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Sábado, 16 Janeiro 2021 13:09

Historiador lamenta envolvimento de João Lourenço num acto de “imoralidade”

O historiador luso-angolano Carlos Pacheco defendeu hoje que homenagear o nacionalista Ludy Kissassunda, que morreu recentemente em Portugal, é “colocar um facínora no panteão dos heróis”, lastimando o envolvimento do Presidente angolano num ato de “imoralidade”.

Questionado sobre a homenagem que o Presidente João Lourenço rendeu ao general, que morreu em Portugal em 06 de janeiro, por doença, o historiador luso-angolano e autor do livro “Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador”, entre outras obras, mostrou-se “indignado” com a iniciativa.

“Milhares de vítimas do 27 de Maio estão a pedir justiça e a exigir que o Presidente da República seja a primeira autoridade da República a pedir perdão em nome da pacificação dos espíritos e este homem vem agora prestar a sua presença num cerimonial destes, que eu considero uma dança macabra da imoralidade”, criticou.

Ludy Kissassunda fez parte da primeira delegação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) que chegou a Luanda e depois da independência desempenhou várias funções no Estado, como governador das províncias do Zaire, sua terra natal, e Malanje.

Exerceu igualmente, entre 1975 e 1979, o cargo de diretor-geral da extinta DISA (Direção de Informação e Segurança de Angola), havendo atores da sociedade civil e da vida política angolana que contestam o seu papel à frente da ‘secreta’, considerando-o um dos principais mandantes das ações persecutórias aos opositores de Agostinho Neto, que se seguiram após os acontecimentos de 27 de maio de 1977.

Sublinhando que “o 27 de Maio foi uma hecatombe”, Carlos Pacheco afirmou que o gesto do Presidente da República constitui uma “repetição da ilegalidade” e uma “segunda morte” para as vítimas.

“Isto é um sinal explícito que o general João Lourenço não vai pedir desculpas ao país e, mais uma vez, provoca uma segunda morte das vítimas do 27 de Maio. É um desprezo total pelas vítimas”, lamentou.

Por outro lado, a homenagem “vem na contramão” do espírito da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop) que considerou “um perfeito ‘bluff’”: “Não querem retirar a carapuça dos assassinos” sobre os quais “pesam crimes inauditos”, criticou o historiador e escritor.

O 27 de Maio foi uma alegada tentativa de golpe de Estado, liderado por Nito Alves, ex-dirigente do MPLA, que deu origem ao chamado fracionismo, movimento político em oposição ao líder do MPLA e primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto.

O “fracassado” golpe de Estado, reza a história, levou um período de dois anos de “perseguição sangrenta” e culminou com milhares de mortes.

“O Presidente da República coloca a ilegalidade acima do primado do direito para homenagear um monstro”, criticou.

Carlos Pacheco assinalou que o próprio Agostinho Neto, “que criou no país um clima de assassinatos”, acabou por “ter o escrúpulo de afastar” o diretor da DISA, apesar das responsabilidades da transformação de Angola “num enorme cemitério” não pertencerem apenas aos comandantes daquele organismo.

“E agora João Lourenço consagra-o como um herói?”, questionou, acrescentando que Ludy Kissassunda está “na primeira linha das malfeitorias, dos assassinatos que se praticaram nesse país”.

Ainda sobre Kissassunda, “um homem que perseguiu e declarou que iria usar a última bala contra os portugueses”, considerou ser “irónico” que não só ele, como outros generais “torcionários”, acabem os seus dias num país que “tanto insultavam”.

Carlos Pacheco, nascido em Luanda em 01 de março de 1945, e que também militou nas fileiras do MPLA, descreve o partido que governa Angola desde a sua independência de Portugal como uma organização “perversa, de malfeitores” com um historial “macabro”, que praticou crimes internamente e contra outras forças políticas, e onde não vê tentativas de reconciliação com a sua própria história.

“Há uma ideologia de morte no MPLA” , partido onde predomina “o espírito da intolerância” e que está apostado em “governar até quando puderem”, destacou.

O historiador acredita que não há condições para uma mudança no partido no curto prazo e realçou que o MPLA caminha no sentido de uma desestruturação interna. “O MPLA, internamente, está-se a esfacelar”, concluiu.

João Lourenço manifestou hoje “profundos sentimentos de pesar à família” de Ludy Kissassunda, numa homenagem prestada no Quartel de Regimento de Infantaria 20 (RI20) das Forças Armadas Angolanas, em Luanda, onde está a ser velado o corpo.

“O general Ludy Kissassunda é um nacionalista da geração da luta armada pela independência nacional que, ao longo da sua trajetória, desempenhou importantes funções no aparelho do Estado. Neste momento de dor e luto, aproveito a ocasião para, em meu nome pessoal, da minha família e do executivo angolano manifestar os meus profundos sentimentos de pesar à família e a todos os companheiros de luta”, escreveu João Lourenço no livro de condolências.

Várias personalidades ligadas ao Governo, deputados, membros do poder judicial, das forças de ordem e segurança do Estado, antigos combatentes e militantes do MPLA prestaram tributo a Ludy Kissassunda, desvalorizando os aspetos controversos da sua prestação à frente da DISA.

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