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Quarta, 05 Fevereiro 2020 09:07

Negociar com Isabel dos Santos poria em perigo luta contra a corrupção de João Lourenço

Com receio do impacto que poderia ter em termos de credibilidade para a sua política contra a corrupção, João Lourenço veio negar qualquer negociação com a filha do seu antecessor, nem agora, nem no futuro. Advogado Sérgio Raimundo também desconhece contactos entre a empresária e a procuradoria.

Já quase não resta ninguém para negar a existência de negociações entre Isabel dos Santos e a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola com vista à devolução dos 1,1 mil milhões de dólares que a empresária alegadamente deve ao Estado angolano em troca do levantamento do arresto aos seus bens. O procurador Pitta Grós negou a notícia do Expresso, o Presidente João Lourenço também negou em entrevista à Deutsche Welle e, ao PÚBLICO, o advogado Sérgio Raimundo fez o mesmo.

“Desconheço completamente este quadro, não sei porque o meu nome foi associado”, adiantou o jurista, cujo escritório foi descrito como tendo sido o porta-voz da estratégia apresentada por um reputado advogado inglês junto da Procuradoria Geral da República (PGR) angolana.

Raimundo lembrou que já antes do começo do julgamento de José Filomeno dos Santos (Zenu), que liderava o Fundo Soberano de Angola e é acusado de burla, tráfico de influência e branqueamento de capitais no chamado do “caso dos 500 milhões”, tinham circulado notícias de que iria ser o defensor do filho do ex-Presidente e isso não aconteceu – é advogado no processo, mas de Valter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola.

Só Isabel dos Santos ainda não negou publicamente a existência dessa sondagem à PGR. Não respondeu à pergunta que o PÚBLICO lhe enviou por WhatsApp e há dias que as suas contas nas redes sociais se mantêm paradas, depois dos muitos comentários que a empresária foi publicando ao longo do mês de Janeiro, após a decisão do Tribunal Provincial de Luanda ter ordenado o arresto preventivo dos seus bens, do seu marido, Sindika Dokolo, e do seu principal gestor, Mário Leite Silva.

Em termos do processo cível de arresto, a lei permite negociar o pagamento da dívida e Isabel dos Santos, tal como Sindika Dokolo e Mário Leite Silva têm todo o direito até ao último momento para chegar a acordo e devolver o dinheiro alegadamente em dívida, o que pararia o processo cível.

Em nenhum momento essa negociação garantiria que o processo criminal em que Isabel dos Santos é arguida, junto com os portugueses Mário Leite Silva, Sarju Raikundalia, Paula Oliveira e Nuno Ribeiro da Cunha (este já falecido), se extinguiria por via desse acordo. Em relação a esse processo-crime por má gestão e desvio de fundos durante a sua passagem pela Sonangol, a companhia petrolífera do Estado angolano, a PGR não tem poderes negociais para chegar a um acordo do género.

“Em primeiro lugar, do ponto de vista legal, não há nenhuma legislação que permita à PGR ‘negociar’ acerca de uma panóplia de processos legais e factos tão abrangentes como os que envolvem Isabel dos Santos. Admitindo, por hipótese, que a PGR fixava em mil milhões de dólares o montante dos valores que Isabel tivesse recebido ilicitamente do Estado, tal não lhe dava poder para desistir de processos contra Isabel caso esta devolvesse o mesmo valor de que usufruiu”, escreve o jurista Rui Verde no site Maka Angola.

Nesse caso, a negociação teria de passar para o campo político. E nesse domínio, João Lourenço não está disponível para negociar com Isabel dos Santos. Nem sequer tem a ver com a vontade de não interferir com o andamento dos tribunais – como diz um advogado angolano ao PÚBLICO, pedindo para não ser identificado, “não há independência dos tribunais em Angola”. A questão é mesmo política.

Como refere uma fonte conhecedora da política angolana, João Lourenço precisava de enviar a mensagem clara de que não está disponível para negociar perdões em troca de dinheiro ou a sua luta contra a corrupção, em que tanto se tem empenhado, a ponto de se tornar uma política central da sua presidência, perde totalmente a credibilidade.

Em Angola, principalmente em Luanda, onde notícias falsas e as teorias da conspiração florescem quotidianamente e são partilhadas como verdades insofismáveis, a ideia de que estes processos contra a família Dos Santos não vão dar em nada já anda a circular. Se o Estado aceitasse dar a oportunidade à filha de José Eduardo dos Santos de pagar o que deve e ganhar em troca um cartão de “você está livre da prisão”, confirmaria a teoria dos mais cínicos que desconfiam da apregoada mudança garantida por João Lourenço.

“Nós gostaríamos de deixar aqui garantias muito claras de que não se está a negociar”, afirmou peremptoriamente o chefe de Estado, na entrevista à Deutsche Welle. “Mais do que isso, não se vai negociar, na medida em que houve tempo, houve oportunidade de o fazer. Portanto, as pessoas envolvidas neste tipo de actos de corrupção tiveram seis meses de período de graça para devolverem os recursos que indevidamente retiraram do país”, acrescentou.

“Isabel dos Santos tornou-se um símbolo da determinação do presidente e dos órgãos judiciários do país em combater a corrupção”, escreve Rui Verde. “Qualquer acordo será uma derrota de João Lourenço e da sua campanha contra a corrupção” e daria azo, já protegida pelo acordo, de a empresária retomar a sua actividade em Angola e até de assumir a sua ambição política de disputar o poder ao Presidente em 2022. E mesmo que não fosse a filha de José Eduardo dos Santos a avançar para a disputa interna do MPLA, outros se sentiriam incentivados pelo flanco aberto de João Lourenço neste caso. PUBLICO

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