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Sábado, 29 Setembro 2018 23:03

Os novos senhores de um poder que não perdoa

Se a pergunta corrente em Angola nos dias de hoje é : “Quem entra a seguir” (para a prisão), a curiosidade política dominante centra-se na transferência de poder para uma nova geração. João Lourenço fez emergir “novos senhores do poder”, que, como disse ao Expresso o jornalista e activista Rafael Marques, estão a ajudá-lo “a desarticular a máquina da corrupção institucional em que se transformou o MPLA”.

À frente destes “novos senhores do poder” está o próprio Presidente, que cumpriu um ano de mandato na quarta-feira. João Lourenço recusa-se a viver fechado numa redoma, como o seu antecessor José Eduardo dos Santos.

“Ele é o poder, que não reparte com ninguém!”, assegura um alto dirigente do MPLA, partido que governa Angola desde 1975.

O novo chefe de Estado ouve a opinião dos colaboradores mais próximos, mas não partilha com estes algumas das decisões mais problemáticas. Tem ao lado a mulher, Ana Dias Lourenço, experiente na governação . Foi ministra do Planeamento entre 1999 e 2012, enriquecida por uma passagem pelo Banco Mundial.

“Pode ser uma ‘muleta’ necessária em matéria de políticas económicas, mas o Presidente não anda a reboque dela, que muitas vezes toma conhecimento das suas decisões pela televisão”, revela um colaborador de João Lourenço.

Sem temer a força do poder que era detido pelo antecessor, o Presidente lançou um combate sem tréguas contra a corrupção, que culminou esta semana com a detenção de José Filomeno dos Santos, filho de José Eduardo dos Santos e antigo presidente do Fundo Soberano de Angola. “Ultrapassou-se uma barreira impensável”, diz o jornalista Reginaldo Silva.

“Foi o mais violento soco no estômago de José Eduardo dos Santos”, afirma fonte da sua família.

Por este motivo, apurou o Expresso, José Eduardo dos Santos, anulou uma viagem a Espanha, onde deveria submeter-se a tratamento médico.

“A vontade política de acabar com a corrupção é para ser levada a sério”, sublinha Rafael Marques.

Além de Fernando Garcia Miala, principal “pilar” da secreta interna, João Lourenço conta com o novo procurador-geral da República, Hélder Pitta Groz, que tem levado aos tribunais processos que estão a desarticular os interesses de gente outrora intocável. A ousadia valeu-lhe o epíteto de “traidor” por parte do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

Outra figura que, de forma discreta, tem lançado o pânico sobre a desordem reinante nas finanças dos ministérios e empresas públicas é o inspector -geral do Estado, o jurista Sebastião Gunza. O rol de figuras proeminentes do novo Governo inclui os ministros das Relações Exteriores, Manuel Augusto, homem que ajudou a “desbloquear” as relações entre Portugal e Angola, afectadas pelo processo contra o ex-vice-presidente angolano Manuel Domingos Vicente, e o dos Petróleos, Diamantino Azevedo, que está a reformar o sector, além do chefe de gabinete do Presidente, Edeltrudes Costa.No plano político, é relevante o papel de João Martins, secretário para as Autarquias e Reforma do Estado, ou a promoção de Salomão Xirimbimbi, a secretário para os assuntos económicos e sociais.

RAZIA CIVIL E MILITAR.

Com a perda de influência de José Eduardo dos Santos, além dos filhos, saíram da ribalta o ex-chefe da casa militar, general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, o ex-chefe dos serviços de comunicação, general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, o ex-chefe inteligência militar, general José Maria, o ex-secretário-geral do MPLA, Paulo Kassoma, e representantes da velha guarda como António França “N’Dalu”, Roberto de Almeida, Dino Matrosse e Higino Carneiro. Servidor fiel do ex-Presidente, Carlos Maria Feijó continua a ter a confiança de João Lourenço, tal como Manuel Vicente, apesar de ter sido afastado do bureau político do MPLA.

Sem os negócios do passado (perdeu, com o irmão José Paulino, a gestão do canal 2 da televisão pública) e preocupada com a detenção do meio-irmão José Filomeno “Zenu”, Tchizé dos Santos negou esta semana que aquele seja toxicodependente.

José Filomeno “Zenu”, é acusado pelas autoridades de ter ludibriado a antiga administração do Fundo Soberano de Angola ao ter passado cerca de 3.000 milhões de dólares ( 2.580 milhões de euros) para uma conta exclusivamente sua

“Foi a partir daqui que, depois de ter feito contratos com Jean-Claude Bastos de Morais à revelia dos restantes administradores, drenou o dinheiro para as empresas do sócio e amigo suíço, acabando por lhe perder o rasto”, afirma fonte do Fundo Soberano.

José Eduardo dos Santos, que pedira a João Lourenço que não permitisse a detenção do filho, sente-se “traído” pelo sucessor.

“Destapado o buraco financeiro feito por Zenu no Banco Nacional de Angola e no Fundo Soberano, o Presidente João Lourenço não podia senão entregar o caso à Justiça”, explica fontes dos serviços da secreta interna.

José Eduardo dos Santos não esconde em círculos familiares o receio de “por este andar, poder vir a ser também chamado a prestar contas à justiça dentro de quatro anos”, quando caducar a imunidade de que goza.

Com Zenu foi detido Jean-Claude Bastos de Morais, considerado o verdadeiro cérebro das maquinações financeiras na base da disputa judicial num tribunal de Londres por causa do destino do montante subtraído ao Fundo Soberano. Fonte do Governo angolano explica ao Expresso que o empresário suíço -angolano, hoje na prisão de Viana, “quis condicionar a entrega do dinheiro à anulação dos processos movidos pelo Fundo Soberano “.

Também foi detido Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, acusado de desvio de fundos do Conselho Nacional de Carregadores (CNC).

O Expresso apurou que Ana Paula dos Santos, ex-mulher de José Eduardo dos Santos, terá esta semana intercedido junto do ministro do Interior, Ângelo da Veiga Tavares, por causa das condições em que está detida uma prima , Isabel Bragança, antiga directora financeira do CNC.

FUNDOS E PRIVATIZAÇÕES.

Os casos judiciais acumulam-se. Higino Carneiro, antigo governador de Luanda, é suspeito de ter desviado fundos do Estado, pelo que foi afastado do Comité Central do MPLA e do cargo de segundo vice-presidente da Assembleia Nacional.

Agastado, prometeu em privado renunciar a todas as funções, enquanto se insurgia em público contra Pitta Groz, a quem acusa de ser responsável pela sua desgraça.

“Higino Carneiro continua arrogante e a pensar ainda que é o rei da malandragem”, assegura uma fonte do MPLA.

O antigo governador da Huíla, Marcelino Tyipinge, foi acusado pelo director provincial da Educação de ter recebido comissões desviadas de dinheiro destinado ao pagamento de professores. Noutro processo, decorre um inquérito à alegada privatização de um terminal portuário em nome de “testas de ferro” que, segundo fonte do Ministério Público, agiam em nome do general Kopelipa.

Rafael Marques resume desta forma o desafio que se coloca a João Lourenço:

“Precisa de uma chuva de ideias independentes para ter um plano e uma equipa económica funcional que lhe permita reverter, a médio prazo, o total descalabro da economia. Se não o fizer, cai por terra todo o capital acumulado “. EXPRESSO 

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