãos judiciários não acompanharam na intensidade que se esperava. O cidadão não vai dar seriedade quando, por exemplo, um administrador municipal, que aparentemente tenha desviado 12 milhões de kwanzas, apanha 14 ou 16 anos de prisão, e um ministro, que desviou milhões de dólares, leva oito ou seis anos de prisão. Isso não é sério. Temos um sistema judiciário que não acompanhou o movimento do combate à corrupção.

Muitos dos processos de combate à corrupção não foram tidos como prioritários. E ademais: quando falo do sistema judiciário, estou a falar também da intervenção dos advogados, que são astutos. As pessoas que têm recursos económicos escolhem os melhores advogados da praça, que são capazes, perante dúvidas, de colocar o tribunal numa situação de não conseguirem avançar com o processo. Portanto, precisamos, também, de analisar que o combate à corrupção é de extrema importância para ter uma aliança com o sistema judiciário. Sem o sistema judiciário, não se combate a corrupção.

Objectivamente, o Presidente João Lourenço está só em relação à luta contra a corrupção?

Devia-se esperar mais da oposição. Sabe que a retórica de que o combate é selectivo veio da oposição? A oposição foi o primeiro entrave do combate à corrupção, porque não pode haver processos judiciais não-selectivos. Os processos são sempre selectivos, porque tem de se ver o impacto social do crime e do criminoso. A sociedade tem apetência para que determinados crimes e determinados criminosos venham ao de cima, visando saber que tipo de crime se cometeu e onde estão os meios que derivaram destes crimes.

O que é que começou a acontecer? Quando se prende alguém na rua, um garoto que roubou uma motorizada, que assaltou uma casa, vem nos órgãos de comunicação social, e outros meios, mas, quando a pessoa já está no crime organizado, particularmente no peculato, um crime extremamente organizado, a informação não circula, fecham o circuito. Os bancos vão dizer que têm segredos bancários, as Finanças vão dizer que estão em processamento, mas em segredo, quer dizer, fica tudo em segredo, e o que acontece é que as pessoas não vão dando credibilidade ao processo.

Não podemos aceitar, e quem acompanhou, durante algum tempo, o Programa "O Banquete" da TPA esperava muita gente a responder criminalmente. Moral da história, acabaram com o tal programa. Porquê? Quem eram as pessoas expostas? Eram pessoas ligadas ao MPLA. E quando estamos a falar do combate à corrupção, estamos a falar, essencialmente, de pessoas ligadas ao MPLA. A oposição, ao invés de aproveitar esse elemento de que as pessoas visadas no combate à corrupção são do MPLA, para retirar dividendos, o que é que ela fez? Foram fazendo alianças com indivíduos do MPLA para combater quem está à frente da luta contra a corrupção, nesse caso, João Lourenço. NJ

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