Foi uma libertação inesperada, apesar de os próprios nunca terem desistido de lutar pelos seus direitos e das campanhas internacionais terem conseguido manter o tema dos direitos humanos naquele país, quer no radar das grandes organizações humanitárias, quer em cima da mesa das mais importantes chancelarias mundiais, cujo apoio é vital para o regime de Luanda evitar o isolamento externo e recuperar da difícil situação económica em que se encontra.
Talvez por isso é muito curioso observar, agora, o esforço da justiça angolana para retirar deste processo toda a carga política que ele tem desde 20 de Junho de ano passado, dia em que ocorreram as detenções, quando os activistas estavam reunidos a debater um texto intitulado Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura. Filosofia Política da Libertação. Ainda ontem, Rui Mangueira, ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, afirmou:
“Nós continuamos a dizer que este caso é essencialmente técnico-jurídico, não há questões de natureza política nesta situação”. Esqueceu-se, no entanto, que os activistas foram condenados, em Março, pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e de associação de malfeitores”. Além do mais, o Ministério Público acabou por deixar cair a acusação de que estavam a planear um atentado contra o Presidente, o que talvez tenha sido o primeiro sinal premonitório do desfecho de ontem.
Aliás, sinais é o que não tem faltado na política angolana, todos sintomaticamente emitidos a partir do Futungo de Belas, residência oficial do Presidente da República. Primeiro com o anúncio, em Março, de que se pretende retirar da política em 2018; depois, com notícias cada vez mais insistentes sobre a possibilidade de Isabel dos Santos vir a integrar o Comité Central do MPLA, no próximo congresso do partido, marcado para Agosto. Pelo meio, ficam as críticas duras (e surpreendentes) de José Eduardo dos Santos à forma como têm sido geridas as empresas públicas, feitas numa importante reunião do partido.
Mas a política de Luanda está longe de ser linear e as palavras dos seus dirigentes não devem ser levadas à letra, porque todos se vão atropelando neste permanente jogo de sombras em que se transformou um partido que está no poder há mais de 40 anos. Daí o cepticismo com que foi recebido o anúncio de Eduardo dos Santos. Já aconteceu antes, a história pode repetir-se.
A novidade é que há um quadro de crise sem precedentes no país e, nestas circunstâncias, o regime pode ser obrigado a uma certa abertura para manter o controlo da situação. Não será por acaso que o nome de Isabel dos Santos é atirado para a ribalta política. A filha do Presidente pode ser o rosto ideal para cortar com a Angola dos generais e protagonizar a ideia de um país mais moderno e cosmopolita. Às vezes, basta parecer que algo muda…
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