Sexta, 03 de Mai de 2024
Follow Us

Domingo, 11 Setembro 2016 18:08

A dança das cadeiras e o feitiço

Seja na brincadeira de crianças, nas gincanas de jovens ou nos jogos da vida real a dança das cadeiras tem sempre o mesmo princípio: todos dançam mas na hora de tomar o assento há sempre alguém que fica de fora. A quantidade de cadeiras é sempre em número inferior à quantidade de pessoas que se querem sentar. Isto provoca uns tombos.

Por Amadeu Batatinha | NJ

Claro que nas gincanas é tudo muita alegria e diversão e ninguém fica muito ofendido nem jura vingança quando acaba por ficar de fora. Na vida real a situação é diferente. Há várias técnicas e metodologias para que os candidatos às cadeiras se consigam sentar, sendo por isso muito comum que alguns se sentem no colo dos outros pois há sempre mais pessoas que cadeiras. Mas havendo necessidade de acomodar criam-se cadeiras e poleiros.

Por outro lado, na dança das cadeiras o ritmo da música também varia de acordo com a cadeira que se quer ocupar. Há em muitos casos simples cadeiras de plástico onde é patente um ritmo mais ao estilo da rebita, com pouca agitação, onde o chefe da roda marca o compasso, enquanto as damas e os cavalheiros tentam manter a compostura.

No entanto, existem outras situações onde há autênticos tronos cobiçados por um elevado número de contendores que se agitam mais ao som de um funaná estridente em compasso binário e que nem sempre dançam em pares. Neste ritmo mais acelerado há quem tenha ajudantes que, mesmo não estando na dança, puxam as cadeiras caçumbulando a oportunidade dos candidatos mais desprevenidos.

O mais complicado é quando as regras da dança das cadeiras são mudadas durante o acto sem aviso prévio e os candidatos ao lugar não tomam conhecimento de tais mudanças. Essas mudanças podem incluir também degraus e alçapões que, sorrateiramente ou abruptamente, mudam o rumo da contenda tornando-a tão tortuosa e traiçoeira como a nossa Serra da Leba.

Uma outra característica da dança das cadeiras à moda angolana é que nem todos ouvem quando a música termina e por isso, surpreendidos, perdem a oportunidade de se sentarem, fazendo por vezes uma longa travessia no deserto, sempre em pé. Outra peculiaridade desta jogatana é que alguns jogadores, mesmo depois de sentados, saem do assento sem informação atempada, acabando por ter conhecimento do "descadeiramento" por meio da comunicação social. "Eu fui exonerado!? Não pode ser!"

Resulta destas regras escritas a lápis que muitos candidatos e quadros esperançosos por um lugar mais vistoso se tornem eles mesmos em peças de mobília, meros suplentes, aguardando por mais vagas. E quando a esperança começa a desaparecer lentamente consultam quimbandas que propõem a colocação de sapos, cobras, papagaios, galinhas e outros animais mais difíceis de encontrar, em locais estratégicos para afastar os opositores.

Como estão todos enfeitiçados pelo poder cada um tenta consultar o quimbanda mais poderoso nas artes da magia negra quer para prolongar o seu mandato como para aplicar uma bassula ao seu opositor. Os quimbandas, muitos deles detentores de uma capacidade empreendedora, é que vão diversificando as suas fontes de receita, aceitando pagamentos tanto em dinheiro como em espécie. Aceitam tudo menos a promessa de um lugar fantasma, uma cadeira fictícia.

Este fenómeno está tão enraizado na nossa cultura que os chefes não permitem que ninguém se sente nas suas cadeiras, e quando na sua ausência delegam poderes para assuntos correntes aos seus subalternos mandam guardar as suas cadeiras a sete chaves.

Para muitos, a dança das cadeiras ainda é feita em recinto instável com areias movediças sendo que para se lá chegar seja necessário atravessar a corda bamba. Entre quimbandas, feiticeiros e curandeiros, petições que vão desde o Dombe Grande à Lagoa do Feitiço, há quem não se coiba de dizer com bastante vontade: "aqui estamos, prontos para o sacrifício". E como só não erra quem não trabalha, mãos a obra e?keep calm?que sacrificados somos todos. E ainda como diz o adágio popular "no creo en brujas, pero que las hay, las hay". 

 

Rate this item
(0 votes)