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Quinta, 08 Setembro 2016 22:30

Moção de censura contra os falsos videntes do poder

A notícia da eleição do até aqui ministro da Defesa Nacional, João Lourenço, para o cargo de vice-presidente do MPLA não só ajudou a baralhar e a animar as cartas do xadrez político-partidário, como trouxe à mesa discursiva uma conhecida prática residual dos Estados anteriormente monopartidários, que induz de modo assertivo muito boa gente a assumir como verdade irrefutável ideias preconcebidas.

Nok Nogueira | NJ

Por exemplo, diz que, uma vez indicado número 1 da lista do MPLA ou mesmo número 2, João Lourenço "torna-se" quase que por antecipação no próximo Presidente da República, quando na verdade há um processo eleitoral em curso e cujos resultados ainda não são conhecidos.

É nosso entendimento que, independentemente dos nomes que venham a ser avançados pelas chapas eleitorais, há todo um procedimento a que se deve obedecer, e que deve ser, acima de qualquer suspeita, transparente, inclusivo e abrangente, que é o processo eleitoral; que, em abono da verdade, já começou mal por estar, por um lado, envolto em polémica (a Constituição da República, no n.º 1 do artigo 107.º, sobre a administração eleitoral, determina que "os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral INDEPENDENTES", ou seja, pela Comissão Nacional Eleitoral, mas o Governo veio a terreiro dizer o contrário e já lidera o processo, tendo aprovado sozinho o referido pacote legislativo.

Para quem quer ver respeitada a lisura do processo, não deixa de ser um mau presságio!).

Por outro lado, porque não se ouviu, como em outros casos não menos polémicos, e não são ainda cultura as amplas discussões públicas, pronunciamentos de académicos e intérpretes do Direito, como é prática em outras latitudes, em nome do interesse nacional e da transparência eleitoral.

Assim, ficou-se pela aprovação da Lei do Registo Eleitoral Oficioso no Parlamento, cujas sessões plenárias, como se sabe, não são transmitidas em directo. Logo, mais ninguém no país, a não ser as forças partidárias ali representadas, conhecem os argumentos de razão que levaram a que deputados que falam em nome do povo aprovassem a referida lei.

Na verdade, só o partido do Governo saberá, já que a oposição em bloco abandonou a sessão. Na melhor das hipóteses, para se fazer este tipo de afirmação tão assertiva e tão segura de si - quanto esta de que João Lourenço ou qualquer um outro militante partidário do MPLA seja seguramente o próximo Presidente da República -, há, em contextos verdadeiramente democráticos, um exercício que não é prática corrente em Angola, sobretudo em épocas particulares como estas, que serve de barómetro para se aferir sobre o sentido de orientação do eleitorado.

Que ainda assim não é tão conclusivo quanto é a indicação quase "certa" e "oficiosa" de que já há um Presidente da República apenas à espera que os prazos legais cheguem para a tomada de posse! Portanto, já não só se ouve à boca pequena como já há mesmo videntes em praça pública a apregoarem a profecia.

As sondagens, que antecedem os pleitos eleitorais, servem precisamente para se analisar a tendência de voto, a popularidade, ou a impopularidade de quem dirige estes governos, para que, com base nestes dados, regra geral conseguidos por via da utilização de métodos científicos de análise estatística, se possam induzir ou tirar ilações mais esclarecedoras ou perto disso, ainda que depois estas venham a ser contrariadas ou mesmo dadas como certas.

Ao que tudo indica, no caso de Angola e em particular deste caso de João Lourenço ou de um outro putativo candidato a Presidente da República, o modo como está a ser feita esta antecipação não configura nem um nem outro exemplo acima exposto, uma vez que não há este exercício de auscultação do desempenho dos políticos do governo por parte do eleitorado, nem tão-pouco é realizado periodicamente um estudo sobre o "estado de saúde" da governação, de quem governa, como governa e para quem governa (este último aspecto poderia servir de indicador inclusive para se aferir sobre as ideologias do partido que detém o poder, uma dúvida que ainda paira no ar).

Num sistema democrático, até onde vai a nossa compreensão de democracia representativa e em eleições realizadas com base no princípio da igualdade entre os contendores, não há vencedores antecipados.

Nenhuma democracia no mundo sobrevive à inversão dos seus principais valores. Se assim não for, chamem-lhe outra coisa, menos democracia. E o princípio da igualdade é, a par de outros requisitos a ele associado, um dos suportes do exercício democrático, pelo que este não pode ser simplesmente substituído por uma opinião que não vincula o "voto antecipado" da esmagadora maioria dos angolanos.

De qualquer modo, não deixa de ser sintomático este tipo de assunção num país onde não há uma cultura de realização de eleições.

Os três exercícios já realizados no país não conferem um estatuto de excelência, nem tão-pouco são representativos de um estágio que nos permita avaliar sobre o nível nem a qualidade dos nossos processos eleitorais; o cumprimento das metas eleitoralistas traçadas nos programas sufragados, até porque os programas eleitorais são dados a ver por via dos rótulos, sem que se conheça o conteúdo da embalagem. Ou seja, os programas eleitorais são meramente proclamados, mas não há uma discussão ou vários debates entre os contendores para explicarem ao eleitorado como pretendem implementá-los.

Já agora, convinha arregaçarmos as mangas no sentido de irmos olhando para os estudos de opinião e deixarmos que cada público-alvo visado nesses estudos pudesse ajudar a esclarecer questões tais como: dos potenciais candidatos, quais os mais impopulares? Que nota atribui a sociedade aos partidos políticos? Que político inspira maior confiança no eleitorado? Por esta via, talvez pudéssemos começar a falar em democracia representativa e a olhar para as questões com os olhos de ver, sem correr o risco de alguém nos induzir e levar a crer que afinal as eleições no país são uma verdadeira farsa, que servem apenas para fazer de conta, uma vez que já há vencedores antecipados. 20 minutos.

 

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